28.12.12

 

Sou cidadão. Sou cidadão deste país. Sou assim como que um cidadão promovido, promovido na sua condição, da cidade ao país – um cidadão acrescido. Sou cidadão de cartão passado, num país que tem uma Constituição e que tem leis, as quais, em letra de forma, preto no branco, definem os meus direitos e os meus deveres. Tudo muito correto, tudo muito legal.

Na minha vida procurei sempre manter-me informado e consciente. Procurei sempre participar na sociedade em que nasci e que me envolvia. Sempre vivi do meu trabalho honesto. Procurei sempre cumprir todas as minhas obrigações pessoais, sociais, políticas, fiscais, e ir mesmo um pouco mais além. Sabia que este mundo está bem longe de ser perfeito e acreditava que é possível aperfeiçoá-lo todos os dias – eu esforcei-me por isso!

Um dia chegou uma crise. Chegou de mansinho e instalou-se. E ficou, como quem está bem instalado, confortável, e não quer sair. E veio um Governo novo, porque o anterior tem sempre um qualquer defeito e o novo é sempre quase-perfeito.

E eu, cidadão de cartão passado, fui acusado de tudo o que não suspeitava nem nos momentos de maior lucidez, criatividade ou imaginação: Eu vivia acima das minhas possibilidades e recebia pelo meu trabalho honesto mais do que era merecido – com que truques terei conseguido tal coisa? O adequado parecia agora ser alegrar-me, por haver uma empresa que me dava trabalho, que me ocupava para eu não morrer de desocupação e tédio, não havendo necessidade de receber mais nada em troca. E todos os que me rodeavam eram tal como eu, farinha do mesmo saco, oportunistas, exploradores e indignos, a receber aquilo para o que nunca trabalharam, para o que não tinham merecimento, a que não tinham direito.

E rapidamente o Governo fez justiça, retirando o que eu, e nós, tínhamos em excesso, recolocando-nos na nossa essência parca de sobrevivência. E mais, pedagogicamente indicou o caminho a todos nós, prevaricadores e abusadores, para que de uma vez por todas aprendêssemos a viver em sociedade, aprendêssemos a ser cidadãos modernos e europeus: mudar de país – emigrar! E foi o que fiz. Como bom cidadão que queria ser, e humildemente, emigrei.

Hoje, dez anos depois, reconheço que a lição me fez bem. Vivo agora bem, com a minha família, num país que não é aquele em que nasci e no qual mostrei não merecer viver. Felizmente aquele Governo corrigiu-me, mostrou-me o caminho e deu-me uma segunda oportunidade.

Confesso que me desliguei do meu país, por vergonha dos meus erros. Ouço uma ou outra coisa, de longe em longe e, certamente por estar afastado, há coisas que não entendo. Porque está o país, há alguns anos, em instabilidade e tumultos permanentes? Onde estão os governantes que tão sabiamente indicaram o caminho, a mim, a nós, ao povo?

 

Fernando Couto


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25.12.12

 

Vivo numa cidade, inserida num país…

Supostamente, pertenço a uma sociedade… supostamente não!… Pertenço sim a uma sociedade!

Pertenço mas não me identifico… Pertenço mas ninguém me diz nada… Pertenço mas considero-me perdido todos os dias…

A solidão também pertence a esta sociedade que, de sociedade propriamente dita, não tem nada… SOCIEDADE implicaria comunicação, implicaria convivência, estar, socializar…

Numa cama em uma casa, sozinho, aguardo a chegada de alguém que aparece por dois minutos para me trazer a comida do dia…

“Bom dia, como está? Que dia é hoje?” – e mais uma vez fico entregue a mim mesmo… aos meus pensamentos e à minha cama…

Peso na sociedade, isso sim eu sou…

E cidadania? Onde? Onde está essa senhora que me abandonou à minha sorte, à minha solidão?

