30.11.12

 

Todos os dias saio cedo de casa. Durmo a correr, como a correr, ando sempre a correr. Tenho constantemente a sensação de estar atrasado para qualquer coisa. Gostava que a estrada fosse só para mim, que não tivesse stops, semáforos ou peões. Ou que toda a gente se arrumasse à minha passagem, de conduzir um veículo prioritário ou de ser escoltado por batedores.

Nestas filas intermináveis tenho tempo para tudo menos para quase tudo. Sobra-me apenas a possibilidade de vaguear o olhar e de praguejar baixinho. Olho para a esquerda: um carro; para a direita: outro carro; atrás outro e à frente um monte deles. Carros por todo o lado. Os outros farão igual. Vê-se na cara deles. Estarão a pensar no mesmo que eu. Todos mortinhos por saírem daqui. Que raio! O que é isto? Ora bem, meia hora para lá, outra para cá, dá uma hora por dia no trânsito. Ao fim de um ano são cerca de 10 dias aqui enfiado, ou seja, duas semanas. Bolas! O equivalente a umas boas férias… Que é isto, meu Deus? E ao fim de uma vida de trabalho ficarei aqui um ano inteirinho.

O que vale é que gosto do que faço. O que fará daqueles que se levantam em agonia, já a pensarem no regresso a casa? Com certeza que não praguejarão baixinho. Nem terão grande motivação para se dominarem. Aliás, o que é que os move? Como é que é passar toda uma vida a fazer o que não se gosta? Como é que se aguenta isso? Não pode ser! Tem que se quebrar por algum lado. Não é possível suportar tamanho inferno por tanto tempo. Não admira que volta e meia alguém desatine. E, se virmos bem, o desatino dá-se por causas muito pouco naturais à criatura humana: a culpa é desta organização social, deste modo de viver tão… Tão… Sei lá! Tão estranho, talvez. Quem é que inventou tudo isto, toda esta estranha forma de vida em que cedemos a nossa liberdade a não sei bem o quê?

Sim, escolhi o meu trabalho, sou um privilegiado. Escolhi os meus lugares, os meus amigos, a minha família e até o meu nível económico, mas o preço foi e tem sido alto: sacrifico tempo, amigos, família e mesmo a minha liberdade. Daqui a uns anos receberei uma medalha de bom cidadão, que trabalhou, produziu e aceitou calado as vicissitudes da cidadania que, atenção, tem coisas boas (pelo menos aqui dentro não levo com chuva). "Aqui jaz um bom cidadão" - escreverão um dia em letras garrafais e bem ornadas - "agora como dantes, calado."

Realmente, esta cidadania pacífica e silenciosa tem a bondade de um boi: rumina lenta mas constantemente e o tempo passa ruminando. Nada contra, vá! Há que olhar para as vantagens da ruminação. Eu rumino, tu ruminas, eles dão-nos palha e nós continuamos a ruminar. Como se a escolha não fosse minha.

Sim, foi escolha minha: aderi às regras do jogo porque quis, porque lucro com isso, porque posso abandonar tudo mas não quero. Sou feliz assim, acho eu. Gosto do que faço, tenho uma boa família e bons amigos. Tenho liberdade também, acho eu. Mas continuo preso no trânsito.

 

Joel Cunha


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27.11.12

 

Será um pássaro…? Será um avião…? Não, … é o Super-Homem!!

Pois é, o Super-Homem é ele e mais nenhum, isto é, há só um.

Para se ser cidadão tem que se viver na “cidade” (ser um vulgar Clark Kent), em comunidade. Na estrutura da sociedade ocidental atual, a cidadania está ligada a direitos tendencialmente universais. Quer dizer, todos nós, homens e mulheres em idade adulta, temos o direito a exercer integralmente a cidadania.

Para que cada cidadão de per si possa usufruir e exercer os seus direitos de cidadania é essencial que ele próprio e todos os outros cumpram os deveres correspondentes.

Assim como, ao que sei, ainda não foi inventada a moeda de uma só face, também não há direitos sem os correspondentes deveres.

E quais são os deveres de cidadania?

Em termos gerais diria que o cidadão tem o dever de contribuir para que a sua cidade, as suas comunidades, o seu bairro, o seu prédio, se desenvolvam harmoniosamente, sustentadamente.

Mas a vida está tão má, as dificuldades aumentam todos os dias, como é que eu vou, com esta situação, ainda ter cabeça, vontade para pensar em “cidadania”? Isso é coisa de quem não tem mais que fazer, de diletantes mais ou menos idealistas.

