29.3.13

 

Nessa manhã António chegou cedo à empresa. Sempre chegou cedo e sempre saiu tarde, mas nesse dia chegou ainda mais cedo. Teria uma reunião importante pelo meio da manhã, com um cliente, para fechar negócio após já mais de um ano de propostas e reformulações, de avanços e de recuos. Chegou ainda mais cedo nessa manhã para fazer uma última revisão da solução proposta, dos preços e das condições, antes da reunião decisiva. Queria estar muito bem preparado, seguro, para um fecho que sabia seria renhido, difícil. Sentia o stress e isso estimulava-o, dava-lhe prazer. Gostava de ir à luta e de vencer, adorava sentir-se um vencedor e que o reconhecessem como tal. Sentia que nessa manhã voltaria a experimentar esse sentimento e a antecipação inundava-o de satisfação.

Mas, subitamente, o coração de António sobressaltou-se, quebrou a rotina de mais de 44 anos e, como uma criança que aprende a andar de bicicleta, baralhou os movimentos e alterou o ritmo. E com esse sobressalto todo o corpo de António caiu, bem no meio do escritório. Quando o Joaquim, seu colega e admirador durante os últimos 10 anos, se abeirou assustado, estava António inerte.

 

Na ambulância, a caminho do hospital, António viu-se do lado de fora do seu corpo. Não ouvia o rolar da ambulância, não ouvia a sirene, não ouvia o que aqueles dois homens de fato branco e de coletes refletores diziam enquanto se multiplicavam em tarefas sobre o seu corpo deitado na maca. Não sentia dor, nem calor nem frio. Deveria sentir-se assutado, mas de algum modo, naquela estranheza, sentia-se confortável, leve, solto, tranquilo. Ouviu então uma voz e apenas essa voz, no meio de todo aquele movimento, de toda aquela pressa. A voz parecia-lhe vir de trás de si e então voltou-se. De pé, uma mulher muito bela mas que António não conseguiria descrever por mais que tentasse, chamava-o pelo nome, com um sorriso suave e doce. Os olhos de António inundaram-se de carinho e de curiosidade, acumulando e revelando todas as suas dúvidas e questões.

- Colapsaste… - disse ela. António permaneceu em silêncio. Ela continuou:

- O vencedor tombou.

António demorou a processar a informação. Acabou por perguntar:

- Estou morto?

- Sentes-te morto? – retorquiu ela. António não sabia o que responder e por isso ficou em silêncio e baixou os olhos, continuando a sentir tudo o que se passava à sua volta. Ela continuou:

- Como defines a tua vida? Como te defines a ti mesmo?

- Uma vida de luta. Sou um lutador bem-sucedido, um vencedor. – respondeu António sem hesitar.

- Como achas que serás recordado ao saíres dessa vida?

- Como um vencedor! – continuou rápido.

- A tua mulher, o teu filho e a tua filha recordar-te-ão assim, como um vencedor, quando os deixares? – detalhou ela.

- Sim, certamente que sim. – afirmou António, um pouco hesitante.

- Porque hesitas? – António ficou em silêncio, por não encontrar resposta.

- Sei que viveste feliz, António. Por seres um vencedor?

- Sim, claro que sim. Quantos homens são vencedores? – intrigou-se.

- O que faz de ti um vencedor?

- A forma como me dedico ao trabalho, o meu profissionalismo, o meu esforço para ir mais além do que me é exigido, o enorme espírito de equipa que me permite estar sempre disponível e ser o campeão da colaboração com os meus colegas, a superação dos objectivos, a minha capacidade de negociar e de fechar negócios, a forma como visto a camisola da empresa e a faço ganhar sempre. – tinha a voz inundada de orgulho.

- São quase 20 anos desse sucesso… - esperou que António concordasse e assim aconteceu.

- Sim, e orgulho-me disso, do sucesso, de ser um vencedor, reconhecido e admirado, isso sempre me encheu de alegria.

- Esse sucesso, distribuíste-o pela tua família, em benefício de todos?

António voltou a hesitar; detestava quando se sentia hesitante, sem a resposta certa a sair-lhe na voz. Ficaram em silêncio.

- Foi pela minha família que sempre trabalhei, para que nada lhes faltasse… - assim que terminou a frase, António sentiu na boca um travo forte de desculpa, sem saber bem porquê nem de quê.

- E tu, a tua presença, a tua atenção, o teu cuidado, o teu carinho, estiveram sempre lá? Esteve lá a tua disponibilidade e a tua colaboração? Trazes a camisola da tua família vestida? A tua alegria foi também a alegria deles?

Pela primeira vez António não se sentiu vencedor e sentiu-se envolvido de desagrado. Baixou os olhos, ficou em silêncio.

- Estou morto? – perguntou a si mesmo.

 

Fernando Couto


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26.3.13

 

Por coincidência ou não, a verdade é que quando me preparava para escrever sobre o tema “Vencedores”, abro ao acaso o livro “Cartas a uma Noiva”, de Maria Amália Vaz de Carvalho, uma edição de 1946, que havia comprado a um alfarrabista e, imediatamente, os meus olhos se perdem nestas palavras: “Ou as cousas nos vencem, ou são vencidas por nós.”

