31.1.12

 

Porquê que janeiro é o mês em que tudo se pensa e nada acontece? Pensamos em tudo porque é a viragem para o novo ano, momento que escolhemos para dar mais uma oportunidade a nós próprios de conseguir aquilo que é desejado há muito tempo. Resolvemos estruturar o pensamento para partir para a ação, resolver assuntos pendentes na vida como algo que sempre fez parte do dia-a-dia.

Nada acontece porque na realidade raros são os resultados práticos de toda a reflexão sobre as resoluções que pensávamos que deveriam acontecer... Talvez por, na realidade, desejarmos continuar com algo pendente, com objetivos por alcançar para que o horizonte não se torne perto demais. Isto soa a “cão que ladra não morde”, mas não é bem assim, pois na nossa mente algo muda, algo se resolve.

Somos aquilo que vamos construindo ao longo dos anos, desde os primeiros dias de vida e, há ainda quem diga, desde os dias em que ainda estamos no feto, na barriga da mãe. Não é numa noite, de 31 de dezembro para 1 de janeiro, que iremos resolver todos os assuntos pendentes, todas as ambições e frustrações que pairam há anos sobre nós. Mas esta noite fatídica pode ajudar! Pode ajudar a estruturar melhor o pensamento, pode ajudar a repensar em tudo o que ficou recalcado, em todas as experiências que vivemos no ano que termina e em experiências muito anteriores.

A quem não acontece pensar em episódios que nos marcaram há muitos anos, mas só nestas alturas é que se lembram deles? A quem não acontece pensar que desejariam ser completamente diferentes do que são atualmente? E o mês de janeiro, que tem de especial para pensarmos que poderá resolver tudo?

Para mim, este mês é apenas um símbolo de início, e cada um faz o que entende por bem com qualquer símbolo. Olhar para trás para pensar como irá para a frente... Não me tenho dado lá muito bem com isso... Pensar apenas para a frente sem olhar ao que já está feito... Poderia ser uma solução, mas seria também um salto no escuro... Arriscar pensando apenas no momento de hoje, naquilo que sentimos... Sim, é esta a postura que opto adotar, mas custa... No final do ano custa pensar que afinal não foram boas resoluções...

Esta noite serve principalmente para tomarmos consciência de nós próprios, mesmo que seja para sabermos que não queremos nenhuma resolução para breve, que queremos que tudo aconteça no novo ano, ou qualquer outro caminho que nos pareça melhor.

Olhar para trás e pensar que o que fizemos está feito e nada poderemos fazer quanto a isso pode ser bom e mau. Pode ser bom se pensarmos como um desafio a superar, como uma nova oportunidade para mostrar que afinal somos capazes de fazer muito melhor. Pode ser mau por percebermos que afinal as nossas resoluções, na maioria das vezes, não são as melhores, deixando-nos num estado caótico, longe de novas resoluções e perto de muitas reflexões.

Ora, é destas reflexões que tenho muito medo! Quando paramos para pensar durante tanto tempo, só porque achamos que temos o direito disso. Quando paramos fica sempre algo para trás, algo que não é recuperável, o tempo de estar com os outros e com o próprio. É aqui, neste mês de janeiro, que paramos para pensar de tal modo, que pomos em causa aquilo que nos outros 11 meses é tido como certo, o que pode influenciar outras pessoas que esquecemos de pensar durante este mês que queremos só para os nossos pensamentos. Mas, no final do mês, nada fazemos com o nosso interior, que seria a primeira a coisa mudar e não o que fizemos ou deixamos de fazer com os outros.

