19.6.09


 



Ao chegar à redacção disseram-me que aquela senhora esperava por mim.

Tinha aproximadamente 60 anos, muito bem arranjada, mas o que me chamou a atenção foi o ar triste com que me olhava.

Perguntou se tinha sido eu o autor da peça sobre o rapaz que se tinha suicidado. Respondi que sim, com um orgulho contido, imaginando que deveria ser uma parente, que me vinha agradecer o modo como eu tinha (re)tratado a vida do jovem.

Entregou-me um diário e ao mesmo tempo que as lágrimas lhe escorriam pela cara, disse “por favor leia o resultado da sua peça…”

Abri o pequeno livro e na última página podia ler-se o seguinte:

 

Peguei no jornal, como faço todos os dias. E lá estava, em grande destaque, o suicídio daquele jovem, que já ontem tinha visto na TV.

Contava a história, com todos os pormenores. Quando, como, onde e porquê que ele tinha feito aquilo. Tratavam-no com respeito. Falavam dele como se fosse a melhor pessoa do mundo, de quem nunca se suspeitou que fosse capaz de tomar uma atitude tão radical.

Confesso que as lágrimas me vieram aos olhos. Também gostava que, no dia que eu morrer, falassem assim de mim.

A ideia da morte já me persegue há muito tempo e ver que afinal de contas pode não ser um acto de covardia, mas sim um acto de coragem, fez-me suscitar de novo a vontade.

Sinto que não estou sozinho e que afinal não ficarei assim tão mal visto se acabar com a minha vida. É reconfortante ver que há pessoas que sentem o mesmo que eu e que depois de fazerem o que acham que devem, o que sentem que têm que fazer, são tratadas com respeito.

Na vida que levo ninguém me respeita, todos me catalogam, todos me viram a cara…

Se eu tinha qualquer tipo de dúvidas, posso dizer que foram dissipadas com este exemplo. E ainda fiquei a saber que há mortes que doem menos que outras. Isso era uma coisa que me assustava. Sinto que a notícia me deu uma força que eu achava que não tinha.

Está resolvido, até já escolhi a data e o local!

 


Percebi então o efeito perverso da minha peça. Como se escreve sobre um suicídio? Como suportar esta culpa? A quem pedir ajuda?


 

Filipa Pouzada

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 03:17  Comentar

De Aníbal V a 23 de Julho de 2009 às 12:27
Penso que sim, "com muito amor e compreensão/aceitação se consegue atenuar" o sofrimento de quem pensa em acabar com a sua própria vida.
Mas, certamente, também com ajuda especializada; talvez e para começar, com a ajuda dos serviços de apoio emocional.

De pink poison a 21 de Julho de 2009 às 13:09
Era bastante bom que se tratasse apenas de uma peça de teatro mas o suicida absoreve e busca informações em todos os aspectos. Recordo-me de alguém comprar um livro de Daniel Sampaio apenas para ter acesso aos medicamentos que os jovens haviam usado na tentaiva de suicídio. A bula de um medicamento, a internet, as conversas e histórias populares dos meios pequenos. A vontade de morrer é algo de muito poderoso que, quanto a mim, só com muito amor e compreensão/aceitação se consegue atenuar

De Ana Lua a 23 de Junho de 2009 às 11:06
Este artigo coloca questões muito pertinentes!
Hoje em dia a comunicação social não se importa com o impacto que causa na educação e emoções das pessoas...
Quantas vezes eu chorei ao ver o telejornal com a miséria humana? Todas essas dores mostradas todos os dias sem explicação banaliza o sofrimento humano... E quem se importa com isso?
Estamos a "criar" uma sociedade fria e indiferente ao outro...

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