29.4.11

 

Não considero que existam verdadeiramente idades maiores e menores. Acredito em idades comparativas, sujeitas ao escrutínio do tempo, que é universalmente igual para todos. 34 anos no meu cartão de cidadão serão iguais aos 34 anos de outra pessoa qualquer.  Contudo, facilmente se compreende que os meus 34 anos não serão em nada iguais aos de outra pessoa. Porque são os meus...

 

Passado

A minha primeira idade maior foi quando nasceu o meu irmão. De repente tornei-me no mais velho, logo, o maior. Depois tive outra idade maior quando entrei para a pré-primária. Já era “grande” o suficiente para ir para a escola e tomar contacto com as primeiras situações extra-casa dos avós e carinho dos mesmos. Quando dei por ela, surge outra idade maior, ou seja, a entrada na 1ª classe e a responsabilidade das aulas “a sério”. Seguiu-se a idade maior do ciclo, a do liceu e aquela que terá tanto de fantástico como de terrível... a escolha do curso que nos transformará noutra pessoa que terá obrigações importantíssimas, não só para a família, mas agora também para a sociedade. Claro que pelo meio existiram outras idades maiores, como a idade maior para receber uma mesada, a idade maior para começar a fazer o bigode, a idade maior para sair com os amigos, a idade maior para a carta de condução, a idade maior para votar, a idade maior para os primeiros beijos e a idade “muito maior” para a primeira experiência sexual. Aquela que será porventura a idade maior mais assustadora e desconhecida, a parentalidade, surgiu de forma inesperada e abrupta. Contrariamente, se calhar, à maioria dos casos, ela deu-se antes de outra idade maior muito importante, como é a do primeiro emprego. De repente parece que se esgotam as idades maiores e a vida estabiliza. Deixam de te tratar por tu e progressivamente dirigir-se-ão a ti por senhor...

 

Presente

Vivo numa idade maior que vai crescendo. Ou seja, hoje tenho 34 anos, filhos, emprego, responsabilidades. Lá para o final do ano terei exactamente a mesma coisa, mas com 35 anos.

 

Futuro

Tenho algumas ideias do que será a minha idade maior no futuro. À falta de uma palavra melhor, direi que a tranquilidade se apoderará de mim. Serei mais ponderado, calmo e olharei a vida certamente de outra forma. Começarei a dar importância a coisas que neste momento não têm, e começarei a menosprezar coisas que neste momento são muito importantes. Virá a idade maior da expectativa pelos sucessos profissionais e pessoais dos filhos, das dores nas costas ou noutro lado qualquer, a idade maior do exame à próstata, do colesterol e etc.. Virá a idade maior da revolta em relação à idade da reforma e ao valor da mesma. Em relação à juventude, barulhenta, rasca e incompreensível. A idade maior da ansiedade pelo nascimento de netos e, posteriormente, da ansiedade pela quantidade de anos que passarei com eles. Nessa altura, de pouco me importará por quantas idades maiores já terei passado. Gostaria contudo de poder dizer que fui o maior nessas idades.

 

Rui Duarte

 

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26.4.11

 

Quando começa oficialmente a velhice? Será aos 65 anos? Porque é que tu estás a envelhecer?

 

As “teorias da pré-programação do envelhecimento” referem que existe um tempo limite interno para a reprodução de células e que a determinada altura esta cessa. Ocorre então uma “auto-destruição” na biologia interna do corpo (Hayflick, 1994). Por outro lado as “teorias do desgaste” sugerem que as funções mecânicas do corpo deixam de se realizar muito à semelhança do que ocorre com uma qualquer máquina. Pode, por um lado, assistir-se ao processo de “caramelização” ou “glicosilação”, em que os açúcares em excesso se juntam às proteínas das células dando origem a uma camada pastosa que bloqueia as artérias e enrijece as articulações. Por outro lado, a acção dos “radicais livres” que são moléculas instáveis de oxigénio produzidas durante o funcionamento normal celular e que andam à deriva dentro das células, danificam-nas.

