29.12.14

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Sempre me senti menos em tudo o que deveria ser mais: menos bonita, menos inteligente, menos perspicaz, menos proativa, menos corajosa, e da estética é melhor nem falar! No todo, menos mulher. Até que um dia entrou alguém na minha vida que simplesmente me amou tal como sou, com todas as minhas fraquezas, meninices e paranóias. Embora questionasse até à exaustão o porquê daquele imenso amor – porque não percebia o que era tão especial em mim – tudo fluiu mais facilmente, era amada! O Céu estava sempre azul, o sol beijava-me a face nas piores manhãs de tempestade, e o amor acontecia a cada sorriso e multiplicava-se a cada dia.

Todavia, reconheço hoje, esse foi também o meu maior erro: amar-me através do amor do outro, nutrir-me através de um amor que vinha do exterior e nunca ter semeado um amor de mim para mim, nunca, em tempo algum ter percebido que amar-me seria fundamental para me fortalecer, para me olhar sem medos ou complexos… Porque um dia, numa ironicamente bela manhã de primavera, esse imenso amor deixou-me sozinha. Literalmente sozinha. E eu morri para mim.

Nessa altura, o mundo foi generoso comigo, amparou-me, personificando-se no colo da família, e no ombro dos amigos. Ajudou-me a erguer desse atroz atropelamento com que a vida generosamente me brindou… o mundo, o meu mundo, puxou-me para a vida que eu tanto desprezava. Aliás, verdade seja dita, eu nunca confiei em quem dizia ter o mundo contra si, em quem não se dava com amigos e familiares em grande escala, até porque se deve ouvir sempre as duas versões da história… e no meu caso em concreto, o mundo esteve lá para mim e nunca contra mim.

No entanto, o consolo do mundo foi apenas uma pedrada no charco da minha angústia, da minha desorientação, até porque acabou por emergir tudo de novo: o ser menos. Desta feita, numa escala potenciada. De tal forma me senti inexistente, que em algumas situações me anulei completamente, como se estivesse submersa, unicamente com o pescoço bem esticado fora da água para respirar. Para quê mais do que respirar? Mais do que socializar com os amigos e cumprir a minhas obrigações básicas? O amor já lá não estava. E desta vez senti até que era o próprio mundo que me ostracizava e me fazia sentir triste e deprimida. O amor nunca mais lá estaria, portanto… Até ao dia em que eu percebi que nunca lá estaria enquanto eu não me nutrisse do amor-próprio que nunca senti. E foi então que decidi fazer alguma coisa quanto a isso.

Este ano, que termina, foi fundamental para perceber uma série de coisas, principalmente que antes de tudo, tenho que me conhecer a mim própria, saber o que sinto, o que quero, o que não quero, afastar-me do que me faz mal e acolher o que me faz bem - basicamente fortalecer-me para ter o discernimento para saber separar o universo bom do universo mau… Sobretudo, aprendi que enquanto não me aceitar, enquanto não me gostar da forma que sou, nunca estarei preparada para acolher o amor de outrem, ou de uma forma mais alargada, o amor do (meu) mundo. Não foi fácil chegar a essa conclusão, foi necessária ajuda externa para perceber os motivos deste meu “não gostar-me”. E foi doloroso ter que fazer uma incursão pelas raízes mais recônditas da minha vida - era tudo o que eu menos queria. Mas no final, foi absolutamente necessário, não que eu vá conseguir resolver todas as minhas questões, mas estar consciente delas, já funciona como catarse. E aprender com elas é absolutamente fundamental. Assim saberei ser e fazer diferente.

É fácil? Claro que não! E estou apavorada, porque ainda não vejo o que tão de especial terei para sentir amor por mim própria, continuo a ver-me com alguma ironia e desamor. Mas ajuda quando se vislumbra o caminho, falta agora a perseverança do primeiro passo para o trilhar. Será esse o objetivo do ano que se aproxima: amar-me para saborear e acolher o amor que o mundo ainda reserva para mim.

 

Ana Martins

 

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26.12.14

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– Porque é que nestes dias de supostas férias, de suposto descanso, ficamos ainda mais cansados? – Pensou Ana para ela mesma, mas em voz alta, o que incitou Pedro a uma resposta:

– Porque há uns que são assim… e há outros que assim são… – É uma das típicas respostas de Pedro, com um sorriso nos lábios, contagioso.

Com o contributo de todos – lá em casa é assim – o jantar de Natal estava pronto pouco faltava para as oito e trinta. Ana ainda trincou qualquer coisa antes de sair. Despediu-se de todos, até à missa do galo, dali a algumas horas.

Ana sempre soube que era uma poeira no universo. Sempre entendeu a vida como um empréstimo, como um dom que não se destina apenas ao seu gozo pessoal, para a qual deverá encontrar um caminho e um destino, e que deve ser dividida com os outros, em favor de todos. Com o exemplo da mãe, desde criança que Ana se entrega aos outros, genuinamente, sempre que sente neles alguma necessidade e sempre que sente poder ajudar. Já adulta, Ana tornou-se voluntária e aprendeu a dar-se ainda mais aos outros, sem querer nada em troca que não a satisfação de sentir os outros melhor. Aprendeu a usar o seu dom em conjunto com outras pessoas, a ser organizada. Aprendeu a estar atenta aos pormenores, a comprometer-se e a cumprir. Aprendeu a esforçar-se e qual o valor do esforço. Aprendeu que dar aos outros pode implicar sacrifício, e que se o tentamos evitar, nada conseguiremos. Aprendeu que cada coisa poderá ser o que para ela queremos, e será o que dela fizermos – e a vida é a soma de todas as coisas.