 

Sónia Abrantes (articulista convidada)


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27.1.12

 

Já são onze e quinze… Tenho de ir para casa. Mas ainda não me apetece ir para casa. Fico mais um pouco, ou vou embora? Mas se for, vou para onde? Mais um cigarrito e pode ser que aquela rapariga olhe para mim. É bem bonita. Mas não olha para mim. Nunca olham para mim. Mas se olhar, de nada adianta. Se olhar, o que é que eu faço? Não sei o que faça. Bom mesmo, seria eu conseguir falar com ela. Mas isso é impossível. O que lhe diria? Engasgar-me-ia todo. Ela podia vir falar comigo, seria mais fácil… Está frio. Apetece-me enroscar na cama e adormecer. Mas não me apetece ir para casa. Eu deveria ir para casa. Amanhã tenho de acordar cedo para ir trabalhar. As férias acabaram. O que era bom acabou. Bom? Seria bom se eu tivesse feito alguma coisa nas férias. Duas semanas de férias, e nada fiz. Há duas semanas estava cheio de ideias. Ir para algum lado, estar fora do meu mundo de todos os dias. E comprar roupa. Umas camisas, umas calças. Talvez uns sapatos; também preciso. Mas para onde ir? Para Norte ou para Sul. Para Norte está mais frio e eu gosto de frio. Para Sul tem mais Sol e eu gosto de Sol. Frio ou Sol? Como decidir? E a roupa? E se em vez de camisas, comprasse camisolas? E que calças comprar? Jeans, ou mais formais? E onde comprar? Posso fazer más compras se não escolher bem. Aquele amigo do meu colega, no outro dia, disse que havia uma loja onde se comprava bem e em conta. Mas onde era? Já não me lembro… Lá é que seria bom para eu comprar. Mas não sei onde é. E amanhã vou ter de levar aquelas calças outra vez. Os meus colegas vão voltar a gozar comigo: então!? continuas com essas calças coladas às pernas? Olha que ainda caiem de podres… Porque não se metem na vida deles e me deixam em paz? Estão todos bem na vida, na casinha deles, com mulher e filhos. Eu também gostaria… Sortudos. Eu, se quisesse, também poderia ter uma casa minha. E quero. Mas como será melhor? Arrendo ou compro. Arrendar tem vantagens. Comprar também tem. O que devo fazer? Sei lá… E se depois me arrependo? Uma casa não é coisa que se encare com ânimo leve. Eu não sou nenhum leviano. Convém ponderar, com calma, com tempo. Tudo tem o seu tempo. Há cinco anos que pondero essa coisa da casa. Para outra pessoa pode parecer muito, mas eu acho que a coisa é séria e tem de ser bem pensada. Ela está a levantar-se. Vai embora. É bonita e tem um corpo bem feito. Gosto. Olha para mim, olha para mim… Se olhar para mim, poderá ser um sinal. Olha para mim… Não olhou. Talvez tenha sido melhor assim. É, foi melhor assim. Deveria ser uma empertigada, cheia de esquisitices e eu não gosto disso. São todas umas empertigadas. Porque é que as mulheres, se simpatizam – vá lá – se gostam de um homem, não tomam a iniciativa? Porque têm de ser os homens a fazer tudo? Ainda falam de igualdade… Quando eu tiver a minha casa, aí sim, já poderei meter conversa com uma mulher e se me agradar, já poderei convidá-la para casa. Essas coisas são importantes. Nada de pressas, cada coisa no seu tempo e no seu lugar. Talvez compre… Não, não, talvez seja melhor arrendar. E qual será o melhor lugar? Não posso ir assim, para um sítio qualquer. Onze e trinta. Já deveria estar a dormir. Vou agora, ou espero até às onze e quarenta e cinco? Será mais tarde, mas ainda será antes da meia-noite. E se os meus colegas, amanhã, voltarem a gozar comigo por não ter comprado as calças? Porra, acabei por não fazer nada nas férias… Teria sido melhor ir para Norte, ou para Sul?

 

- Oh amigo! Queremos fechar! Queremos ir para casa! Ainda vai demorar muito a resolver ir embora?

 

Fernando Couto

 

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24.1.12

 

Este ano já me decidi. Basta! Para este ano decidi… viver! Onde anda a minha lista? Aquela que fui colecionando ao longo dos anos? Devo tê-la perdido vezes sem conta! E porquê? Porque nunca tinha sequer tempo para reparar que ela existia. Cheia de desejos íntimos, sonhos, aventuras e propósitos nobres! Porém embrulhei-me num novelo de obrigações banais, a que tanto gostam de chamar vida, e quando dei por ela tinha já todo o tempo do mundo!