E como é que queres envelhecer? Podes escolher! Há várias teorias entre as quais a “teoria da desengrenagem do envelhecimento” que sugere o processo de envelhecimento como uma retirada gradual do mundo a vários níveis, físico, psicológico e social (Cummings e Henry, 1961). Com menos energia há necessariamente menos actividade. A atenção é redireccionada do exterior para o interior e da sociedade para o próprio. Pode ser, com certeza, perspectivado como muito positivo para muitos. Uma etapa de reflexão e de introspecção.

Em alternativa a “teoria da actividade do envelhecimento” refere que as pessoas mais felizes são as que se mantêm mais activas. É claro que, salvaguardando as devidas diferenças individuais, a actividade por si só não parece ser garante de muito. Antes, a natureza da mesma parece fazer a diferença.

 

Teorias à parte, até ao momento parece não haver fuga possível a este processo que pode ser pessoalmente sentido ou vislumbrado como severo e penoso ou suave e sereno. Pode ser abordado de forma mais técnico-científica ou filosófica. Mas atenção, não te enganes! Assim como não há passado, não há, de facto, futuro! Só tens mesmo é o frágil presente. Sim, garantido é mesmo este momento. Como “dizia” Robin Williams: Carpé Diem! Aproveita-o! Faz com que, quando olhares para o caminho percorrido, seja com satisfação e tenhas um sentimento de realização, de preenchimento e de orgulho. Só tu sabes como conseguir isso! A tua missão é, a partir deste momento, tornar a tua vida extraordinária e contribuíres para que outra qualquer pessoa também sinta que continua a existir esperança. Experimenta pequenas grandes coisas como um sorriso, uma palavra, um olhar!

Odes (I, 11.8) do poeta romano Horácio (65 - 8 AC):

“Tu não procures… encurta a esperança, pois a vida é breve. Enquanto falamos, terá fugido ávido o tempo: Colhe o instante, sem confiar no amanhã”.

 

Ana Teixeira

 

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22.4.11

 

Senti o sol a incidir nos meus olhos. Abri-os a custo e fui imediatamente invadida por uma sensação familiar de bem-estar. Mais um dia começava e ali estava a vida a desafiar-me alegremente e com malícia, para me levantar e aproveitar cada minuto do novo dia. Era uma miúda com pressa de ir lá para fora, abrir as narinas e inspirar o ar todo de uma vez. Levantei-me enérgica, abri as janelas, saí do quarto, e ao passar no corredor, esbarrei com uma figura estranha e ao mesmo tempo familiar. Observei melhor aquela mulher septuagenária, de cabelos grisalhos, como um olhar tão parecido com o meu. Era o meu olhar. Era eu.

O espelho lembrava-me com cinismo que o tempo tinha passado por mim, deixando as suas marcas bem visíveis, vincadas no meu rosto. Fitei a figura reflectida no espelho durante ainda alguns instantes, para me inteirar de que era eu de facto que me observava e tocava as minhas rugas ao de leve. Que corpo era aquele? Aquele invólucro estava errado. Dentro dele, escondia-se uma miúda, com a vida a pulsar dentro dela.

Fiquei ainda algum tempo presa àquela imagem e a tentar reconhecer-me nela. Enquanto mergulhava no seu olhar fui-me lembrando de como a minha vida tinha sido preenchida. Vi o rosto do meu amor, do meu companheiro de tantos anos, que tinha partido antes de mim. Vi o rosto do meu filho muito amado e o riso solto dos meus netos. Vi as minhas viagens, aventuras, alegrias e tristezas, sucessos e fracassos. Vi-me a aproveitar cada momento da vida. Vi-me a envelhecer.

Sim, aquela imagem no espelho era eu e reconheci nela uma grandeza única, por todas as vidas que tinha vivido e partilhado. Mergulhar naquele olhar era penetrar num mundo privado e fascinante de memórias.

Sorri e reconheci o meu sorriso. Era o mesmo de sempre. A miúda estava ali, à espreita, a desafiar-me. Tanto ainda para viver, tantos livros para ler, tanto para escrever, tanto para partilhar.