Como definido, a missa do galo juntou-os de novo. Após a missa, regressaram a casa na noite fria. O calor da casa, os doces, o chá, o chocolate quente, alguns presentes para os mais novos, e muita conversa, muita a saborosa conversa. Ana sentia uma enorme satisfação, plena com todos os que agora a rodeavam, com todos os outros com quem estivera naquela noite, com todos os outros com quem os seus colegas estiveram. E o marido, os filhos, os pais, os tios, os irmãos e cunhadas, os sobrinhos, todos se sentiram mais confortáveis, pois que através da Ana também estiveram com todos os outros.

Ana é uma poeira no universo. Mas uma poeira com consciência de si mesma, com consciência do mundo.

 

Fernando Couto

 

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24.12.14

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Lembro-me de que, quando apareceu o Harry Potter, não liguei nada à personagem, à história, aos livros, a nada. O fantástico e a magia nunca me atraíram e era só mais um entre muitos a causar furor e a mover legiões de fãs.

Até que um dia, não sei como nem porquê, se fez um clique e de repente passei a ver o Harry Potter de outra forma. Magia ou não, feitiço ou não, passei a olhar para aquele miúdo de outra maneira e para a história e restantes personagens de uma forma diferente.

De tal forma que fiz, com a minha irmã e um casal amigo, uma maratona de Harry Potter (um filme, às vezes dois, por fim de semana) para conseguirmos ver o último de todos no cinema. E conseguimos!

Não sei em que dia foi isso, nem em que hora, mas sei que houve um momento em que percebi que o Harry Potter era um rapaz diferente dos outros, com um destino também diferente e quase já traçado, que perdera os pais e se achava sozinho no mundo. Vivia com uma família que não gostava dele, porque ele era diferente e estranho. Ele achava-se sozinho contra o mundo. Ou o mundo sozinho contra ele!

Até que foi para a escola de magia. Aí fez dois amigos para a vida, e muitos outros, mas também despertou invejas e ressentimentos. Em cada livro, era obrigado a enfrentar o inimigo poderoso para se salvar ou salvar alguém. E saía sempre vitorioso. Em cada livro, cada vez que tinha de enfrentá-lo, Harry Potter achava-se sozinho, ele só, a lutar contra um poder maior que ele. A ter medo e a fraquejar. Mas de cada vez que isso acontecia, os amigos apareciam e ajudavam-no. Lutavam com ele, lado a lado. Arriscavam-se por ele, arriscavam-se com ele. E ele nunca estava sozinho. Nunca era só ele contra o medo e contra o mal. Era ele e todos os seus amigos.

O Harry Potter trata-se de enfrentar o medo. Não fugir. Ter medo, sim, fraquejar, também, mas arranjar coragem para o confrontar e o derrotar. O Harry Potter trata-se de ter amigos e nunca estar só, de os ter quando mais se precisa, de forma incondicional. O Harry Potter trata-se de coragem e amizade e quando eu percebi isso, aí sim, fez-se magia!

Magia é perceber que nunca estamos sós, nunca somos nós contra o mundo. Nunca é um contra tudo o resto. Há sempre alguém connosco, temos sempre alguém, mesmo que não vejamos ninguém, mesmo que achemos que não, nunca estamos sozinhos. Nunca.

Gosto do Harry Potter. Continuo a não ser fã da escrita nem da temática, mas passei a gostar desta personagem, da sua história, de todas as outras personagens e do imaginário que os livros encerram.

Passei a vê-lo de outra forma e ele ensinou-me que enfrentar o medo é algo que temos de fazer sozinhos, mas não de forma solitária. Enfrentar o medo exige a coragem de dar o passo em frente, sozinho, e a coragem de aceitar a ajuda dos outros, a ajuda dos amigos.           

 

Patrícia Leitão

 

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22.12.14

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Era uma vez um mundo sem pessoas. Nesse mundo existiam apenas animais, que viviam um dia-a-dia em tudo igual aos humanos. Trabalhavam, comiam e dormiam como nós. Brincavam, riam e amavam como nós. Podia dizer-se contudo que a grande diferença para nós, humanos, encontrava-se numa peculiar forma de relacionamento. Os animais desse mundo estranho não conheciam sentimentos negativos. Não se ouviam palavras desagradáveis, insultuosas ou injetadas de ódio e desprezo. Em boa parte tal devia-se ao facto de eles, animais, também não saberem mentir.

Era um mundo simples, sem o peso das religiões e das suas infindáveis discussões, sem o temor de castigos divinos devidos a pecados mortais. Os animais eram todos diferentes, mas todos eram iguais na sua essência. Claro que havia uns mais capazes do que outros, mas a solidariedade animal tratava de os colocar em pé de igualdade. Os mais fortes cuidavam dos mais fracos, até porque compreendiam que hoje forte, amanhã fraco. Quanto mais não fosse pelo andar da idade...

Um certo dia, sem sabermos muito bem como aconteceu, um dos animais “inventou” uma nova forma de pensar. Ideias estranhas inundaram a sua mente e a visão que ele tinha do mundo alterou-se irremediavelmente. Rapidamente percebeu que conseguia dizer coisas que outrora não se atreveria. Cedo percebeu que conseguia falar coisas que não sentia verdadeiramente. A mentira nasceu, mas ainda não tinha um nome. Atrás desta surgiram a manipulação e o desprezo. Como ser todo-poderoso que agora era, os outros passaram de iguais a inferiores. Mas não se pense contudo que o pavão Luís (porque era este o seu nome) tratava os outros com aberto desprezo. Astuto como era, sabia que conseguiria melhor os seus intentos se os camuflasse. Se os outros não percebessem o que se passava, também não poderiam precaver-se, ou pior! Imitá-lo!