Acha que sim?!

Qual a dificuldade em deitar o lenço de papel ou o invólucro do maço de tabaco ou o folheto, que acabámos de aceitar receber em mão, num caixote do lixo? Mais difícil ainda: num ecoponto? Compare-se com o desperdício, com o prejuízo, com a comodidade (geradora de desconforto, no mínimo) de lançar esses produtos usados ou inúteis diretamente para o chão. Multiplique por um milhão.

O que custa apanhar alguns folhetos publicitários espalhados pelo chão perto das caixas de correio do meu prédio e depositá-los no local próprio?

A cidadania, o seu exercício equilibrado de direitos e deveres tem a ver com o dia-a-dia, é simples, não tem que ser adiada.

Provavelmente acabaram de lhe ocorrer mais duas ou três coisas ligadas ao exercício da cidadania a que tem direito e que pode e deve praticar (assim como todos os outros podem, mas comecemos por nós) e que tornam a nossa vida mais segura, mais livre, mais responsável.

E não, não é preciso ser o Super-Homem, ter superpoderes, nem viver no “Paraíso”.

 

Jorge Saraiva (articulista convidado)


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23.11.12

 

Anda intrigado com tanta cidadania. Há muito tempo que ela se atravessa no seu caminho, mas ultimamente tem sido demais. Por onde passa, de uma maneira ou de outra, acaba por se encontrar com a tal, cidadania. Irrita-o, tanta cidadania. E, se ao menos soubesse o que a palavra significa!... Sabe lá! Até podem estar a insultá-lo!...

Nos muros, no meio de papéis velhos e rasgados, com fotografias de artistas a anunciar um espetáculo, ela lá está: “Projeto Social – Ação Cidadania”. Nas paredes de uma casa em ruínas, tendo por fundo aquilo que lhe parece ser um mapa com muitos países, lá está de novo: “Cidadania Europeia”. O papel que apanhou do chão mandava: “Educar Para a Cidadania”. A caixinha que puseram no jardim em frente ao seu abrigo, com sacos plásticos e com a fotografia de um cão, tem escrito: “Cidadania Ambiental”. A caixa de cartão onde dorme tem o desenho de uma árvore e escrito: “Cidadania no Campo”. Bem, se ela foi para o campo talvez agora deixe de se cruzar tantas vezes com a tal de cidadania.

Absorto nos seus pensamentos, não repara no poste e bate com a cabeça mesmo em cima do “Aviso aos Cidadãos”. Um transeunte que passava não conteve a observação:

- Então o cidadão não viu o poste? Olhe que ele já estava aí …

- Ó amigo, olhe que eu não sou cidadão, o meu nome é João!

 

Cidália Carvalho


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20.11.12

 

Durante muito tempo me impressionei com a falta de cidadania das pessoas. Pareciam não perceber que viviam em uma cidade, em um país e tinham seus direitos, assim como seus deveres. Mesmo assim ignoravam as regras, burlavam o sistema, davam risada da lei.

Pelo menos aqui no Brasil a ideia de cidadania é bem distante. Pessoas depredam o património público como se não fossem pagar por isso depois, fazem pouco caso da corrupção na política e não se mexem para mudar os políticos, assim como se eles governassem uma cidade e as pessoas vivessem em outra.

Com o tempo percebi algumas coisas da alma humana. Muitos abandonam seus deveres e esquecem seus direitos, mas é porque já fizeram isso com sua pessoa.

Cansados de muitas coisas, muita gente se limita a viver, a cumprir o mínimo e não pensar em nada.

Aqui em Brasil o povo vive enforcado com os impostos, temos um dos piores sistemas de transporte público e as pessoas moram longe de seus trabalhos. Saem cedo, perdem horas em um trânsito maluco, ganham pouco e o Estado vive ausente, não comparece com boas escolas ou hospitais. É mesmo complicado pedir às pessoas que cheguem em casa depois de horas de trabalho e apertadas nos ônibus e saiam às ruas para reclamar da corrupção e desvio de verbas.

Mal temos tempo para nós, como então ter para um Estado distante e que nos ignora? Tantas coisas fomos obrigados a abandonar no meio do caminho, tantas coisas adiamos por preguiça ou má vontade, como então sair a protestar?
Não é que não exista cidadania, é que muitos andam exaustos, tentando calar sua alma, tranquilizar um pouco o coração e não sobra o tempo que se necessita para as mudanças.