 

Teresa Moura

(Articulista convidada)

 

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20.4.11

 

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19.4.11

 

O tempo rasteja, caminha, dança e voa, não necessariamente por esta ordem, num frenesim desenfreado e enigmático. Andei décadas “aos papéis”, a tentar adivinhar como e quando, e só agora percebo que ele passa, na velocidade certa, em todas as fases da nossa vida. Quando somos muito jovens, cada dia parece uma eternidade. A ansiedade em ser adulto é tão grande que às vezes nos consome. “Quero crescer. Quero crescer depressa.” E a vida faz-nos a vontade. Chegados a adultos, percebemos que tudo mudou: a nossa percepção do tempo, as expectativas, os sonhos que nos dilaceram, as dores que nos libertam. Tudo. Se tivermos sorte - eu tive - apaixonamo-nos por alguém que nos enche as medidas e nos devolve, numa simbiose perfeita, o sonho de uma vida em comum. Todavia, por mais que alguém se projecte no futuro, dificilmente consegue imaginar o seu aspecto, as suas vivências, na idade maior. Fiz esse “exercício” várias vezes mas, ainda agora, tenho dias em que acordo de manhã e me olho no espelho, e não reconheço aquela velhice na pele. Não sou eu ali reflectido, mas sim aquele rapaz de pouco mais de três décadas, tão vívido na minha memória, que vivia à boleia de um tempo que nunca foi seu.

A idade maior instalou-se, juro que não dei por nada. Equacionei tanta coisa para mim nesta etapa, menos estar só ou sentir-me, cada vez mais, frágil e assustado. Descobri, por exemplo, que não gosto dos dias negros e chuvosos. Quando acordo, abro a janela e a casa permanece na escuridão, vejo a morte na penumbra. Nesses malditos dias escuros, sinto-a junto a mim e morro de medo de que não seja apenas uma visita, e ela não queira regressar sozinha. Então, ainda que chova, faça frio ou me doam coisas no meu corpo que eu nem precisava de saber que existem, forço-me a sair de casa. Misturo-me com a multidão, esperando assim ludibriar a morte e prolongar a minha estadia. Não gosto da solidão, lido muito mal com a falta da minha “metade” de uma vida inteira mas, ainda assim, não me leves a mal, não tenho pressa em te seguir. Muitas vezes te chorei na praia, quando a saudade já não cabia dentro de mim. Gosto de chorar junto ao mar porque só aí as minhas lágrimas parecem pequenas… Mas hoje não quero chorar. Hoje o dia dói.

Hoje está um desses dias negros e pesados. Estou particularmente melancólico. Saí de casa e entrei num autocarro onde, abrigado da chuva, pude ver e ouvir gente. Ao meu lado, sentou-se uma jovem que me sorriu. Não sei por que razão lhe disse o que sentia… Talvez o sorriso dela tenha desvanecido a minha angústia reprimida, tornando-a tão leve que me saiu pela boca. Confessei-lhe, baixinho, que nestes dias sentia a morte presente e que ansiava pelo sol, para alumiar a escuridão. Ela olhou-me nos olhos e disse-me que a morte caminhava com todos nós: novos, menos novos, ricos e pobres, homens e mulheres, desde que nascíamos. E que nos levava, indiscriminadamente, quando nos saía o bilhete premiado. Não consegui deixar de sorrir e, quando me retribuiu o sorriso, senti que havia mais sol sobre mim.

Regressei a casa, ainda chovia. Assim que entrei, lá estava ela na penumbra. Não senti frio, não tive medo. Disse-lhe: “Ah velhaca, hoje não é o meu dia, não tenho o número premiado. Volta amanhã.”

 

Alexandra Vaz

 

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15.4.11

 

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“Olho para trás. Vejo-te tão nítida. Foste persistente em mim. Longa e tão curta. Pergunto-me até quando permanecerás. Deste-me o mundo outrora. Sou o mesmo sem o ser. Vivo-te de outra forma. Já não há a genica. Há o espírito somente.