E assim foi que durante alguns anos o pavão Luís foi ganhando notoriedade. Sub-repticiamente ia escolhendo conveniências, angariando aliados à medida do seu ego e intensões. Evidentemente que este tipo de comportamento trouxe os seus frutos e os lugares de algum destaque foram chegando.

Ora já quando a sua vida tinha avançado e o tempo disponível era agora muito, o pavão Luís decidiu empreender por um hobby que muito gostava: a pintura. Com a certeza da sua motivação pessoal, o reconhecimento e admiração, esses preciosos alimentos para o seu gigante ego mais tarde ou mais cedo apareceriam. E assim foi que, borrando uma tela com a sua particular visão do mundo, conseguiu obter o que pretendia. De tão diferente que era o seu trabalho visual, de tão trágico, sombrio e despropositado - pasme-se, alguns outros animais encontraram algo que consideraram genericamente de valor.

Agora o pavão Luís encontrava-se verdadeiramente feliz, tanto quanto era possível na sua perturbada participação com o mundo. Após tantos anos tinha encontrado alguns (poucos) animais que poderiam ser seus pares. Iguais. Finalmente. Mas afinal que toque de Midas permitiu este “milagre”? Que pintura preciosa terá sido merecedora de tal distinção? Na verdade o que aconteceu foi que o pavão Luís percebeu que a vida vende. Principalmente se for pintada de desgraça e de choque. Pela primeira vez alguém tinha retratado os mais frágeis como algo indigno. Asqueroso mesmo. O amarelo e o azul, de tão aceitáveis que eram tinham perdido a sua cor. O cinzento e o negro eram agora os seus substitutos.

É claro que o mundo reagiu a este desplante. Principalmente os mochos e as corujas, guardiões da sabedoria que indicaram o erro cometido. Alerta! Gritem bem alto! Este quadro não é justo nem é real! Os mais frágeis não são doentes, massas disformes ou malcheirosas! São animais como nós! São tanto nossos, como nós somos deles! São o carinho, o cuidado, a gentileza e o amor. Sem eles nós nunca seríamos, porque perderíamos a possibilidade do infinito do crescer.

Infelizmente, nem derrotado nem vencido permaneceu o pavão Luís. Com a junção de outras vozes à sua, o mundo já não era o mesmo. A sedução da mudança, mesmo que retrocesso, já tinha ganho raízes. Mesmo que fosse só para alguns, a paleta de cores que ilustrava a vida nunca mais seria a mesma.

Era uma vez um mundo sem pessoas. Nesse mundo existiam apenas animais, que viviam um dia-a-dia em tudo igual aos humanos.

 

Rui Duarte

 

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19.12.14

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O Eu conduz-nos imediatamente para a personalidade. As teorias da personalidade assumem contornos bem diferentes, que vão desde a psicanalítica de Feud, às abordagens dos traços, às baseadas na aprendizagem, até à biológica evolucionária e à humanística.

Já nascemos com personalidade, como referem as vertentes biológicas e evolucionárias da personalidade (Kupfermann, 1991; Buss, 1997), ou seremos apenas resultado do ambiente exterior, fora do controlo interno, uma coleção de padrões de comportamentos aprendidos, reforçados ou não, (B.F.Skinner) como referem as abordagens da aprendizagem?

Será que cada um de nós é único e especial, naturalmente bom e com uma tendência para crescer e superar-se de forma automotivada? Será que a necessidade básica de sentirmo-nos valorizados deverá assumir esse papel de dependência perante o outro, quando a obtemos (Rogers,1971). Será que, ao aceitarmo-nos tal qual somos, sem reservas, tendencialmente evoluiremos cognitivamente e emocionalmente para patamares de consciência superiores e autoconceitos mais realistas?

Conseguiremos entender o comportamento se entendermos a personalidade?

Poderemos dizer que o nosso comportamento sendo consistente será previsível, independentemente da situação? Ou possuiremos diferentes aspetos de personalidade, parecendo um “tipo” de pessoa a uns e outro “tipo”, bem diferente, a outros?

Vejamos o exemplo de Lori Helena Berenson nascida a 13 de Novembro de 1969 em Nova Iorque: Lori sempre foi vista pela comunidade, durante a sua adolescência e início da vida adulta, como uma pessoa com um elevado sentido de justiça para com os necessitados. Chegou a trabalhar em Nova Iorque na ajuda alimentar e em bancos de sangue. Quando foi para o Peru acabou condenada a prisão perpétua, em 1996, por ser considerada pelo governo da altura, como uma terrorista violenta e membro do movimento revolucionário Túpac Amaru. Berenson referiu na altura do julgamento que “seria condenada por causa do seu interesse pelos esfomeados e pobres que existem no Peru”. Para muitos que a conheciam esta afirmação fazia todo o sentido mas não para o juiz que a sentenciou.

 

Ana Teixeira

 

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17.12.14

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Por vezes sinto-me só. Não devia, porque não estou, mas sinto-me. É um tipo de solidão com requintes snobes de superioridade, porque estou convencido de que ninguém me compreende. Sou arrogante e egoísta, por vezes até mal-educado: ninguém me entende, mesmo. E isso irrita-me.