Sorrio…

É isso mesmo!

No nosso dia-a-dia chegam-nos de todos os lados exemplos de pessoas que, perante situações difíceis, arregaçaram as mangas, encheram-se de coragem e foram à luta!

Gente que, não se deixando vencer pela doença, pelo medo, por vícios, por crises financeiras ou outras, conseguiu dar a volta e de alguma forma escrever o seu próprio final feliz.

Estas histórias repetem-se porque servem de inspiração a todos os que atualmente sofrem, como aos que poderão, num futuro próximo, vir a estar em situação de igual fragilidade e sofrimento.

Ouço estas histórias de vencedores e questiono-me sobre aqueles de que ninguém fala, que também não se conformaram com o destino que lhes foi traçado, que também arregaçaram as mangas e foram à luta e lutaram até ao fim mas não tiveram um final feliz…

Não serão também estes uns vencedores?

Maria Amália Vaz de Carvalho no livro referido anteriormente diz: “Vencer é saber extrair, de cada situação em que nos acharmos, aquela sabedoria que ensina os que a possuem a proceder e a pensar do modo mais justo.”

Há tempos, cruzei-me com V, um moçambicano a viver em Portugal há muitos anos. Aqui trabalhou toda a vida, tendo sido dispensado, à beira dos 60 anos, porque a empresa onde trabalhava fechou.

Não tem família em Portugal e à que tem em Moçambique e lhe diz para regressar, ele responde “Um dia…”.

A mim confessa que queria muito voltar a sentir o cheiro de África, mas não tem dinheiro para a viagem e também não quer ir sem nada e ficar a depender da boa vontade da família, que está longe de imaginar como estes últimos anos têm sido difíceis.

Pelo rosto caem-lhe lágrimas que não consegue evitar, mas pressinto-lhe nas palavras alguma esperança e na forma como mexe as mãos adivinho-lhe uma enorme força de vencer.

A solidão, o desespero e a angústia para que foi atirado, juntamente com o apoio de alguns amigos, fizeram-no descobrir a pintura.

Nunca tinha pintada ou desenhado!

Nunca teve aulas de pintura!

Um dia, como que por milagre, ou talvez para espantar os males que lhe iam na alma, pegou num papel e num lápis e começou a desenhar.

E esse foi o primeiro dia do resto da sua vida.

Passou a aproveitar tudo o que fosse papel, bem como todo o material de pintura a que tinha acesso - alguns amigos eram pintores e davam-lhe restos de tintas e pincéis antigos; chegou a comprar lápis e canetas em lojas chinesas porque o dinheiro não dava para mais – e começou a desenhar e a pintar como se não houvesse amanhã.

A paixão pela pintura estava-lhe no sangue e ele sem o imaginar!

Tem vindo a aperfeiçoar a técnica e, incentivado por amigos, começou também a vender alguns trabalhos para poder comprar materiais de melhor qualidade.

Apesar das enormes dificuldades, nunca desistiu.

Vi alguns das suas “pequenas obras de arte”, como ele, num misto de ironia e humildade, lhes chama e fiquei maravilhada!

Cada uma é uma história, um estado de espírito que ele me descreve com todos os pormenores e contextualizados, quer no espaço, quer no tempo, quer nas emoções.

Comprei-lhe duas pinturas e ele ofereceu-me a terceira, que tenho junto à secretária e para a qual os meus olhos fogem demasiadas vezes.

À minha frente estende-se o Tejo, com a Ponte 25 de Abril a levar-me para a minha Lisboa do coração, num céu pintado a mil cores, com um sol lá ao fundo que não se vê mas se sente e lembra o homem inconformado que partiu em busca de um novo rumo para a vida.

Não sei como terminará a história de V, se vai conseguir sobreviver com os seus quadros, se conseguirá o dinheiro suficiente para voltar a África, mas sei, porque o senti em cada traço do lápis que lhe deslizava entre os dedos que o V é um vencedor!

Acredito que em tudo há um lado bom e um lado mau, e que o que talvez nos distinga uns dos outros seja a forma como encaramos e lidamos com as situações e se permitimos que, perante as dificuldades, “as cousas nos vençam ou sejam vencidas por nós”.

Porventura farão algum sentido as palavras que ouvi de um miúdo, à porta da escola, a propósito do filme que a professora de Ciências tinha mostrado nesse dia (utilizo “bolas” e “caraças” em alternativa às palavras usadas pela criança por considerar que essas não eram apropriadas neste contexto):

“Bolas! Como é possível aquele espermatozóide ter conseguido passar a parede do óvulo? Eram tantos, porque é que só aquele conseguiu? Deve ter corrido mais depressa do que os outros… É um vencedor do caraças!”