E assim se empurra a vida, o Estado se aproveita, porque continua recebendo seus impostos e nada de reclamações, as pessoas tentam viver da melhor maneira possível, mesmo que isso seja muitas vezes uma vida difícil e lenta.

Antes de pensar na cidadania é importante pensar em quem somos, assim saberemos então que somos além de uma alma, um cidadão, que deve ter noção de seus deveres e seus direitos.

Não se vive em uma cidade à base de deveres, temos nossos direitos, apesar do Estado fazer de tudo para evitar cumprir sua parte, mas devemos exigir, porque não estão nos fazendo nenhum favor.

É tenso pensar que às vezes é tão difícil sair da cama, empurrar a alma para mais um dia e além de tudo temos que lutar pelos nossos direitos, mas o que podemos fazer? Ninguém fará isso por nós, está em nossas mãos mudar a nossa vida para melhor, parece cansativo e é, mas não temos outra saída além de lutar pelo que é nosso.

 

Iara De Dupont (articulista convidada)


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16.11.12

 

“Cidadania (do latim, civitas, “cidade”) é o conjunto de direitos e deveres ao qual um indivíduo está sujeito em relação à sociedade em que vive.”

Tive que transcrever este excerto da wikipédia para delinear uma reflexão lógica sobre este conceito.

Esta minha dificuldade em escrever sobre cidadania prende-se com a confusão em que se encontra a nossa sociedade. Confusão onde? Para onde quer que olhe...

Nos avós que dizem “Agora têm sorte, no meu tempo não era assim”. E nos pais que dizem “Isto agora não é nada. Bons velhos tempos tive eu”. E nos mais novos que não sabem o que dizer, pois não imaginam isto de outra forma.

Sabemos quais são os nossos direitos? Seria bom parar para pensar quais são, pois há quem pense que os tem todos e mais alguns, até mesmo alguns nada éticos. E há quem se limite a concordar com o que lhe mandam, não conseguindo ou achando necessário fazer valer os seus direitos que, se calhar, até desconhecem.

Deveres? O quê? Temos deveres de cidadania? Como alguém dizia na televisão “E esta, hem!” E eu a pensar que era só preciso viver, sem pensar em mais nada para além do dinheiro que ganho para pagar as contas que quero.

Estou a ser injusta? Se há alguém que assim pensa é sinal que consegue fazer valer o direito de informação, ao aceder e ler este texto, e o dever de participação e reflexão, ao ter um pensamento reflexivo sobre estas palavras. É disso que precisamos, pessoas com opinião e capacidade de reflexão.

Mas o conceito de cidadania torna-se ainda mais confuso quando evidenciamos a importância e ligação que tem com a política do país. Isto deveria ser em qualquer país. E no nosso até vai sendo, muito embora haja muitas vozes a dizer o mesmo de formas diferentes, com porta-vozes diferentes, em alturas diferentes e em resposta a diferentes situações. É a isto que eu chamo uma verdadeira confusão que me deixa bloqueada quando penso no conceito de cidadania.

De momento, penso que a melhor maneira de continuarmos a exercer a cidadania é agindo localmente, dentro da nossa casa, da nossa freguesia, das nossas redes de contactos. Refletindo e opinando com respeito ao tempo de reflexão e à opinião do Outro.

 

Sónia Abrantes

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13.11.12

A infância é o período da vida em que mais sonhamos. É pelo menos aquele em que deixamos os sonhos fluírem naturalmente. Por isso, quando me falam em sonhos, irremediavelmente regresso à minha infância, a fase da vida em que mais sonhei.

Os sonhos foram uma constante da minha existência, estiveram sempre lá.

Todas as noites, ao deitar, a minha mãe ia dar-me um beijo e dizia “Dorme bem! Sonhos cor-de-rosa!”.

Numa noite murmurei por entre os lençóis: “Eu não sonho só de noite… e também sonho sem estar a dormir… e a mãe, como é que sonha?”.

Apreensiva, ela advertiu-me para o perigo que era sonhar acordado, pois poderia levar-nos a fazer muitos disparates…

Sem ter entendido a sua resposta, perguntei-lhe ainda de que cor eram os sonhos, se eram mesmo cor-de-rosa porque os meus não eram assim.

“Querida, os sonhos não têm cor porque vêm de noite, retirados das nossas entranhas que são sombrias…”

Mas eu sabia que nada disso era verdade, porque mesmo a dormir os meus sonhos eram coloridos.