No princípio julguei que bastava expressar-me com silêncios densos e expressões impercetíveis de olhar, para comunicar com clareza os meus desapontamentos perante esta ou aquela situação. Pensei que as pessoas me liam facilmente, dado que aquilo que me ia por dentro era muito intenso. Mas por uma questão de ética ou de respeito (ou de medo), não me atrevia a traduzir por palavras aquilo que me fervia no sangue. E por isso concentrava no olhar toda a revolta e toda a tristeza, lançando sobre os meus ofensores toda uma pesada energia de nada. Sim, de nada, porque o olhar era vazio, dum vazio que de tão vazio tinha que ser entendido como carregado de significado, que faria as pessoas recuarem. Mas não, era só um olhar parvo.

Foi então que mudei de estratégia. Mantive a mesma revolta e o mesmo olhar, mas adicionei-me uma válvula de escape controlado, socialmente apropriada. Este artefacto permitia-me devolver aos meus ofensores um pouco do veneno que chapinavam em redor, colocando-lhes perguntas cirúrgicas acerca do que acabaram de dizer ou fazer. Assim, teriam que estacar um pouco, refletir (se aplicável), manter-se um tempinho mais na situação hostil que estavam a patrocinar e reformular o que disseram ou fizeram (se o efeito da válvula surtisse efeito). Esta reformulação estaria implicitamente acompanhada de arrependimento, o que para mim era o objetivo essencial.

À medida que fui amadurecendo foi-me faltando a paciência para ser sempre socialmente correto, pelo que fui gradualmente substituindo as perguntas de veludo, primeiro por respostas contundentes e, mais tarde, por sarcasmos ácidos. E aqui apercebi-me de que tinha esgravatado o fundo da solidão, porque corria toda a gente a ironia e sarcasmo, não poupando ninguém, nem quem estava genuinamente a meu lado de alma e coração.

Constatar que se está só no mundo porque o mundo é parvo, é duro. Mas constatar que se está só no mundo porque se é parvo, é bem pior. Mas foi isto que aconteceu. Demorei anos a perceber que estar em permanente oposição com os outros é demasiado cansativo e não me traz nada de útil. Muito pelo contrário, foi um buraco que fui escavando, escavando, sem nenhum propósito realista a não ser o de alimentar a ilusão de ter o meu orgulho intacto. As coisas que se fazem por orgulho!

Daí a mudar para uma postura de compreensão honesta das pessoas foi um salto de pardal. Hoje entendo que o mundo é composto de diferenças, a maior parte delas bem diferentes das minhas, por azar. Entendo até que tem gente que não sabe expressar adequadamente aquilo que sente e que por isso pode, sem querer, magoar alguém. E entendo ainda que eu próprio possa não saber, sempre e a toda a hora, a melhor maneira de me expressar junto dos outros. Entendo tudo tão bem mas continuo a sentir-me tão só.

 

Joel Cunha

 

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15.12.14

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Assumo que vivo, atualmente, num estado de Misantropia. Aquela sensação que existe um imenso Mundo lá fora que me quer engolir. E tanto, tanto se pode escrever sobre isso: a invasão do consumo natalício, a competição desleal no mercado de trabalho, o ritmo alucinante do dia-a-dia para estar duas horas com os nossos filhos, as selfies da tristeza ou frustração camufladas em euforia de festas e alegrias momentâneas, a Humanidade de costas voltadas para a Humanidade. Tantas, tantas desilusões que o Ser Humano nos prega que… Enfim, desligar o interruptor da Vida devia ser permitido de quando em vez.

Na realidade sei que sou uma privilegiada em praticamente tudo onde me envolvo e em todos os papéis que represento. Mas o cansaço é tanto e tal que a lembrança de que todos nascemos e morremos sozinhos é um pensamento permanente. Quero sair disto, viver num nenúfar num lago silencioso onde só o ruído das rãs se possa ouvir. Ou acalmar a alma numa colina de traço alentejano, ou num prado minhoto. Não vale telemóveis, computadores e companhia: o Ser Humano precisa de regressar à raiz mais pura do seu ser.

Quantos de nós não refletimos naquilo para o que aqui viemos? Quantos de nós não nos sentimos absolutamente corrompidos por um nó do quotidiano, um emaranhado de rotinas que distorcem a nossa essência, o nosso “Eu”? Quantos de nós gostaríamos de encontrar (na meditação, por exemplo), a verdadeira alma que trazemos do nosso nascimento?

Quantos de vós estamos a fazer aquilo que sonhávamos quando eramos meninos?

A Vida é uma viagem que, como diria Mahatma Gandhi: “Não há caminho para a Felicidade; a Felicidade é o Caminho”. Sim, eu sei… Por esse prisma, aquilo que sonhamos em criança pode mudar, podemos entender que, afinal, aquilo que nos torna felizes será outra profissão, outro casamento, outra cor de cabelo que não o loiro da Grace Kelly. Mas há sempre algo, alguma semente, aquela que tem a centelha da Vida, que trazemos sempre connosco e que, tantas, tantas mas tantas vezes, é escondida, é totalmente tapada pela sombra de um Mundo inteiro. De um Mundo sombrio – ou que nos torna sombrios. Somos engenheiros quando queríamos ser pianistas, economistas quando queríamos ser jardineiros, pais quando queríamos ser padres. A história repete-se em cada um de nós. Se a felicidade é adaptada (porque é, não há dúvida), há, contudo, a centelha da Vida sempre pronta para nos lembrar que, por mais esquecida, não está morta.