Criei ramos a partir do meu tronco e ainda vejo pequenos rebentos, tão perfeitos. Esses jamais se recordarão de mim. Mas, levarei todos comigo. A morte esteve comigo algumas vezes, mas foi caridosa. Já tive mais medo. Penso que agora aprendi a aceitar o ciclo da vida. Provavelmente, um dia encontro-me com ela ao virar da esquina. Pode ainda demorar. Não sei. Vivo muito mais nas recordações. São como pequenos filmes que passam por mim. A vida é tão rápida, sinto-a rápida, mesmo que seja mais lento agora. Percebo melhor o agora. Percebo melhor a importância de cada um de nós e estou feliz por ser ainda importante na vida dos meus. Por ter saúde, o que tantos não têm. Cuidam de mim, embora às vezes me tratem como uma criança, que não sou. Já fui. Não tenho mais essa inocência. Talvez tenha um pouco da sua dependência, mas posso também ainda cuidar, contar histórias. Estou cheio delas. Os filhos já as sabem de cor, mas os netos ainda não se cansaram de escutar.

Tenho tanto dentro de mim. Cada ruga é um caminho percorrido. Já vi tantas transformações que deixei de dar as coisas como certas. Tudo se transforma. Sou como uma árvore que permanece. O seu tronco já não é liso e suave. É sabido. Tem gravações. Carrega ramos, folhas, frutos. Uma árvore é tão bonita, tão poderosa, tão essencial. E contudo, continuamos a admirar as flores, jovens e frescas. Não que não sejam importantes. Mas, tão frágeis. Tão vulneráveis. Mas tão desejadas. Ali ao lado, a árvore que nos dá sombra, nos ampara da chuva, que nos alimenta com os seus frutos, que abriga nos seus ramos, que nos permite ver mais além. Essa ali fica. Perene. E, às vezes tão invisível, como não deveria ser. Por vezes, olhada apenas como lenha para a fogueira. E não compreendemos a sua sabedoria. Felizmente, por vezes, admiramos as árvores também e ficamos fascinados do quão são resistentes, apesar de todas as invernias pelas quais já passaram.

Sou a árvore da minha família, mas toda ela ainda se reúne junte a mim. Não me olha com indiferença. Criei tantas raízes que, se a vida não for mais amanhã para mim, sinto que continuarei através dos meus ramos e das minhas folhas. E isso traz tanta paz. Sinto-me uma árvore velha, tranquila, com as folhas ao vento, enquanto admiro o pôr-do-sol.”

 

Cecília Pinto

 

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12.4.11

 

A actual crise política em Portugal domina as atenções nos nossos media. Há uma semana atrás, os protagonistas foram os desastres naturais no Japão, nomeadamente o terramoto e o maremoto que se lhe sucedeu. Duas semanas antes disso, era o denominado movimento de protesto Geração à Rasca quem ocupava o lugar de destaque nos nossos meios de Comunicação Social. E, há cerca de um mês, o país chocava-se com notícias sucessivas relatando as mortes silenciosas de vários idosos, esquecidos nas suas casas. Quantos terão morrido nas mesmas condições, desde essa altura, mas que não receberam as luzes dos holofotes do meadiatismo? Alguns? Muitos? Mesmo traçando-se o cenário mais optimista possível, certamente que terão sido demasiados, pois ninguém deveria ter que morrer sozinho, abandonado e esquecido.

 

A nossa sociedade idolatra os jovens e venera os anos gloriosos do período da juventude. As pessoas recordam, com nostalgia, as doces memórias dos seus tempos de criança e de adolescente e, com a mesma intensidade, recusam pensar no seu futuro enquanto pessoas velhas que virão a ser. Na rua, quando os nossos olhos se cruzam com o olhar de um antigo, sequioso de atenção e de alguém que lhe retribua um sorriso disfarçado, por entre os vidros de uma janela empoeirada, quase que, involuntariamente, a nossa atenção se desvia para o lado contrário. Porque é triste sentir que aquela pessoa está só e sofre em silêncio. Porque sentimos a nossa quota-parte de responsabilidade de sermos cúmplices de uma sociedade que negligencia os seus anciãos. Porque, talvez, inconscientemente, tememos vir a ser aquela pessoa que, na recta final da sua vida, se vê, quanto muito, tolerado pela família, desprezado pelos jovens e abandonado pela comunidade.