E agora que tenho todo o tempo do mundo, vou passar esse tempo à procura? Não me parece! Agora que tenho todo o tempo do mundo e toda a incerteza do tempo que me resta, quero fazer vida com o tempo que ainda tenho, ou que tão humanamente me iludo que tenho! Mas será que agora ainda posso viver essa longa lista que fui colecionando pelo tempo fora? Não serei já demasiado velho para essas aventuras? Para esses saudáveis devaneios? Ai, o que estou para aqui a pensar?! Então, já não me decidi a Viver?! Não já decidi soltar as amarras de toda uma vida de obrigações, contribuições, sacrifícios pedidos por este e por aquele, exigido por outros tantos que insistiam em governar a minha vida, e que me fizeram acreditar que assim deveria ser?

Vamos! Agora que tenho todo o tempo do mundo, vou saborear cada amanhecer, vou apreciar cada raio solar quente na minha testa, vou deixar o primeiro pingo da chuva cair no meu nariz e vou sorrir em vez de franzir o sobrolho! Vou olhar ao espelho e admirar cada ruga, recordar cada memória e criar memórias nos que ficarão para além de mim, e que recordarão ainda esta minha cara engelhada. Vou cheirar cada alimento, e demorar-me encantado de lhe tomar cada gosto! Vou ficar a ouvir quem tem que falar e vou opinar sem medo e com toda a razão! Vou escutar a melodia do mar, lentamente, enquanto o mundo à minha volta se agita freneticamente, mas ao meu olhar, vagarosamente. Vou rir desalmadamente e amar com um abraço toda a minha gente! Vou rabiscar os meus sentimentos e oferecer gentilmente os meus pensamentos! Não vou apressar o passo… vou viver a cada momento, porque afinal agora tenho tempo!

Este ano decido então viver a minha longa lista. Na base desta lista está o desejo mais profundo - ser feliz. Quero ser feliz em cada coisa que faço. Quero terminar a começar de novo, ter pelo menos essa oportunidade numa vida inteira! Há quem diga que há uma primeira vez para tudo… porque não viver tudo pela primeira vez?

 

Cecília Pinto

 

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20.1.12

 

Na minha lista de resoluções do ano passado havia apenas um item. Uma tarefa de vital e absoluta importância: mudar a alcatifa. Não havia aparentemente mais nada na minha vida que me incomodasse tanto quanto aquela alcatifa. Gostava do carro, da casa, da conta bancária, do metabolismo, dos filhos mas, aquela alfombra, incomodava-me solenemente. De tal forma, que se tornou obsessiva a minha repulsa. Havia gostado muito dela, lembro-me bem. Adorava caminhar descalço e sentir-me confortável e relaxado. Fechava os olhos e conseguia ouvir os pêlos a eriçarem-se-me nos braços, a cada passo que dava. Escolhi-a, coloquei-a. Falava dela com orgulho. Mas um dia, não sei bem quando, aquilo deixou de ser agradável. Passei a andar de chinelos para não a sentir debaixo dos pés; era estranho, picava, deixava-me desconfortável. Entrava em casa e fitava o teto porque, cada vez que olhava para ela, descobria mais um defeito, uma sujidade, um sinal da deterioração inevitável. Esqueci os primeiros anos, o quão feliz havia sido naquela alcatifa, as gargalhadas, abraços e lágrimas. Esqueci as migalhas e os banquetes. Esqueci a história comum. Queria pôr-lhe um fim. Substitui-la por um destes chãos modernos que transformam uma kitchenette num salão de jogos. Inteirei-me do mercado, pedi orçamentos, vivi a adrenalina da iminente mudança. Estive várias vezes para tomar a decisão mas, quando chegava o momento, o espantoso soalho perdia o encanto e eu acabava a preferir a alcatifa.