E é nesse picanço da semente, nesse preciso instante que, se estivermos frente a um espelho, não gostamos de tudo aquilo em que nos tornamos. Amamos a nossa casa, os nossos entes, os nossos filhos, os nossos cães. Gostamos do que fazemos de vida profissional, da árvore de Natal que está montada na sala que amamos, dos amigos que tiram as nossas fotos e que nos abraçam nos bons e nos maus momentos. Mas, em frente ao espelho, se não amarmos o que está à nossa frente… Que realidade cai à frente dos nossos olhos!

Quando engravidei, disseram-me “Vai ser a tua maior responsabilidade. Porque vais criar um indivíduo para o Mundo.” . Tão, mas tão verdade… Faço-o todos os dias, da melhor forma que sei e, claro, de acordo com os princípios em que acredito. E o maior é – e será sempre – o da Liberdade. Trabalho para ser Livre. Trabalho para ele ser Livre. Luto diariamente por um Mundo de Liberdade para o meu filho ser aquilo que ele quiser, para a sua centelha não morrer num sonho de desejos qualquer, de uma criança que não foi aquilo que ela quis ser.

Mas é difícil… É tão difícil ser Livre. É tão difícil sermos nós próprios - quando deveria ser o exercício mais simples com que nos deparamos até à Morte. Sermos “Eu” devia ser tão obrigatório como o recenseamento eleitoral, como conduzir só a partir dos 18 anos, como a escolaridade obrigatória. Já pensaram bem? Estas são obrigatoriedades para o Mundo, não para o “Eu”. O “Eu” tem de ser amado, estimado, tratado para ser quem é. Sem medo do egocentrismo, da vaidade, da individualidade.

Qual é o mal da palavra Individualidade? Só sou solidária se for individual! Só sou para os outros se for feliz para mim. E reação gera reação: a plenitude da água do lago do nenúfar onde gostava de morar deve ser tão ou mais tranquila que o civismo a que o Mundo me obriga. Tudo deveria ser equilibrado para o equilíbrio se dar em nós. E a minha paz só depende de mim e daquilo que quero. De absolutamente mais nada ou de mais ninguém. Merecemos aquilo que damos – para o bem e para o mal. Portanto… Alimentar a Criança Interior é tão fundamental (e obrigatório) como rezar por outros, pela Humanidade e pelo nosso futuro. Acreditar na centelha, fazer dela a nossa Missão é assumir que, primeiro, só a nós a Vida nos deve, e só assim devemos ao Mundo. Porque o Mundo… vá, convenhamos, o Mundo somos nós que fazemos. O Mundo também tem a sua centelha elementar. E é bonita, tão bonita! É importante darmos aquilo que Ele pede de nós: a nossa mais profunda essência. Se calhar assim, talvez, tornemos as rotinas, as confusões, as competições, as batalhas, num assessório para a nossa Caminhada da Felicidade – para ajudar a chegar ao Divino, que é, no fundo, o nosso destino mais procurado.

 

Sofia Cruz

 

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12.12.14

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Nem sei de que falamos com isto de “Um vs o Mundo”. Quem é o “um”? O que é “o Mundo”? Trata-se de uma batalha, de um confronto, de um combate de boxe, de uma sintonia a rodar sobre si própria sem fim nem princípio? Uma entidade em frente a outras? Como e onde funciona esta engrenagem?

Por vezes sinto que sou eu aqui, deste lado do muro, e os outros lá fora, no tal Mundo.

Outras vezes é só alguém perdido por aí a tentar encontrar uma luz ou um sentido.

Noutras alturas, sinto-me onde o Mundo está, esse Mundo de pessoas, mas também de animais, coisas, flores, luz e sombra, natureza. Sou parte desse mecanismo e encontro nele harmonia e alguma paz.

E depois há aqueles momentos em que eu sou o Mundo, ou pelo menos o mundo que conta e que é o meu mundo, uno e indivísivel. Alturas em que duvido sequer se alguma coisa existe para lá do meu cérebro e das batidas do meu coração… se algo existe que não seja só o fio dos meus pensamentos e do sangue a correr dentro de mim. E penso se isso sequer existe, se não sou só um barulho sem rumo nem destino, à deriva na espuma do tempo.

Mas depois aparece alguém que amo, ouço uma voz, sinto–me aos pulinhos dentro de mim, e o Mundo é, em essência, o Mundo dos meus muitos afetos.

Continuo sem saber se existe o tempo, se existe o espaço, se faz sentido falar num Mundo.

Aquilo de que não duvido é, muito simplesmente, de que estou aqui, neste preciso instante que não quero que acabe nunca, e sou, nem que seja só dentro de mim, ou se calhar em múltiplos e infindos universos paralelos e palpáveis. Se calhar, isto não acaba nem começa mesmo. Seja como e onde for, ou não for, aquilo que sou é a soma dos meus pensentimentos e esta certeza de que enquanto houver amores, estou viva. E pronto, os Nocturnos de Chopin também ajudam.

 

Dora Cabral

 

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10.12.14

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É, até certo ponto, desconcertante pensarmos nas dualidades ou realidades opositivas que, naturalmente, nos sugere a ideia ou imagem de Um vs Mundo. E é, precisamente, também esse o interesse do desafio da escrita, seja ela mais técnica ou mais romanceada.

