Toda a nossa vivência gravita em tons comunicacionais. Qualquer que seja a sua forma, deveria permitir-nos encontrar um mundo de possibilidades. Desde o relacionamento com o nosso mais íntimo fio condutor, até ao contacto mais complexo com o outro. Essa dualidade de comunicação (com o próprio e com os outros) deveria funcionar em sintonia. Mas por vezes assim não o é. Por vezes não comunicamos eficazmente connosco, ou fazemo-lo de forma enganosa caindo no sofrimento psíquico do não encontro e não reconhecimento de nós próprios.
O mesmo se passa quando comunicamos com os outros. Não numa dimensão interna, claro, mas o tecido do que nos constitui como significantes para os outros é sempre toldado pelo que exprimimos. Todos nós somos vítimas do que falamos, do que vestimos, de como nos mexemos, das escolhas que fazemos e de todos aqueles aparentes nadas que nos fazem comunicar. Para a pessoa com atraso mental comunicar é tão fundamental como para qualquer outra. É o veículo primário da sua identidade, dos seus desejos e necessidades. Contudo, ao contrário do que sucede com uma pessoa sem atraso mental, a expressão destas necessidades reveste-se de um carácter de dependência de terceiros muito mais relevante, conforme o seu grau.
De relembrar aqui que hoje em dia para se intervir com esta população, a ênfase do diagnóstico incide não no seu QI mas sim na extensão dos apoios que a pessoa necessita. Assim, uma pessoa com menor necessidade de apoios terá menor necessidade de os comunicar, enquanto o inverso também é directamente proporcional. E aqui reside um problema: geralmente, as pessoas com as maiores necessidades de apoio, são também as que apresentam os maiores deficits comunicacionais. Como então quebrar esta barreira? Nas situações em que a pessoa não possui linguagem verbal temos hoje em dia um conjunto de técnicas de comunicação alternativa e aumentativa, cada uma adaptada a cada caso específico. Estas técnicas podem revestir-se da maior simplicidade, como um conjunto de símbolos / pictogramas ordenados numa capa, ou de forma mais complexa como um software informático aplicado num PDA. Claro que a eficácia de utilização destas ferramentas depende sempre da vontade da pessoa com limitações comunicacionais.
Contudo, muitas vezes a comunicação não é eficaz apenas pela falta de meios ou de motivação da pessoa com atraso mental. Toda a gente reconhece que a comunicação é bilateral. Assim, o foco da incomunicação pode não depender de um interlocutor (pessoa com atraso mental) mas sim do seu suposto receptor. E aqui torna-se angustiante a sensação de impotência que consome alguém que quer ser ouvido, em primeiro lugar, e mais importante ainda, ser entendido. O que encontro no meu dia-a-dia enquanto técnico numa instituição de apoio a esta população é um mundo de escuta mas não de entendimento. Nós, cuidadores, muitas vezes caímos no erro inconsciente de atender apenas às necessidades que nos são evidentes, tais como uma muda de fraldas, um copo de água, uma folha de papel, etc.. Tal facto, embora sendo um gesto técnico correcto, inibe talvez o que de mais importante poderia acontecer entre dois indivíduos: a compreensão mútua, através de qualquer meio disponível, do que constitui cada um de nós como indivíduos únicos e diferenciados. Não existem fórmulas para tal. A minha sugestão é a seguinte: comuniquem com todas as pessoas de forma igual. Não em relação ao conteúdo, formulação, extensão, etc., mas sim empregando em cada “conversa” toda a vossa dedicação e empenho para que sejam compreendidos, aceites e reconhecidos e através deste gesto compreenderem, aceitarem e reconhecerem o outro… como únicos, mas iguais.
Rui Duarte
(psicólogo, convidado do MiL RAZõES...)
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