 

Ana Lua

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21.12.12

 

O conceito de cidadania assenta no sentido de identidade e num sentimento de pertença a uma comunidade, e foi evoluindo conforme evoluiu o conceito da dignidade da pessoa humana (uma evolução que teve início na Grécia Antiga e que culminou com a Declaração Universal dos Direitos do Homem).

Atualmente, o mundo é uma “aldeia global”, não fazendo, por isso, sentido definir a cidadania em função de uma comunidade restrita, quer seja uma cultura, uma religião ou um país.

A forma como as comunidades se foram organizando, quer por força da globalização e do derrube de fronteiras (físicas, mentais, etc.), quer devido ao surgimento da sociedade de informação, deu origem ao aparecimento de sociedades mais abertas, multiétnicas e multiculturais, o que obrigou ao repensar de toda a estrutura sócio-política.

Nos últimos tempos, surgiram também, e em número significativo, organizações e movimentos cívicos que se têm dedicado à discussão de questões intimamente ligadas ao conceito de cidadania, como os direitos humanos, questões ecológicas e ambientais, globalização, etc., utilizando para isso, os meios de comunicação social e a Internet, com especial relevo para as redes sociais.

Do sentimento de pertença a uma comunidade específica e restrita, evoluiu-se para um conceito muito mais amplo, sendo agora a cidadania a expressão dos direitos e deveres de vinculação e de integração dos indivíduos na chamada “comunidade de seres racionais”, ou seja a Humanidade.

A importância deste processo é que o conceito de cidadania passou a dizer respeito à Humanidade, envolvendo todos nós enquanto pessoas, tornando-nos cidadãos do Mundo.

Num tempo em que o mundo vive dias de grande incerteza é urgente repensar todas estas questões de cidadania, na medida em que delas depende o futuro de todos.

Fala-se de crise económica, financeira, social, política…

Fala-se menos em crise de valores e esta é, quanto a mim, a mais preocupante, pois sendo suporte de todas as outras áreas, pressupõe uma mudança de mentalidades, processo normalmente longo e nem sempre pacífico.

Intimamente ligada a esta crise de valores persiste também uma crise de cidadania, uma vez que o exercício desta assenta em valores e virtudes universalmente reconhecidos e aceites, como a justiça, a liberdade, a igualdade, entre outros.

Tem-se defendido a necessidade de que algo tem de ser feito para contrariar esta crise de cidadania, apelando alguns para um maior investimento na educação para a cidadania, especialmente entre os mais jovens.

Sendo certo que os mais novos aprendem pelo que veem fazer os mais velhos, talvez seja verdade que nesta área os exemplos dos mais velhos não estejam a ser suficientes ou, nalguns casos, sejam mesmo negativos.

Vários projetos têm vindo a ser fomentados nesta área, sendo disso exemplo o “Educar para a Cidadania”, desenvolvido pelo Banco Alimentar e dirigido a crianças e jovens, e no qual tive o privilégio de participar como voluntária.

O projeto desenvolve-se através de ações e promoção de iniciativas em infantários, escolas do ensino básico e secundário e em universidades, tendo como objectivo reforçar a “componente cidadania”.

Numa sessão inserida neste projeto, realizada com uma turma do 3º ano, foi colocado para discussão o conceito de cidadania, de forma a avaliar os conhecimentos que as crianças tinham sobre o assunto.

Nunca me esquecerei da resposta de um dos meninos, ruivo e muito sardento, que, após alguns instantes de hesitação, respondeu pleno de convicção: “O que é a cidadania? Cidadania é uma ilha!”

A sua resposta foi objecto de risota entre os colegas e irritou o professor que entendeu a resposta como uma brincadeira provocatória de um aluno que se queria fazer de “engraçadinho”.