A construção do sentido está inerente à condição do percetor, ainda que o significado do que é dito possa ter raiz simbólica diferente para quem o escreve ou cria, abrindo, assim, espaço e dando liberdade heurística ao seu público. É, por isso, a criação intelectual um dos maiores exercícios de assunção e concessão democráticos.

Quem somos está presente em tudo que nos rodeia, o âmbito circunscrito do ambiente em que circulamos e nos manifestamos. Mas isso não quer dizer que quem somos ou o que façamos seja pequeno ou insignificante. Somos agentes sociais, naturalmente.

Por altura em que tomei conhecimento de qual seria o tema deste mês para o blogue Mil Razões…, encontrava-me, ainda, impactada por um vídeo a que assisti, o qual se enquadra, perfeitamente, nesta conceção de Um vs Mundo, ainda que não tenha como cunho a divergência, mas, pelo contrário, o abalo positivo que nos causa a compreensão humana, a renovação, a paz de espírito, o perdão, o exemplo.

O cenário é-nos dado pela história real de um assassino em série (serial killer) que, após confessar a morte de 48 mulheres, foi condenado à prisão perpétua, em dezembro de 2003. De forma a mostrar os danos originados por tais atos tresloucados, o tribunal permitiu que, perante o culpado, as famílias pudessem expor as expetáveis emoções antagónicas, negativas, que estas experimentavam em relação a ele e aos seus atos. No entanto, a face do culpado mantinha-se inalterável, sem a manifestação da mais ínfima expressão de remorso ou arrependimento, situação, aliás, típica do universo emocional e mental de sociopatas. Expressões como “É um animal!”; “Espero que morra com muito sofrimento e crueldade!; “ Que vá para o inferno!” eram bem reveladoras do ódio que pairava naquela sala de tribunal. Até que surge um senhor, cuja filha tinha sido uma das vítimas, e desmancha a máscara insensível e imperturbável do culpado com uma bondade que nos toca. E é nesse momento que a comoção aparece, quando é surpreendido pelo discurso desse pai. Vale a pena transcrevê-lo:

- Senhor Ridgway, há pessoas aqui que o odeiam. Eu não sou uma delas. Você tornou difícil viver de acordo com o que eu acredito. E isso é o que Deus diz para fazer, que é perdoar. Você está perdoado, senhor.

Eu não sou religiosa. Considero que, neste caso, não é essa sequer a questão mais relevante. Este pai precisou rever suas ideias, valores e pressupostos para conseguir permanecer em paz com ele mesmo e conciliar suas convicções com o desapego que uma nova situação estava a exigir dele. Perdoar não é só possível, como desejável, e altamente libertador.

Somos muito mais quando construímos.

 

Marta Silva

 

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8.12.14

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Li uma vez um artigo muito interessante sobre uma experiência realizada nos anos 50: a experiência do centésimo macaco. Ensinaram um macaco a lavar batatas. Este macaco ensinou outro, que ensinou outro… quando o centésimo macaco aprendeu a lavar batatas aconteceu algo fantástico. Misteriosamente, a aprendizagem foi “adquirida” pelos macacos das outras ilhas que nunca antes tinham sido ensinados por alguém. Apenas sabiam como o fazer como se fosse algo inato.

O interessante desta experiência é que o mesmo se passa com os humanos. Todos estamos conetados por fios invisíveis; cada um de nós é o Todo porque influencia o Todo. Cada vez que alguém ultrapassa um medo, todos evoluímos, quando várias pessoas se juntam para rezar, milagres acontecem, quando uma certa quantidade de pessoas (10 por cento do todo) pensa positivamente, toda a humanidade salta na evolução. Então é uma maravilha saber que o contágio acontece de facto… e que apesar de este contágio ser válido para os dois pratos da balança, porque não começar hoje mesmo a distribuir amor pelos que se cruzam connosco a cada dia? Sorrindo, tendo pensamentos bons, de compaixão. Contagiar o outro, que contagia mais outro até o ponto de massa crítica ser alcançado? O poder está em cada um… pois cada um contém em si a Humanidade!

 

Sara Almeida

 

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5.12.14

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Hoje não estudo, não cozinho, não socializo. Não quero saber das contas, dos jogos mentais, das responsabilidades de todos, das querelas que vocês inventam para tornarem os meus dias mais animados, não quero saber de nada. Não sei se o mundo se irrita por não teres “nada para vestir hoje” ou se o teu irmão está passado porque ocupaste o quarto de banho “tótil de tempo”. Não sei quem limpou o cesto dos gatos a última vez, nem quem lavou a loiça ontem. Não quero saber da febre, das aftas, da diarreia, do total desarranjo apocalíptico em que me encontro, visto que mais ninguém parece vê-lo senão eu. Tentei dizer-vos isto mas nenhum de vós se cala tempo suficiente para me ouvir falar. Pois hoje já não vos oiço. Só quero que se calem e me deixem sossegada. Hoje não estou aqui para ninguém. Deixem-me tranquila, nesta quietude que me chama. Já disseram tudo. Já cuspiram argumentos suficientes para poderem sair, em marcha rápida. Não vos quero mais ouvir, a vós e a todos os outros que gritam do lado de lá desta porta. Saiam de uma vez, para poder fechá-la sem mais delongas.

Quero dormir. Preciso muito de dormir. Não, não estou a ser dramática. Preciso de dormir para deixar de dar ouvidos a uma mente que, neste momento da existência, está totalmente contra mim. Quero calá-la. Não quero que ela me cale a mim.