Quase no final deste ano percebi que, a minha única resolução do ano anterior, se havia pura e simplesmente desvanecido. E o quão sortudo havia sido por não ter feito, provavelmente, a pior asneira da minha vida. Eu não queria trocar a alcatifa. Eu não quero. Eu gosto desta alcatifa. Gosto da história, da cor, do cheiro, da capacidade que tem de me fazer sentir o rei do mundo. Vou investir nela, cuidar das suas fragilidades, tirar-lhe aquele pó entranhado que quase me fez esquecer o quão bonita é. Vou cuidar da minha alcatifa para que se torne de novo brilhante e macia e me dê gozo sentir a pele nua sobre ela. Vou lembrar-me que não é justo esperar que ela se cuide sozinha, precisa de mim para o fazer. Por isso este ano, reformulo o meu pedido: cuidar da alcatifa. Fazê-la durar no tempo. Realçar a sua beleza. É isso que vou fazer. Está decidido. E depois, vou…

- Querido, estás a ouvir-me? Não estás… estás com a cabeça noutro sítio. Podia passar-te uma rasteira, puxar-te o tapete que nem davas conta…

- Não preciso de tapete quando te tenho a ti para me amparar: uma linda e suave alcatifa…  

- Estou a ver… sou o chão que tu pisas…                                                      

- Não, tonta, és o chão que me sustém. Sem ti, não caminharia seguro. Não seria feliz. Conheces alguém que consiga chegar ao céu sem ter alguma vez sentido um chão seguro debaixo dos pés?

 

Alexandra Vaz

 

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17.1.12

 

Entendo a resolução como o passo que se segue ao da decisão. A resolução é um projeto de ação: goza já de algum movimento. E sobre este assunto quero lançar uma pergunta: o que é uma resolução acertada?

Vejamos os seguintes exemplos: divórcio e demissão de um emprego.

Pegando no primeiro, um casal faz-se, constrói-se com o tempo e com o convívio, certo? Um casal é o produto de uma corrente coerente de resoluções, portanto. Leva tempo. É uma aprendizagem e um crescimento de mão dada. Um casal vai-se consolidando como entidade, chegando ao ponto de muitas vezes ter uma personalidade própria e uma série de caraterísticas distintivas dos demais casais. A páginas tantas um dos cônjuges porta-se mal e o outro parte para o divórcio, "esquecendo" tudo o que havia sido construído até então. Passado algum tempo, depois da separação consumada, é provável que quem pediu o divórcio venha a dar mais importância a toda a construção anterior ao litígio, relegando para segundo plano as razões do conflito. E aí alguém fica à deriva por algum tempo, entre um misto de arrependimento e placidez.

Imaginemos agora um funcionário descontente com o seu trabalho, que pede demissão e fica desempregado. O processo de demissão é, tal como o do divórcio, o resultado de um conjunto de construções, decisões e resoluções. Com o decorrer do tempo e o inevitável aperto da carteira, será de esperar uma certa relativização dos motivos que o levaram a rescindir o contrato.

Estes dois exemplos, que têm por caraterística comum não terem um desfecho irreversível (ninguém morre na sequência da resolução, como seria no caso do suicídio ou do aborto), servem para centrar o leitor no momento e contexto de tomada de uma resolução. Pergunto: será que as variáveis que concorrem para uma resolução são as mais adequadas? Ou seja, se uma resolução é o produto de um momento, de um contexto, de uma história e das expetativas, não será razoável deduzir que a maioria das resoluções tomadas têm sempre uma validade temporal? Serão justas e adequadas num momento e contexto, porém injustas, desajustadas e por vezes catastróficas noutros.

Uns dizem que uma resolução acertada é aquela na qual se acredita, isto é, aquela que, reunidas as informações possíveis, melhor soluciona determinado problema ou aperfeiçoa determinada situação. Mas então posso questionar o que se entende por "acreditar", dado que a crença também é função de um momento, contexto, história e, principalmente, de um conjunto de expetativas.

