21.8.12

 

Maria tem passado os últimos dias à cabeceira da cama onde a mãe, com a coragem que sempre lhe reconheceu, se debate para roubar à morte um minuto que seja da sua vida. Todos sabem que, aquela, sairá vencedora, mas a mãe dá-lhe luta. Ditaram-lhe a sentença depois de uma análise de rotina.

 

Naquela manhã, estúpida e caprichosamente bela, abandonaram o consultório com um inaudível, “Bom dia Sr. Dr.”, não queriam continuar a ouvir o que o médico tinha para lhes dizer, mais tarde telefonariam ou passariam novamente pelo consultório. Maria só queria fugir, ir para longe, recuar no tempo, ao tempo de uma hora atrás em que o desconhecimento fazia dela uma mulher feliz. Saíram em silêncio para a rua movimentada da baixa da cidade. Atordoada com a notícia, Maria olhava zangada para as pessoas com quem se cruzava, porque riam elas quando a ela só lhe apetecia chorar? Caminhavam sem falar. Maria não encontrava as palavras certas que traduzissem o que sentia. A dor, a raiva, a injustiça invadiam-na, mas qual a palavra que dava aos seus sentimentos a verdadeira intensidade? Não queria estar ali, onde poderia estar livre disto?

A memória não lhe deu tréguas, veio de mansinho, acusatória, lembrar-lhe como, desde muito cedo, procurou distanciar-se da mãe. Não gostava e evitava andar de mão dada quando saíam, irritava-a que ela aparecesse de surpresa no colégio. Mais recentemente, quando foi preciso preparar o seu casamento e o nascimento do filho, arranjou sempre maneira de lhe dar a entender que estava longe de conduzir a sua vida em função dos seus conselhos. Mas, tão depressa marcava o seu território como logo de seguida a procurava para saber como poderia resolver este ou aquele problema caseiro. Pesava-lhe a culpa pelas crises de afirmação que tantas vezes as separou.

Desde que saíram do consultório que a mãe ainda não a olhara de frente; o que estaria ela a pensar e a sentir? Invadiu-a uma enorme compaixão, e, quando finalmente se encararam, perceberam que tinham de encurtar a distância entre elas. Entregaram-se num abraço apertado.

Desde há sete anos que vivem um dia de cada vez, cada dia que passa é mais um dia que viveram juntas. É este o sentido da vida para aquela família - viverem mais um dia juntas, estarem próximas.

Maria deixou de querer fugir para longe. No momento em que fisicamente a mãe partir e definitivamente se separarem, ela quer estar perto - só pode estar perto.

 

Cidália Carvalho


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 20:05  Comentar

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