Não, não quero dormir para sempre. Quero dormir um bocadinho. Uns dias, era bom, fazia-me bem. Quero desligar de tudo aquilo que não consigo fazer agora. Estou doente, sem força, regada de fármacos até à erva daninha, sem comer há vários dias; e quero estar aqui, no frenesim que me é habitual, como se o mundo se movesse na cadência do meu pestanejar? Em boa verdade, o mundo continua ao seu ritmo. Fui eu que entrei em contramão. Estou em rota de colisão comigo mesma e tudo que posso fazer agora é desligar deste estado de prostração em que me encontro.

Quero dormir para não tomar decisões das quais possa vir a arrepender-me. Lição aprendida ao longo do tempo - e no somatório de vários traumatismos emocionais: nunca tomar decisões importantes em momentos de angústia extrema (ou de euforia “uh-la-la”, pelas mesmíssimas razões). Quero dormir para que se dissipe da minha mente este meu “eu” insidioso que me convida gentilmente a descansar. Nos meus dias mais negros espera-me na alcova, em busca dos despojos de um dia que nunca lhe dei. Que jornada lhe posso eu entregar que não signifique perder-me? Quero dormir porque lhe resisto ainda, não porque me rendi.

Preciso desesperadamente de calar este cérebro. Pareço uma microrradiografia, num dia de muito vento e pouca cor, com a cabeça a mil e o corpo embalsamado. Que raio posso eu tomar para dormir, que ligue bem com o cocktail que tomo há dias (inclui, em jeito de bónus, umas belas picadas nas nádegas, dia sim, dia sim) e que não me mande para os anjinhos prematuramente? Descubro a pastilha. Li bem aquilo? Um comprimido para “dormir 6 a 7 horas”, no mínimo? Pareceu-me ouro sobre azul. Tomo três. Faço um chá e molho duas bolachas. Estas amígdalas do demónio quase me matavam nesse momento. Não morro do estado cadavérico, morro asfixiada com duas bolachas. Definitivamente, ainda não arrisco comer mais nada.

Não consigo falar mas consigo escrever. Passo seguinte: enviar email a todas as pessoas com quem trabalho, ainda que as desiluda. Estou doente, preciso de adormecer serenamente, sabendo que ninguém espera nada de mim. Já falei com os filhos, com o namorado, com os responsáveis e companheiros, está tudo sereno e na paz que é possível. Espero dormir até amanhã.

Terminei tudo e rumei ao meu quarto. Deitei-me na cama, com os gatos aninhados em mim. Não dei pelo adormecer. Acordei com uma sensação de tranquilidade mas amorfa ao mesmo tempo. Estava escuro. A casa estava em silêncio. Fiquei ali deitada muito tempo, feliz por aquele pequeno momento de paz, tão raro. Resisti a ver as horas. Seria madrugada?

No telemóvel, que tinha ficado em silêncio, várias mensagens de retorno às que eu tinha enviado antes da soneca. Só consegui chorar, chorar muito, pelos genuínos abraços recebidos no meio do caos. Cada vez que me permito boicotar-me, ainda que não o grite aos sete ventos, pessoas e momentos extraordinários me lembrarão o que facilmente esqueço de mim própria. Por outro lado, percebo com tristeza, há quem sinta mais de mim do que aquilo que eu sou capaz de verbalizar e sofra horrores, pelo que ouviu no meu silêncio.

Afinal só dormi 5 horas. Três comprimidinhos mágicos e cinco parcas horas de sono, não é possível… Como invejo quem dorme doze horas seguidas… estava prestes a dar-me um “ataque de caspa” quando me dei conta da magia daquelas cinco horas: o mundo não tinha colapsado porque eu tinha ousado dizer que estava cansada e sem força; tinha recebido carinho e energia positiva de pessoas a quem eu pensava ter desapontado; descobri que alma gémea é alguém que sente, até aquilo que tentamos calar em nós; os filhos estavam cá e não me odiavam; os meus amigos de quatro patas continuavam a olhar para mim como se eu fosse o ser mais fofo do universo; o trabalho e as contas, lamentavelmente, não tinham fugido mas não eram o “fim do mundo”. Mas eu, eu também cá estava. Não dormi tudo que precisava mas dormi o suficiente para me sentir cá. Estou cá. Não me sinto bem, não pareço bem. Não sei ainda muito bem o que vem pela frente mas sei que, neste preciso instante, preciso de abrandar o passo. Preciso de saúde, de repouso, de me ver livre de todos estes químicos, antes de redefinir estratégias.

Preciso, sobretudo, de me despir deste medo aterrador de não ser capaz. Não luto contra o mundo, luto contra mim própria e contra este cansaço que me devora a vontade e a audácia. O mundo não tem feito mais que abrir-me os braços, em plenitude, com tudo a que tenho direito: bom e menos bom. Nem sempre estou preparada para me deixar abraçar. Nem sempre lembro a dádiva da vida ou deixo fluir a minha alegria, na transcendência do quotidiano. Não dou ouvidos aos sinais que me vão dando nota desse cansaço e sou finalmente parada à força, porque me esqueço de reivindicar esse tempo antes de sucumbir. O que faço a mim própria, não percebendo que às vezes é demais, que às vezes é preciso mesmo abrandar, que às vezes é humanamente impossível, o que faço então? Continuo a andar, arranjando mil estratagemas, mil formas de fazer tudo funcionar, acreditando que não posso parar, que não devo, que não sei como. Digo a mim própria que, custe o que custar, não me posso dar ao luxo de parar. Que será mil vezes pior o que me esperará depois desse hiato. Digo a mim própria, “limpa as lágrimas e mexe-te, mas que merda é esta? Lá tens tempo de parar, ´tás tolinha? Descansas depois, sim depois, há de haver um “depois”. E este discurso vai ganhando terreno dentro de mim, dia após dia, debilitando o meu estado anímico, num registo cada vez mais distante da pessoa feliz que, normalmente, aqui habita. Tristemente o digo: esta minha cabecinha consegue ser a minha melhor amiga e a minha pior inimiga, sempre que eu o permitir. Ninguém, alguma vez, me poderá fazer tanto mal como eu poderei fazer a mim própria. Cada um de nós tem esse poder. Cada um de nós pode fazer essa escolha. Ou não.