É muito provável que o professor estivesse certo, mas a resposta da criança fez sentido para mim, já que uma ilha é normalmente associada a um local paradisíaco, encantado, um local onde todos vivem em paz e são felizes…

Ao procurar uma definição para este conceito, encontrei a de Jorge Sampaio que me faz acreditar que, se todos seguirmos por este caminho, talvez um dia possamos dizer como aquela criança que “Cidadania é uma ilha…”

“A cidadania é responsabilidade perante nós e perante os outros, consciência de deveres e de direitos, impulso para a solidariedade e para a participação, é sentido de comunidade e de partilha, é insatisfação perante o que é injusto ou o que está mal, é vontade de aperfeiçoar, de servir, é espírito de inovação, de audácia, de risco, é pensamento que age e ação que se pensa.” (Jorge Sampaio)

 

Cristina Vieira (articulista convidada)


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18.12.12

 

No Jornal de Notícias de 16 de dezembro de 2012 lê-se: “Governo quer agravar as sanções para lares clandestinos”. Esta notícia aparece no seguimento do fecho de duas instituições "por perigo iminente para os direitos dos idosos e para a sua qualidade de vida, suscetíveis de colocar em risco a sua integridade física e psíquica".

Fechar ou sancionar parece ser mais fácil do que abrir novas ou promover e incentivar para que haja melhores condições nessas mesmas instituições.

Parece ser que, como todos nós já sabemos, há imensos lares clandestinos a tratarem de forma desumana o Ser Humano. Também há lares oficiais, estatais, e também lares legais, privados, a fazê-lo, assim como grandes hospitais.

Pessoalmente, tenho de dizer que é algo que me perturba de sobremaneira. Altas mensalidades não são garante de absolutamente nada. Longos anos de trabalho, de vida, de dar, que acabam de forma tão inaceitável, não são garante de nada!

Idealmente os nossos direitos de cidadão deviam incluir uma velhice com dignidade, com amor da família e todos os cuidados médicos necessários e bens e cuidados essenciais.

Saad (1990) refere que "a pessoa é considerada idosa perante a sociedade a partir do momento em que termina a sua atividade económica" e acrescenta também que "o indivíduo passa a ser visto como idoso quando começa a depender de terceiros para o cumprimento de suas necessidades básicas ou tarefas rotineiras".

Descontamos quarenta anos para depois termos de pagar a uma instituição qualquer para nos tratar mal. Fragilizados, doentes, dependentes, deprimidos, senis, temos que nos sujeitar a este nosso estado social cada vez menos social.

Reformas miseráveis, rabo molhado e insultos, parecem ser o destino trágico que nos aguarda. Aproveitemos cada fôlego, cada momento, porque não auguro bom final.

Que se dane a cidadania! O velho de 80 anos é, claramente, menos cidadão que um homem de 40 no auge da carreira.

 

Ana Teixeira


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14.12.12

 

Olá a todos. Sou o cidadão 10768*** desta República Portuguesa. Apenas o pudor de não querer partilhar, no domínio público, o meu número na íntegra, vos impede de saber quem eu sou. Mas será mesmo assim?

Evidentemente que existem dados pessoais que são públicos. Contudo, através destes e de alguma arte / engenho / conhecimentos, pode aceder-se a outros que não serão assim tão públicos, contributo da era da fácil informação. Apesar de tal, não é minha pretensão incidir o foco deste texto acerca dos eventuais benefícios ou malefícios desta promiscuidade informativa, de direitos ou de deveres, de confidencialidade, sigilo, vendas e trocas. Gosto de remeter essas questões para o âmbito do Direito e de pessoas com propriedade de discussão, profissionalmente lucida e informada. A mim, cidadão 10768***, diz-me mais olhar para a individualidade da cidadania.

Aos olhos do Estado cada um de nós é um número. Aos olhos dos concidadãos que trabalham no Governo, cada um de nós é um número. Se alguém, com acesso a uma base de dados, pesquisar pelo cidadão 10768***, vai com certeza encontrar variadíssimos (e espero, interessantíssimos) dados sobre mim. Contudo, fazendo a junção do que eventualmente encontrar, tal nunca chegará para compreender minimamente a essência do que me constitui enquanto individualidade.

