Caminham em silêncio, de mãos dadas. Um silêncio povoado de afectos que elas não querem quebrar. De vez em quando as mãos apertam-se para se sentirem mais próximas, para avalizarem o carinho que as une.
Sentam-se no único banco livre, bem no centro do jardim, junto ao lago onde patos e cisnes deslizam por entre os nenúfares que cobrem as águas sujas e esverdeadas. Coabitam com os peixes avermelhados que só são visíveis nas águas turvas quando iluminados pelos raios de sol que atravessam a folhagem das árvores e vão dar vida ao lago. O velho plátano, hoje como há muitos anos, serve-lhes de guarda-sol. Os seus ramos, numa dança incessante, de cá para lá, de baixo para cima, tocam-nas, envolvem-nas e oferecem-lhes um presente da sua própria criação – depositam no regaço da mulher mais idosa uma folha.
As mãos separam-se.
A mulher pega a folha e fá-la rodopiar nos dedos desenhando círculos no ar. Observa-a! Primeiro de um lado, deixa-se impressionar com a cor intensa do verde, depois vira-a e o verde-claro, tão claro que mais parece branco, intriga-a, o mesmo ser com duas cores, duas faces. Observa-lhe o pé, o elemento que a prendia à vida mas que faliu e a deixou à deriva. Cumpriu o seu ciclo, caiu. Mas, terá mesmo cumprido o seu ciclo? Será aquele o seu fim?
O seu pensamento salta de pergunta em pergunta, confunde-se com a folha e as interrogações que a invadem são já sobre a sua própria existência.
Mexe-se no banco para afastar o incómodo que a invade. Sacode o regaço. A folha cai abandonada no chão. Arrepende-se do gesto irreflectido e quer apanhá-la de novo. Esgota-se a tentar resgatá-la ao vento que, brincalhão, a sopra para perto, para de seguida a afastar para mais longe. Desiste, já não se sente com forças para brincar com a força do vento.
Lamenta o quanto não terá perdido pela vida fora por gestos repentinos e impensados. Assalta-a um desejo penoso - ter vinte anos e saber o que sabe hoje! É um desejo incompreendido, ninguém lhe pergunta o que é que apreendeu, ninguém quer saber se ela tem alguma coisa para ensinar. E no entanto aprendeu tanta coisa que poderia partilhar!...
Aprendeu que não existem relacionamentos sem respeito, que a felicidade se sustenta em laços apertados de afectividade, que a compaixão aproxima, que todas as pessoas vivem no desejo de serem compreendidas, aceites, amadas.
Aprendeu a viver como ser livre que é.
A jovem sentada ao seu lado brinca com as suas mãos. Aperta-lhe ligeiramente a pele e observa as pregas que se vão formando. A ausência de poros dá-lhe um aspecto plastificado. Ainda se lembra de as ver com os dedos pontiagudos, finos e bem torneados, de pele branca, quase transparente. Já não são como antigamente, porém ricas de experiência. As pregas e as manchas contam uma história, a história da sua vida.
Finalmente o silêncio é cortado.
- Foi aqui neste jardim, que o teu avô me pediu em casamento. No meu tempo este era o jardim dos namorados.
A neta olha-a com tristeza.
- Sabes avó, gostaria que sentisses que este também é o teu tempo.
Cidália Carvalho