Eu quero escolher a paz, a alegria, os sorrisos e os abraços, os sonhos que se concretizam, as lembranças de tantas coisas superáveis; mas enquanto não tenho capacidade para o sentir de novo em cada uma das minhas células, preciso que me deixem descansar e acreditar que o mundo irá receber- me de volta, quando eu estiver bem. É só isso.

E agora, já posso dormir tranquila e calar a peçonhenta?

 

Alexandra Vaz

 

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3.12.14

TerraNasMaos.jpg

 

Em vez de enveredar, por uma dissertação filosófica, existencial, social, psicológica, ou individual do tema, pareceu-me que poderia abordar um versus mundo ao nível da matéria física, pois assim, de repente, as semelhanças parecem-me colossais. Ora então vejamos:

O corpo humano (um - que poderá muito bem ser o meu) e o planeta terra (ou o sinónimo que aqui nos interessa - mundo) são basicamente compostos por água. Acolhemos água salgada e doce; já todos ouviram falar de um mar de lágrimas.

Um habitat composto por fauna e flora, essenciais à existência, manutenção e preservação de cada um. Alguns dos bichinhos, com certeza, bem mais simpáticos, mas enfim é o que se consegue.

Ambos manifestam o acumular do seu mau uso de uma forma independente e autónoma, basta pensar em todos os terramotos e ataques cardíacos, muitas vezes causando danos irreparáveis.

Diferenças climáticas em diferentes partes do “globo”, zonas particularmente quentes e húmidas, zonas frias ou até mesmo zonas temperadas, algumas diferenças podem ocorrer com a estação do ano ou a personalidade de cada um.

Uma opinião que poderá ou não ser unânime, mas com toda a certeza poderemos encontrar as sete maravilhas num e noutro (sem querer ser má, existe mais unanimidade nuns que noutros).

Aparecimentos subtis e progressivos de zonas com falta de vegetação, lugares áridos e calvos, são partilhados por ambos.

Conseguimos ver a poluição na alma de um e nos pulmões de outro usando até aí um aparelho radiográfico bastante idêntico.

Caminham silenciosamente, ou de uma forma bastante ruidosa, para um desfecho pré definido que todos sabem mas todos ignoram, uma analogia inquestionável.

Conseguem sobreviver a maus tratos, à indiferença e à arrogância, mas aí é que se encontra, talvez, a grande e a maior semelhança; não há como disfarçar os estragos irrecuperáveis causados por irrefletidos comportamentos. O mundo precisa do um, tal como o um precisa do mundo, uma relação que partilha semelhanças e necessidades. Não deveria pensar- se num, sem a existência do outro.

 

Susana Cabral

 

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1.12.14

OAC.jpg

  

É um marco da minha vida, por várias razões, o tempo que passei num coro polifónico - o Orfeon Académico de Coimbra (OAC). A começar pelo número de anos que lá estive, superior ao normal, diria, alguns quase que em dedicação exclusiva e, terminando, pelo que individualmente e em grupo foi conseguido.

A voz de todos os que têm voz para cantar, é própria, individual, assim como a afinação, a dicção, a respiração, a projeção, a técnica enfim. Qualquer coralista, enquanto tal, decide – em vez de cantar a solo ou não cantar em público – agregar-se a um coro, adicionando-lhe as caraterísticas particulares da sua voz, integra-se num naipe e emprestando ritmo, intensidade e tom, contribui para que o todo, a música harmonizada produzida pelo conjunto das vozes, do jogo entre os naipes, tenha um resultado superior, mais rico, mais belo do que as vozes individualmente consideradas.

O que, numa perspetiva de confronto entre o indivíduo e o grupo, não deixa de ser extraordinário é que a satisfação obtida por meio dessa experiência e dos seus êxitos, não só não era diminuída por ser dividida, melhor dizendo, partilhada com os outros coralistas, como, ao contrário, até havia um efeito multiplicador. As dificuldades próprias do trabalho em conjunto e o atingimento dos resultados perseguidos, isso proporcionavam.

Sem, em qualquer momento, sentir que abdiquei das minhas (in)capacidades e qualidades individuais, utilizando-as de acordo com os critérios e necessidades do OAC, consegui aquilo que nunca conseguiria sozinho. Não houve qualquer contradição entre o indivíduo e o coletivo.

Neste caso que relato, o “mundo” não anulou o “eu”, antes houve benefício mútuo. Mais: tanto quanto cada um dos coralistas e as suas vozes fossem mais trabalhadas individualmente, conseguisse uma mais apurada técnica de canto, mais o coro beneficiava.

Fica aqui a minha experiência vivida, que, aliás, ainda hoje em dia uso, num outro âmbito, profissionalmente.

É uma questão de equilíbrio.

 

Jorge Saraiva

 

 

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