 

A solidão dos velhos é pobre, cruel, silenciosa e confinada às quatro paredes de uma casa. A sua voz rouca de protesto não se consegue fazer ouvir e o seu corpo, cansado das amarguras da vida, teima em aprisioná-lo a um espaço exíguo que pouca gente visita.

Enquanto não chega o dia em que nos orgulharemos das notícias sobre o lugar dos nossos idosos na sociedade, porque não aproveitar o presente tempo de crise para reflectirmos, enquanto filhos, enquanto netos, enquanto cidadãos, sobre a dívida que temos para com os nossos velhos e de que forma poderemos tentar, pelo menos em parte, saldá-la? Porque, querendo-se ou não, os jovens de hoje serão os velhos de amanhã. E amanhã poderá ser já tarde, já poucos nos ouvirão porque já não seremos jovens....

 

Liliana Jesus

 

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8.4.11

 

Se o jovem soubesse e o velho pudesse não haveria nada que não se fizesse. Este antigo provérbio verte de forma grosseira os limites de velocidade a que a evolução da humanidade está condenada. Há algo de profundamente errado com esta organização social, um colossal desperdício de energias desorientadas e de saberes feitos de experiência.

A culpa primária pode residir na genética, até porque ela é a principal responsável pela curva do crescimento e envelhecimento. Mas isto não retira responsabilidades a todo um conjunto de vontades de manter os jovens na ignorância e os velhos na prateleira. São muito restritos os círculos onde se faz com relativo sucesso o cruzamento entre sabedoria e força. E a escola tem tido algumas dificuldades em manter-se nesse meio. Uma verdadeira e honesta aliança entre a pujança da juventude e a experiência da velhice não se faz apenas da expedição de matérias escolares. Faz-se antes de uma colaboração estreita, prática e funcional entre elas, à semelhança de uma tutoria ou, quando devidamente estruturada, de uma família. Numa sociedade de economia simples, como é o caso da civilização Arapeshe da Nova Guiné, os jovens vão participando progressivamente nas actividades dos mais velhos: começam por cultivar o jardim dos pais ou dos avós e, mais tarde, o seu próprio jardim. Assim, a transição da criança para a vida adulta faz-se lenta e gradativamente, não havendo grande espaço para que se manifestem as crises a que as sociedades ocidentais modernas apelidam bondosamente de típicas ou normais na adolescência.

Como pode uma vida inteira de conhecimento e experiência ser encostada num canto da casa ou acondicionada num lar? Que terra é esta que remete os velhos para um lugar de esquecimento? Não é de estranhar, então, que a doença de maior incidência na terceira idade seja a solidão. E de quanta injustiça se reveste esta situação!

Compreender o fenómeno que nos leva a atirar a velhice para uma ilha, remete-nos para explicações complexas que passam, nomeadamente, pelas teorias psicanalíticas de evitação de medos e de perpetuação das características com as quais nos identificamos. Mas outra explicação concorre, provavelmente com vantagem sobre as demais, para o entendimento do enigma: trata-se da questão económica e de tudo o que gravita à volta dela. Quanto custa aproveitar a sabedoria feita de idade? Qual é o preço justo a pagar por tão precioso legado? Já alguém fez bem as contas?

Este é um dos maiores paradoxos das sociedades ditas civilizadas: há, por um lado, mão-de-obra válida e disponível para ensinar, orientar e comandar, cérebros calejados a rodos, ávidos por se deixarem aproveitar nesse sentido e, por outro, toda uma juventude a precisar de ensinamentos, orientações e comandos, matéria-prima imberbe aos montes, à procura de quem a trabalhe.