Cabe a cada um julgar da justiça de uma resolução tomada. Tal como cabe ao tempo comprovar se essa resolução foi bem tomada. Ora, dado que o tempo filtra e separa o essencial do acessório, é muito natural que estejam a ser tomadas toneladas de resoluções erradas por esse mundo fora. O que me leva a crer que, por sermos criaturas regularmente acometidas por golpes emocionais, raras são as resoluções (principalmente as pessoais) isentas de paixão, calor e demais influências irracionais.

Por outro lado, uma resolução não tem que ser necessariamente bem tomada. Só tem que nos fazer andar e dar-nos a ilusão de que estamos a consertar qualquer coisa. Conviver com as consequências de determinada resolução tomada é um processo de aprendizagem e de adaptação. Ou então um processo de correção dessa decisão, porque não?

 

Joel Cunha

 

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13.1.12

 

Quando é que a página fica virada? Quando tomamos a decisão que o vamos fazer? Quando já fartos do marasmo de sentimentos recalcados erguemos a cara para cima, para apanhar um pouco de ar mais fresco? Quando conseguimos deixar de pensar naquilo, nele ou nela, todos os dias, a todas as horas? E quando conseguimos passar horas sem pensar e de repente nos lembramos que conseguimos não pensar nisso, será que estamos a melhorar ou a regredir? Como se força o esquecimento?

Se me esqueço, a dor adormece e não sofro tanto, mas uma parte de mim também adormece com a tentativa de esquecimento. E como se esquece aquilo que está sempre presente na nossa mente? Quando nos acorda de noite? Quando não impede de comer? Esperamos que passe? Damos tempo ao tempo, temos paciência? A frase que mais me irrita é quando me dizem para ter paciência. Quando ouço isso sou capaz de bater em alguém. Dizem que o segredo da paciência é distrair-se enquanto esperamos. Se me tento distrair sei que é apenas uma farsa, porque o sofrimento mantém-se, enterrado e cada vez mais enraizado. Não me consigo entregar totalmente porque sei que estou apenas a tentar ludibriar-me, como se engana o coração? Tento mudar os meus hábitos, reorganizar a minha vida… Não consigo ignorar, não consigo esquecer. Sempre que me lembro tento contrariar o meu pensamento com outra coisa, outra ideia, mas tudo parece tão oco.

Não consigo… não consigo ignorar. Preciso de me entregar à dor. Choro de noite, choro ao acordar, choro na casa de banho, choro no carro, grito no carro, choro no elevador, choro em casa, digo palavrões, choro, digo mais palavrões, choro, tenho soluços, choro, choro. Fico surpreendida com a quantidade de lágrimas que consigo produzir e com o meu vasto vocabulário, mas continuo, centrada no meu choro. Fico cansada mas choro mais um pouco e desfaço uma almofada. Durante o dia consigo reter-me, sei que mais tarde terei a desforra. Apresso-me para chegar a casa para ter mais tempo para chorar. E choro, com vontade, parece que quanto mais choro mais me apetece. Já não me lembro de chorar tanto. Já nem sei bem porque choro tanto, na minha cabeça atropelam-se várias tristezas e amarguras, nem todas relacionadas umas com as outras. Nem percebo porque me vêm agora essas lembranças. Mas choro por isso tudo. Deixo as lágrimas soltarem a dor, libertá-la e deixá-la cair. Choro até me rir de mim própria por tanto chorar. Lembro-me que preciso de beber água se não vou desidratar-me… não quero saber, vou chorar mais.

 

Até que começo a chorar menos. Já não me isolo para chorar, para ser sincera já começo a ficar cansada de chorar. O fluxo de lágrimas parou. Já não me apetece.

Ainda não esqueci nada mas já não há lágrimas para soltar. Sinto que não vou esquecer, nem quero. Não posso dizer que a dor tenha passado mas estou muito mais calma. Acho que sim, agora o tempo vai ser meu aliado. A minha perspetiva muda, eu estou a mudar, não propositadamente, mas apenas como fruto do meu processo. Um dia, vou arrumar as recordações, as boas e as más, arquivadas, como se faz com os casos resolvidos.