Ora aqui se encontra, na minha opinião, o maior paradoxo do conceito de cidadania. Com ela (cidadania) pretende-se estabelecer vínculos, principalmente de direito e dever, mas também de norma, conduta, ética, moral, cultura e porque não, de “normalidade”, entre pessoas que são... pessoas! E todas as pessoas sabem que cada pessoa é diferente da outra pessoa... Logo, apesar de ser possível regulamentar quase tudo que ocorra ao legislador (aprovar já é outro capitulo) em respeito da cidadania, nunca será possível “domar” a condição humana da singularidade pensante-executante da vivência socializante. Até rimou...

Particularmente falando, ganha então assim evidência uma entidade que divide este palco republicano com todos vocês. Ao melhor estilo da fusão Dragonball, o cidadão 10768*** mesclou-se com Rui Duarte, originando uma pessoa-cidadão que é igual a todos, mas diferente de todos. E isso, no meu entender, é muito salutar.

Deixo-vos, para finalizar, uma questão. À laia da pergunta acerca do ovo e da galinha, quem é que vocês acham que “nasceu” primeiro? A pessoa ou o cidadão?

 

Rui Duarte


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11.12.12

 

No exercício da cidadania cometem-se, todos os dias no mundo, verdadeiras atrocidades. Todos clamam os seus direitos, ninguém proclama os seus deveres. Gostava muito de enaltecer as vantagens de uma cidadania exercida em pleno mas é difícil concentrar-me nessa tarefa quando o vizinho escarra para o chão, na porta da entrada e ainda se indigna porque lhe digo “bom dia”. Momentos tão singelos quanto este acontecem aos magotes, toda a santa jornada. Quase aposto que, se cada um de nós tentar visualizar o seu dia de hoje, não faltarão exemplos que, infelizmente, corroborem esta teoria. Partilho alguns dos meus.

 

Há tempos, depois de uma corrida alucinante para apanhar o autocarro, chego no segundo exato para lhe fazer paragem. Nem queria crer. Ao subir o primeiro degrau, deparo-me com uma senhora com bastante idade, debilitada, com uma canadiana e dois sacos pesadíssimos. De imediato, tirei-lhe os sacos, coloquei-os no passeio e de seguida, auxiliei a senhora a descer do autocarro. O motorista fechou a porta e arrancou. E eu fiquei ali no passeio, com cara de parva. Nem “piu” tive tempo de dizer. Abençoado…

 

Em contexto de trabalho, numa escola que mais parece um anúncio da Benetton, com lindas crianças de todas as partes do globo, uma criança com 4 anos exclama: “a minha mãe disse que eu não posso brincar com pretos nem com deficientes”. Tal e qual. Que direito tem aquela senhora de corromper o seu filho, vetando-o ao direito de crescer isento de preconceito e mediocridade? Porque não há uma pena para estes pais?

 

A atravessar uma passadeira, aprecio uma jovem mãe, a empurrar o carinho de um bebé e uma pequena menina, não teria mais que 3 anos, a atravessar também a passadeira, alguns metros atrás da mãe. A dita senhora foi incapaz de andar ao seu lado, de lhe dar a mão ou de sequer olhar para trás mas vociferou, com uma vontade louca, uma quantidade triste de impropérios irrepetíveis. Se eu fosse aquela menina e tivesse um encontro imediato de primeiríssimo grau com uma viatura, ia fazer figas para ficar de vez estendida. Tudo, qualquer coisa, seria melhor do que o castigo da mãe (leia-se “oh filha da p#$&, se te passa um carro por cima, ainda te f%$# os cornos, oubistes benhe? Anda lá, mexe esse cagueiro… estás-me a probocar. É isso que queres… não mexas o cu, não, que te rebento”. Que pérola.