Velhos são os trapos! A eterna juventude é para esquecer, mas há claramente neste adágio, neste grito de revolta, um manifesto contra a resignação. A juventude tal como a velhice, são além de conceitos associados à passagem do tempo, estados de alma. Nesta perspectiva cabe um pouco de tudo: desde velhos aos quarenta, a adolescentes aos trinta. Mas há toda uma massa de gente que só parou por força da estruturação laboral, da vontade de outros e que, por mais que queira, não encontra forma de exercer o seu direito de juventude.

Os velhos deste país estão injustamente esquecidos. Os programas para a idosos vão mais no sentido de os entreter do que de lhes aproveitar o talento.

Ser ou não ser velho não é tanto uma questão - é uma indecisão, uma extraordinária indecisão de todos nós.

 

Joel Cunha

 

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5.4.11

 

Entrei e sentei-me no último banco. Esperava ver a igreja vazia mas fiquei surpreendida pela quantidade de pessoas que já lá estava. Claro, que tonta, estavam a chegar para a homilia da manhã. Fiquei contrariada, não queria ver gente na igreja, queria entrar nela vazia. Respirei lenta e profundamente e olhei à minha volta.

 

Reparei que todas as cabeças que estavam à minha frente eram brancas ou cinzentas. Deviam estar umas quinze pessoas e todas elas já com idade avançada. Eu tinha entrado naquela igreja por impulso mas pareceu-me que todos os que lá estavam cumpriam uma rotina quotidiana. O esforço que faziam nos seus movimentos lentos e silenciosos deu-me ideia que este era um momento solene no dia deles. Numa fase já cansada da sua vida, estes velhinhos levantavam-se cedo de manhã para orar, conversar com Deus, quem sabe, encará-lo. Tive vontade de ir ter com eles, questioná-los, ter uma resposta imediata sobre tudo o que já sabiam, a que conclusões tinham chegado. Já tinham sido jovens, já tinham corrido, pulado, esperneado, já se tinham sentido fortes, poderosos, já tinham festejado as suas conquistas e inevitavelmente tinham tido desgostos. Queria perceber como é que depois disso tudo conseguiam estar ali tão serenos. Senti que teria tanto para aprender com eles, certamente já tinham atravessado experiências como a minha naquele momento. E depois? Quando tudo passa? Como se fica? Talvez nos riamos das nossas tontices, dos nossos dramas apocalípticos que em suma, resumem-se a experiências de vida, com o passar dos anos até podem parecer anedotas. Certamente estas pessoas não tinham entrado na igreja pelo mesmo motivo que eu. Eu estava perdida, prestes a lançar um ultimato, à procura de uma luz, de uma inspiração, de um milagre, de preferência repentino! Estes velhinhos não me pareciam estar perdidos. Eram frágeis e fortes ao mesmo tempo, andavam curvados mas com um olhar pausado, de quem já sabe muito e também sabe a dimensão do desconhecido. A sua debilidade física dissolvia-se no sussurrar das suas orações, na serenidade que transmitiam. Estes cabelos brancos e prateados que me enfrentavam eram como um desafio. Tinham tido toda a vida para acreditar, questionar, duvidar e até negar. Por fim, todas as equações resultavam em crer, mais do que tudo naquilo que é inexplicável. Contas feitas, depois de ter vivido momentos tão intensos e tão urgentes, tudo passa, com o tempo as importâncias desvanecem e permanece a consciência da condição humana, frágil e irreversível. A vida resume-se ao essencial porque já não se tem tempo para desperdiçar com urgências e precipitações.

 

Saí da igreja mais tranquila. Tinha bebido da sabedoria de quem estava bem mais à minha frente. Os meus problemas permaneciam idênticos mas eu já me posicionava de forma diferente em relação a eles. Aqueles fios prateados com quem tinha partilhado aquela paz tinham-me apontado a fórmula para continuar: paciência. Difícil era pô-la em prática. Percebi que devia aprender com o tempo e dar tempo ao tempo para que me ensinasse a viver. As respostas não são forçadas, elas vêm ter connosco apenas quando estamos preparados para as receber e quando lhes damos espaço para chegar a nós, hoje, amanhã, daqui a quarenta ou sessenta anos.