Sabia também, por causa da minha avó, que sonhar era bom, porque Deus sonhava e Deus era bom. Era crença da minha avó que os sonhos de cada um poderiam mudar o mundo, tal como tinha acontecido com Adão e Eva que, segundo ela, “nasceram de um sonho por Deus sonhado”.

Os sonhos são parte da nossa existência, sendo impossível conceber uma existência sem sonhos, pois como o poeta anunciava “sempre que um homem sonha o mundo pula e avança como bola colorida entre as mãos de uma criança”.

Para muitos, os sonhos são a única esperança nos momentos de grande sofrimento.

Sonhar é o que resta ao Homem quando tiver perdido tudo.

Tudo se vai…

Os sonhos ficam…

E assumem todo o seu esplendor quando partilhados por muitos. D. Quixote sabia-o por isso terá dito em dada altura das suas aventuras que: “Quando se sonha sozinho é apenas um sonho; quando se sonha em conjunto é o início da realidade”.

Recentemente, fui à Feira da Ladra e encontrei uma velhinha que vendia roupa fora de moda e usada. Era uma tarde quente de Agosto e incomodou-me vê-la de pé, ao sol sem qualquer proteção, nem um simples chapéu. Não resisti e disse-lhe que o sol estava demasiado forte e que lhe poderia fazer mal.

Sorriu timidamente ao responder-me que tinha 89 anos e que o calor não tinha qualquer importância se comparado a tudo o que teve de suportar desde que, com apenas 9 anos, foi entregue pelos pais a uma tia, por aqueles não terem meios para a sustentar. Numa ânsia de ser ouvida, contou-me a vida miserável que teve e que culminou com a recente morte do marido que, apesar de lhe ter dado muita “pancada”, nunca faltou com o essencial: comida e medicamentos.

“Descanse em paz!”

Sem família e sem outros meios de subsistência disse-me que ia fazendo pela vida e continuando a sonhar.

Curiosa, quis saber quais eram os seus sonhos e ela confessou-me que sonhava com todos os sonhos que não viveu, pois essa era a única forma que encontrara para se manter viva. “Sabe, se não sonhasse já tinha morrido… a minha vida foi e é demasiado sofrida e vazia…”

Olhei para o chão onde jaziam algumas peças de roupa impecavelmente dobradas e peguei numa saia de algodão, com flores pequeninas e muito coloridas. “Levo esta! Penso que me serve, o que acha?”

Pegou na saia, desdobrou-a, olhou-a de perto e voltou a dobrá-la, metendo-a dentro de um saco de plástico que me passou para as mãos. Paguei e desejei-lhe boas vendas.

“A menina hoje comprou-me essa saia… foram os primeiros 3 euros do dia e metade do dia já passou… mas mesmo que não venda mais nada, já tenho dinheiro para comer qualquer coisinha logo à noite… a menina ajudou-me a sonhar mais um pouco!”

 

 “Há quem diga que todas as noites são de sonhos. Mas há também quem garanta que nem todas, só as de Verão. No fundo, isto não tem muita importância. O que interessa mesmo não é a noite em si, são os sonhos. Sonhos que o homem sonha sempre, em todos os lugares, em todas as épocas do ano, dormindo ou acordado.” (William Shakespeare)

 

Cristina Vieira (articulista convidada)


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9.11.12

 

 “Que há para além do sonhar?

Céu baixo, grosso, cinzento e uma luz vaga pelo ar

chama-me ao gosto de estar reduzido ao fermento

do que em mim a levedar é este estranho tormento

de me estar tudo a contento, em todo o meu pensamento

ser pensar a dormitar.

Mas o que há para lá do sonhar?”

Vergílio Ferreira, in “Contra-Corrente”.

 

Para lá do sonhar, nada… Ou melhor, a realidade, nua e crua… dura…

A realidade que nunca é como o sonho, é sempre mais dolorosa, é sempre mais negra, e é sempre mais difícil…

Mas cabe ao sonho levar-nos a objetivos, a metas e resoluções esperadas, suadas e lutadas.

Cabe ao sonho dar-nos o cor-de-rosa para nos aliviar do que nos faz aprender e crescer… Para lá do sonhar é mesmo isso: viver, aprender, crescer…

O sonho passa a ser o fermento dos projetos da vida…

 

Ana Lua


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7.11.12

 

No sábado, 24 de novembro de 2012, no Auditório Carvalho Guerra da Católica Porto, realizar-se-á o simpósio Emprego e Desemprego / Impacto na Saúde Mental. Veja o Programa. Faça a sua Inscrição.