 

A Maria casou com o Zé há 32 anos. Toda a vida levou porrada. A mãe, por sua vez, já vivia esta situação com o pai da Maria. A Maria sofre em silêncio porque “é suposto que assim seja”, porque “entre marido e mulher não se mete nem uma colher de sobremesa”, porque se o Zé lhe bate “é porque merece”. A história da Maria e do Zé podia ser a história de milhares de outros seres humanos. E não é privilégio feminino. Também os homens são vítimas de violência doméstica e, por uma cultura de formatação numa sociedade ainda machista e redutora, não se queixam. Têm vergonha.

 

O Alfredo mandou matar os pais pela ganância das suas poupanças. Nunca mais morriam e o Alfredo tinha pressa e planos, não queria esperar mais. Pôr fim à vida dos dois seres que o geraram e protegeram toda a sua vil existência, custou-lhe cem euros. Uau…. As poupanças, não as gozou. Está de licença prolongada num spa prisional.

 

Não vejo telejornais para não me dar à depressiva anestesia em que vive quase toda a gente. Gosto da informação informativa, não da que explora a desgraça alheia, as lágrimas, as dores de quem deseja carpir em silêncio. Leio os jornais, consulto a Internet e apesar de todos os pesares, não perco a fé na raça humana. Não perco a esperança. Há pessoas que exercem a cidadania com muito mérito e empenho. Ainda assim, quando deixaremos de ler notícias em que uma criança de 15 anos é morta porque se recusa a casar com um primo? Quando é que os pais serão obrigados a respeitar os filhos e os filhos saberão crescer com o máximo de respeito pela vida alheia, pela vida dos pais e de todos os que consigo caminham? Quando é que a cidadania será realmente efetiva, coesa, transcendente, universal?

 

Alexandra Vaz

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7.12.12

 

Apressa o passo na calçada. Debaixo da chuva, molham-se as pedras e quem as calca. Rosto fechado de quem vai contra o mundo. Na paragem, Dona Alice espera impaciente o autocarro que já se prevê cheio, a arrebentar pelas costuras, num dia de greve. Mal o avista começa a ajeitar-se para não ficar à espera do próximo, que pode não chegar a vir. Devagar empurra quem ali já desesperava debaixo da chuvada.

O autocarro cumpre a missão de parar para deixar sair alguns, que se arrastam naquele emaranhado de gente. Vidros embaciados provam a lotação daquele espaço público. Os rostos enfadados de todos que, para além do dia-a-dia da lata de conserva que os recolhe, têm de levar com o ar respirado, os guarda-chuvas molhados, as rabugices que um dia chuvoso traz às almas das gentes.

Dona Alice esgueira-se por entre uma fila mal organizada que se precipita em direção à porta da frente, como se fosse o último dia das suas vidas. Encontrões, apertões, palavrões. Tudo vale na hora da partida. Mal o motorista abre as portas traseiras uns passageiros aventuram-se para não ficarem debaixo da chuva que teima em continuar. Dona Alice consegue entrar, deixando para trás algumas pessoas que respeitosamente cumpriam o seu lugar na fila. Ao invés, os passageiros da frente fincam pé junto à entrada, não avançando em direção às traseiras, suposto percurso natural. Impacientes, cá fora ouvem-se os gritos de alguns:

- Não há direito! Deixem entrar! Também queremos ir trabalhar!

Lá dentro alguns desviam o olhar, outros arqueiam as sobrancelhas. No seu lugar cativo, o motorista assiste à cena, calado. De repente, sabendo o tempo a dispensar em cada paragem para terminar o percurso no horário estipulado, ameaça fechar a porta. Lá fora o reboliço aumenta. Mais empurrões!

Dona Alice esmaga-se contra os passageiros da frente, a porta fecha-se atrás de si. À chuva ficam indignados aqueles a quem Dona Alice passou à frente. Entre dentes Dona Alice vai resmungando:

- Já não há respeito nenhum! Paga a gente o passe e ainda tem de aturar isto! E no final é só greves e gente mal-educada! Sinceramente, uma pessoa não merece isto!