 

Estefânia Sousa

 

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10.1.12

 

Resoluta! Era assim que todos a viam: uma mulher resoluta, ou resolvida, como costumavam dizer quando se lhe referiam. Maria Francisca não desvalorizava nenhum problema, mas não lhe atribuía mais importância do que a que devia ter. Discernia com tanta facilidade o que era importante, ou desprezível, exibia uma destreza tal a resolver os problemas, que passou a ser adjetivada de “resolvida”.

Em pequena, rapidamente aprendeu a cativar, meio de ajuda à prossecução dos seus objectivos.

Direta e determinada, se queria, tinha; se não queria, de nada valia tentar convencê-la - pura perda de tempo.

Muito jovem ainda, conheceu o Gonçalo, logo aí resolveu que casaria, ele seria o seu marido e o pai dos seus três filhos. Assunto resolvido.

Ensinou os filhos a ter atitude perante os problemas: resolvem-se, se resolúveis, desprezam-se, se não têm resolução. Ilustrava a sua teoria com uma caixa de madeira e pequenos pedaços de papel. Um papel representava um problema. Se digno de atenção, metia-o na caixinha de madeira; se desprezível, deitava-o fora. Na caixinha não deviam acumular demasiados papelinhos, apenas e só os suficientes para desafiarem a capacidade de ação e resolução; demasiados poderiam levá-los a desistir sem os resolverem. O fundo da caixinha deveria manter-se sempre visível.

Os filhos de Maria Francisca viam nela um muro indestrutível que de tudo os protegia.

Os filhos dos filhos, quando procuravam os pais, era com a avó que acabavam a resolver os seus medos, as suas angústias, os seus problemas relacionais da escola, da casa, ou da rua.

- O Manelinho bateu-te? Se o professor não resolve isso vou eu à escola e mostro ao Manelinho com quem se está a meter, sempre quero ver se é menino para voltar a bater-te!

Desta forma, simples, sacrílega aos olhos de hoje, resolvia mais um problema com um dos seus pequenitos.

Tudo resolvia Maria Francisca. Tudo? A morte a resolver a doença do marido foi a sua grande derrota. Não foi tida nem achada, não foi ouvida, não pôde fazer nada. Bem se esforçou mas o resultado foi apenas o de se confrontar, pela primeira vez, com os limites do seu querer e da sua existência. A derrota não era a sua marca; chorou sozinha e em silêncio a morte do seu querido companheiro, mas sem se desviar do seu objetivo: não criar problemas, antes resolvê-los.

Quando anos mais tarde adoeceu e acamou, isso não a impediu de ajudar os filhos a gerir os seus recursos, dando orientações: os títulos na bolsa estão a descer, comprem; os títulos estão a subir, vendam; afundam, parem.

A festa do seu aniversário foi preparada no quarto, para maior comodidade da doente. Depois de aí terem almoçado, Maria Francisca mandou sair toda a gente, queria fazer uma sesta. Encontraram-na morta duas horas depois.

Diziam os familiares que resolveu morrer no seu aniversário para resolver duas datas numa só.

 

Cidália Carvalho

 

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6.1.12

 

Em momento algum do ano se resolve tanto como neste mês. É típico do português deixar tudo para o fim. Aposto que quase 100% de nós passa os 11 primeiros meses do ano a tomar “decisões” e dezembro a formular “resoluções”. Dito isto assim, torna-se curioso. Apesar de as duas palavras serem sinónimas, quantas vezes ouvimos dizer, ou dissemos, “decidi tomar uma resolução para o próximo ano”? Ou seja, decidimos decidir, ou resolvemos resolver e depois logo vemos o que sai daí. E geralmente o que sai? Para alinhar com o espírito festivo – em verdade vos digo…

Para mim, as resoluções só existem quando são concretizadas. Quando executado e levado a bom porto o proposto, o planeado. Quando há um início e um fim. No entretanto, podemos classificá-las de várias formas:

Intenções – quando somos mais esperançosos que propriamente determinados, estando presente uma dúvida mais ou menos persistente que coloca em causa a suposta resolução.

