Não consigo imaginar, nunca consegui. Sempre me incomodou a ideia de não poder fazer o que eu quero, não fazer as coisas que eu quero, à hora que eu quero, como eu quero. Ter alguma coisa que me faz sentir que tenho sempre alguém atrás de mim, por cima do meu ombro, a controlar-me. Só de pensar nisso fico incomodada, sinto-me mal.
Houve quem me contasse histórias que até me levaram para lugares desses. Histórias de infância e a autoridade dos pais, de uma irmã ou de um irmão, histórias de um casamento angustiante e destrutivo, histórias de uma doença avassaladora, histórias de reclusão. Novos e velhos, homens e mulheres. Mas acho que até hoje o que me incomoda mais é a falta de visão que estes momentos de sofrimento nos trazem. Eu bloqueio, entorpecem-se-me os sentidos e sou levada pela raiva, o medo, a revolta, e simplesmente perco a noção. Mesmo quando são só histórias contadas por alguém, de alguma forma, dentro de mim, na minha vida, já houve um momento em que parece que me senti assim.
Antes que comece a ver as coisas por outra perspectiva, também eu me afundo no desassossego e deixo de acreditar. Chego a um ponto em que não acredito em ninguém. Viro-me contra todos - o mundo, a sociedade, os que estão ao meu lado e, inclusive, contra mim própria. Deixo de acreditar, de ter esperança. Fico cega. Como se tudo perdesse o valor e terminasse ali, naquele instante. Os dias passam, parece que as coisas nunca mais serão as mesmas. Tudo muda, não encontro o sossego. Percebo mais tarde que a intensidade com que reajo é idêntica à violência e à agressividade com que com os meus olhos vêm aquele acto, na forma como o interiorizo.
Até que um dia acaba, já não surge aquele desconforto, não surge no meu pensamento e já nem me consigo lembrar quando é que foi a última vez que o senti.
Ficou para trás, arrumado nalgum lugar. Até que um dia, há uma nova história e lá estão outra vez as quatro paredes, um tecto, um chão e mais uma porta para ser destrancada, pelo tempo...
Graça Silva
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