Desde esse dia, sempre que entro numa igreja reparo inevitavelmente nos cabelos brancos e prateados, silenciosos fios de sabedoria que me mostram o quanto tenho para caminhar.

 

Estefânia Sousa

 

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1.4.11

 

Em 2002, durante a II Assembleia Geral sobre Envelhecimento Activo, os Governantes lançaram o desafio para a construção de um Plano Internacional de Acção para o Envelhecimento. Um dos desafios e compromissos assumidos visava o alcance de um envelhecimento seguro e saudável que só seria possível pelo reforço e priorização do objectivo de erradicação da pobreza ao nível deste grupo populacional.

Passados 10 anos este ainda é um desafio que se impõe a nível europeu e a nível nacional. A pobreza é uma clara violação dos direitos humanos e uma sociedade nunca poderá ser coesa e inclusiva se continuarem a existir situações de desigualdade e de vulnerabilidade. Para a EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza este é um princípio de actuação pelo qual luta há 20 anos e que esteve na base da promoção do Grupo de Trabalho sobre Envelhecimento Activo.

O reconhecimento das crescentes alterações demográficas e de que as pessoas idosas são dos grupos em maior situação de vulnerabilidade face à pobreza (20,1% em 2008) suscitou, por si só, a reflexão em torno de algumas propostas que visassem contribuir para a melhoria das condições de vida das pessoas idosas, com uma atenção particular às que vivem em situação de pobreza e de exclusão social.

As propostas foram estruturadas em 4 grupos nos quais se procurou reunir um conjunto de elementos que pudessem traduzir o estado da arte da intervenção nas questões do envelhecimento, para, logo de seguida, serem apresentadas algumas orientações/recomendações para a prática.

O 1º grupo, orientado para a produção de conhecimento em torno do contínuo envelhecimento demográfico e da situação social das pessoas idosas, procurou dar ênfase à necessidade de mobilização da sociedade civil para a construção de uma estrutura de acompanhamento do fenómeno que qualifique a informação produzida por este. Uma estrutura deste tipo, a ser construída, teria também uma função mais alargada que passaria pelo planeamento e lobby junto dos órgãos decisores.

O segundo grupo incidiu sobre as políticas direccionadas para o envelhecimento activo, salientando a necessidade de uma maior e melhor definição de orientações com vista à promoção de um envelhecimento saudável para todas as pessoas. Embora as questões políticas tenham um efeito directo no modo de intervenção com esta população, o grupo de trabalho percebeu a necessidade de identificar algumas propostas mais específicas para a intervenção no fenómeno do envelhecimento.

Este 3.º grupo apelou à importância do trabalho em parceria entre as Organizações, tendo em vista o desenvolvimento de uma Estratégia integrada e concertada às necessidades das pessoas idosas. A intervenção beneficiaria ainda da promoção de uma política de qualidade das respostas sociais que obedecesse a um conjunto de princípios dirigidos às especificidades do sector e dos públicos em questão.

Um último grupo de propostas foram orientadas para a informação, sensibilização e formação na temática do envelhecimento e das problemáticas a ele associadas.

Várias são as observações que podem ser apontadas a este trabalho, mas muitas delas reconhecem as potencialidades do mesmo como instrumento de acção para as organizações e profissionais destas áreas, mas também como instrumento de lobby. Independentemente do uso que se fizer deste documento, o Grupo de Trabalho sobre Envelhecimento Activo é unânime quando considera que deve ser um esforço de toda a sociedade operacionalizar mudanças no presente de modo a planear um futuro onde o bem-estar de todas as pessoas seja objectivo único e primordial.

 

Paula Cruz

EAPN Portugal / Rede Europeia Anti-Pobreza

(Articulista convidada)

 

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