 

Mil Razões… / Simpósios


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6.11.12

 

- O que tenho quando já nada tenho? O que resta quando já nada resta? O que posso quando já nada posso?

E dito isto, em voz baixa, deixou-se escorregar encostado à parede fria até sentir o chão, e sentou-se na terra. O olhar continuou estendido até à torre da guarda que brilhava lá longe e alta, sobranceira. Cruzou os braços sobre os joelhos fletidos e sobre eles pousou a cabeça. Ficou imóvel, respirava lentamente, com a serenidade de quem é senhor da sua certeza. E pensou:

- O que podem tirar mais? Nada mais podem tirar! Nada mais há para tirar! Prenderam, humilharam, insultaram, cuspiram, fustigaram, feriram, maltrataram, torturaram. Injustiçaram, falsearam, mentiram, esconderam, expulsaram, extraditaram, expuseram, roubaram, destruíram. Enganaram e condicionaram. Mas aos meus sonhos, nunca, nunca, conseguirão chegar. Eu sou os meus sonhos, no que sou de mais livre, resistente, temerário e heroico. Os meus sonhos são o meu espírito, as minhas emoções, o meu refúgio, a minha motivação e a minha força, o meu querer e o me poder. São o meu grito de revolta, a expressão intacta da minha dignidade. Sobrevivo graças aos sonhos e vivo por eles.

Continuou imóvel, sentado com a cabeça pousada sobre os braços, a sonhar, a ser Homem.

 

Fernando Couto

Foto: Campo Auschwitz I


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2.11.12

 

O sonho parte de uma presunção, ainda que desenquadrada, daquilo que se pretende que seja o futuro. Exige a definição de objetivos, que são o seu suporte, e uma estratégia que indica o meio para se atingir tal estado. Os objetivos devem ser SMART, salientando-se atributos tais como alcançáveis, mensuráveis (quantificáveis), realísticos e estimuladores.

Todo o ser humano tem sonho ou sonhos, esse é o ponto de partida. A dormir ou acordado, de dia ou de noite, com maior ou menor conforto, nesses sonhos visualiza-se a chave dos problemas, preocupações e desafios com que nos debatemos no quotidiano. Para imortalizar os sonhos deve-se, naquele instante, registar tais factos preferencialmente por escrito, para posterior amadurecimento e alinhamento à situação real.

O sonho é mais parecido a desejo do que a necessidade, pois ele encontra-se num patamar acima de uma simples necessidade fisiológica. O sonho espelha, assim, a forma como gostaríamos de concretizar as nossas metas ou maiores desejos.

Será que o sonho se trespassa? Não! Porque ele possui uma elevada dose de energia emocional e de originalidade, portanto, os sonhos de duas ou mais pessoas podem cruzar-se mas dificilmente aleitam-se sobre a mesma direção retilínea ou curvilínea. E diga-se, quanto maior o número de pessoas sonhadoras mais complexa será a harmonização ou idealização de um sonho coletivo.

Como, então, é que sonhos dísteros e até ambíguos podem coexistir sem colidir? Pela necessita de aceitação das diferenças humanas, liberdades de direitos fundamentais e intrínsecos à natureza humana, os sonhos podem enxertar-se sem desperdiçarem a sua raíz. Imbuídos pelo espírito da tolerância, grupos de pessoas podem edificar uma teia de sonhos não conflituantes, mas sim complementares e até suplementares - princípio da concórdia.

O sonho deriva de um contexto hegemónico intra e externo a cada ser, carregando em si diferentes facetas heterogéneas. A nível micro assemelha-se a uma célula, e no sentido macro a um tecido. Podemos assumir determinado sonho mais proeminente que o outro sob o ponto de vista de impacto ou resultado imediato com maior ou menos objetividade, porém um sonho relegado não torna-se necessariamente inválido.

Os sonhos modificam-se com o andar do tempo tal como ocorre com a ortografia, um dos traços da personalidade. Querendo sistematizar uma possível hierarquia de sonhos sequenciados através de um mecanismo de seleção natural similar a um filtro, resultaria no topo - primeiro nível - o sonho potencial, seguido do sonho provável, no terceiro nível o sonho real a antecer o resultado, em último nível, que por sua vez retroalimenta o sonho potencial.

Por fim os sonhos sustentam-se pela esperança, sacríficio e fé. A desistência de determinado sonho é prova inequívoca de que tratava-se, antes, de um objetivo intermédio (meio) e não propriamente um fim desejado.

 

António Sendi (articulista convidado)


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