E assim segue viagem o autocarro apinhado de cidadãos, em mais um dia de direitos, de cidadania ou a constante falta desta, por esta e outras andanças.

 

Cecília Pinto

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4.12.12

 

As sociedades são sistemas dinâmicos que evoluem ao longo do tempo, os seus grupos sociais modificam-se e adequam-se consoante o nível de desenvolvimento económico, cultural, tecnológico e ambiental. No seu epicentro tem a pessoa, ou cidadão, que é a célula elementar e diferenciadora dos grupos sociais. A sua atuação manifesta através da cidadania transforma, por sua vez, os elementos sistémicos e não humanos, constituindo estas as variáveis manipuláveis pelo cidadão.

A cidadania é assim toda a ação, prestada de forma direta ou indireta, consentida pelo cidadão no gozo dos seus direitos e deveres - através dos instrumentos de emancipação, que visam a manutenção de um equilíbrio social e sustentável favorável. A sua vigência é voluntária e favorece intrinsicamente a toda sociedade de que o próprio cidadão faz parte.

Um melhor desempenho da sociedade em geral depende da forma como os cidadãos podem manipular favoravelmente os instrumentos de emancipação, cientes do seu impacto, conjugados com os indíces de evolução das respetivas sociedades. O cumprimento da obrigação fiscal, eleitoral, etc., depende da consciência de cada indivíduo e da contrapartida que estes esperam beneficiar em forma de usufruto de direitos e da qualidade expetada dos serviços públicos.

Sempre que o equilíbrio entre estas duas perspetivas não ocorre, em resultado de uma inadequada compensação das contrapartes, pode ocasionar alguns desvios que nem sempre favorecem os mecanismos e padrões de crescimento das sociedades. O êxodo ou afluxo de dinâmicas negativas gera desordenamento na composição e arrumação das cidades, que é o local (espaço físico) onde se fixam e concentram os cidadãos. Ao nível do desenvolvimento dos locais de concentração humana, fenómenos como a ruralização das cidades ou a urbanização dos campos erguem-se em resultado desta ambiguidade.

A abordagem cultural tornou-se transnacional com o advento da globalização, trata-se pois de um aspeto premente na conceção e definição de perfis profissionais atinentes a necessidade de adaptação do indivíduo a um ambiente multi-cultural. Para catalizar esse atributo, um cidadão globalizado deve desenvolver competências transversais, designadas soft skills, como atributo essencial para o desenvolvimento de competências pessoais assaz para o exercício de cidadania no seu contexto ou ambiente específico.

Um dos grandes alcances da cidadania é o de promover a mudança como presságio ao almejado desenvolvimento humano que se consubstancia em transformação social profunda e integrada que nalguns casos reformam os pactos sociais vigentes de há gerações passadas, no entanto, estas transições cíclicas devem ocorrer de forma inclusiva e pacífica com intervenção das forças vivas da sociedade e salvaguardando o interesse das três gerações em transição.

Como tal as gerações devem cooperar de forma competitiva - cooptição, gerando sinergias que validam e alimentam de forma consensual o processo de construção de uma sociedade civil forte e comprometida com o bem-estar de todos, plasmado nos planos macro-estratégicos de desenvolvimento do país, sem comprometer as liberdades, direitos e obrigações fundamentais dos cidadãos.

O respeito e valorização da cultura nacional e dos nossos valores, abre espaço ao diálogo entre as várias gerações, alicerçando bases para uma maior proximidade e enlance entre as diferentes pessoas. Este princípio alavanca fundamentalmente a capitalização das semelhanças e diluição das diferenças entre as pessoas, evitando-se assim a auto-desresponsabilização, que chega até a ser crónica, como uma das maiores inconsistências da cidadania.

 

António Sendi (articulista convidado)


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