Complicações – quando formulamos uma suposta resolução e acreditamos piamente que a conseguiremos concretizar, investindo e mobilizando o necessário para tal, percebendo mais tarde que se tornou noutra coisa, no mínimo desconfortável, quando compreendemos e temos de aceitar o rotundo falhanço. Neste caso, não existindo uma dúvida inicial, ela sempre aparece, por vezes insidiosa, outras sem apelo nem agravo, algures no decurso desta transmutação suposta resolução – complicação.

Mentiras autoimpostas – quando sabemos perfeitamente que a suposta resolução não passa de uma mentira. Um placebo do momento. Uma operacionalização mental de objetivos que sabemos bem cá dentro serem nados-mortos. Aqui, não existe qualquer dúvida.

 

Para que o próximo ano corra melhor que este (objetivo principal das supostas resoluções de fim d’ano), DECIDI (processo que já teve início mas não fim) pensar na minha quota-parte de intenções, complicações e mentiras autoimpostas. Para que não seja muito doloroso, costumo colar os objetivos por grau de DÚVIDA da sua execução às classificações sugeridas. Vejamos três exemplos que ilustram tal: a) fazer mais exercício e alimentação mais saudável – intenção; b) comer uma só francesinha por mês – possível complicação; c) pagar o condomínio dentro dos prazos – mentira autoimposta.

 

Esta é a prenda que vos quero dar este ano, para gozarem no próximo. Não digam a vós próprios ou aos outros que tomaram resoluções. Digam simplesmente que “tenho a intenção de…”; “será complicado mas quero…”; “sei que estou a mentir a mim mesmo mas gostava de…”. O que ganham realmente com isto? Não faço ideia. Acabei de tomar a resolução de voltar a oferecer os três pares de peúgas que a minha tia-avó me deu no Natal passado. Tenho INTENÇÃO de as oferecer a alguém que goste delas, o que vai ser COMPLICADO, e sei perfeitamente que estou a MENTIR A MIM MESMO quando digo que ela vai gostar.

 

Rui Duarte

 

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3.1.12

 

Ao limpar meu armário achei a lista do ano passado, de resoluções. Envolvida no clima de fim de ano fiz promessas de emagrecer, mudar coisas que eu não gosto da minha vida e mudanças no trabalho. Não fiz tudo; eu diria que muito pouco. Emagreci nestes últimos meses porque havia engordado muito.

É comum para mim e para muitos fazer, essa lista de fim de ano. Parece que serve para torturar quando lemos e vemos que não avançamos. E por que não se avançou? Porque às vezes a vida impõe um caminho distinto a essa lista. As circunstâncias, o destino, a vida, não estão muito preocupados com nossa lista.

Mas quem desiste? Poucos. Ficamos insistindo em resoluções de ano novo, de fim de ano, de começo de ano, de aniversário, qualquer data que sirva.

Diante da minha frustração no fracasso dessa última lista, fiz outra, uma nova resolução para 2012.

Se vou emagrecer? Não sei, não coloquei na lista. Pretendo, mas não vou colocar na lista. Se vou achar o trabalho que me faça feliz? Também não sei e não vai para a lista. E quanto ao coração? Será este ano um bom ano? Não sei.

Escrevi apenas uma coisa, uma só resolução, que espero possa me guiar todos os dias dos próximos 365 que me esperam, uma linha define o ano: Ser feliz.

Ser feliz com o que a vida me trouxer, decidir, fizer. Pouco posso diante das coisas que acontecem fora do meu controle, mas posso escolher ser feliz. É minha única escolha deste ano, minha única resolução.

Escrevo uma só linha, a vida já vai se encarregar de preencher as linhas que faltam. É esperar para ver.

 

Iara De Dupont (articulista convidada)

 

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