 

Cristina Vieira (articulista convidada)


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22.3.13

 

Digo-vos que o termo “vencedor”, em clara contraposição com “vencido”, me causa arrepios. Mas nem sempre foi assim, confesso. Quando somos pequenos temos a tendência para o gosto da vitória, seja ela nossa, ou então, de algo ou de alguém significante. Curiosamente, estas últimas vão mantendo uma certa coerência. Enche-me de felicidade ver um familiar ou um bom amigo ser vencedor, ter sucesso. Adoro quando o meu clube ganha, por exemplo... Mas e em relação às vitórias pessoais? Acredito que a experiência da vida modifica o fulcro do constructo. Na escola ser vencedor começa por significar ser melhor do que os outros a jogar à bola ou a subir às árvores. Depois, significa outras coisas: ter as melhores notas, ter a miúda mais cobiçada, ter a melhor mota, etc., etc.. Atenção que não é preciso ter o conjunto destas situações! Ao longo desta mutável perceção de vitória entendemos que não podemos ser vitoriosos em tudo. Não tendo a miúda mais gira, ter a melhor mota não lhe fica atrás.

E depois perde-se a inocência.

A vitória pessoal torna-se complexa, ganha outra dimensão. Que interessa agora a mota quando tenho de encontrar um meio de subsistência? Que interessa agora a miúda quando tenho de cumprir os objetivos da empresa? Que interessam agora as notas quando a minha relação está em risco? Chega-se então a um ponto em que, infelizmente, já não posso responder que sou um vencedor porque ganhei 3-0 ao 4º ano B. Já não posso responder que sou um vencedor porque a minha mota chegou mais depressa ao semáforo da rotunda da Boavista. E aqui encontramos uma questão pertinente. A quem respondemos nós se somos, ou não, vitoriosos? O difícil da questão é que já não prestamos contas aos nossos cuidadores. A pergunta já não é “tiraste positiva a tudo?”, ou “ganhaste o concurso da escola?”. O difícil da questão é que agora perguntamos a nós próprios pelas nossas vitórias. O difícil da questão é que por vezes não temos resposta.

Quem são então os “vencedores” e quem são então os “vencidos”? Sou-vos honesto quando vos digo que quis evitar arrepios e não entrei em análises profundas à questão. A experiência profissional fez-me acreditar que este universo não tem de ser assim tão polarizado, frio, penalizador. Acredito que somos todos vencedores, assim como vencidos somos todos. E com base nessa premissa pedi segunda opinião a um amigo. Pedi-lhe então que escrevesse sob o lema deste texto – “Sou um vencedor como tu”. Aqui ficam os seus pensamentos e as suas conclusões:

 

“A unicidade é o maior trunfo. Tendemos a perseguir e a idolatrar os objetivos dos outros, pelo receio de trilhar um caminho que perspetivamos solitário e de não lhe resistirmos; Se deixarmos “fluir” o nosso eu surpreendemo-nos com as virtudes e encaramos / aceitamos de frente as fraquezas.

Não há vencedores, nem vencidos. A alternativa a lutar é perecer. E todos, todos, somos vencedores em algum momento e domínio da vida.

“Nasci para ser...”. É uma máxima mentirosa e injusta. Somos o que a vida nos permite. O segredo reside em jogar com o que nos permite. Porém, o destino não é tirano, é plural. Acreditar que nos reduzimos a uma só vocação seria fazer tábua rasa da plasticidade e génio humano.

Os “fracos” são os fortes que recusam ser fracos. Tratar por tu o sofrimento tem a perversão de ora municiar o encontro connosco mesmos, ora obliterar-nos a necessidade de realização com o outro. Ser vencedor assenta no pragmatismo e valentia entre escolher um ou outro. Temos que saber ser sós com o outro.”

 

Rui Duarte e Pedro Bártolo


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19.3.13

 

O dia amanhece na mesma tristeza das últimas semanas: cinzento, pesado, chuvoso. Dá vontade de cortar os pulsos ainda antes do pequeno-almoço, todas as santas manhãs. Como de costume, levanto-me num pranto masoquista que me empurra para fora do edredão e me lembra que tenho de ir trabalhar. Não tenho nada que me sirva, estou uma baleia em expansão. Começo o dia com a minha torrada em pão serrano, uma meia-de-leite em si bemol e passa-me logo a tristeza. Chego a questionar as propriedades terapêuticas daquela torrada, trazidas pelo Sr. Antero, esse sim, cada vez mais magro, o sortudo. Gosto de ver as mesmas caras todos os dias, de entrar na leitaria e saber quem encontro. Não gosto de surpresas, de mudanças ou de meias-de-leite que sabem a coisa triste. No entanto, hoje reparo que o tipo que se senta sempre ali, na mesa do canto, com os olhos perdidos no vazio, está diferente. Em seis meses, há qualquer coisa nele que finalmente irradia. Oh caramba, acho que me apanhou a olhar para ele. “Senhor Antero, traga-me a conta por favor. Estou com um bocadinho de pressa.” Este senhor Antero… O homem está mesmo magro. Nem deve fazer ideia da sorte que tem. É muito boa pessoa mas não merece mais do que eu, essa é que é essa. Uns com tanto e outros com tão pouco, sinceramente….

 

Mas o que quer aquela maluca? Não para de olhar para mim desde que aqui entrei hoje. Um tipo já não pode tomar o pequeno-almoço descansado, querem ver? Estou com as tipas pelos cabelos. Farto, cansado, irritado. São todas iguais. A mim, não me apanham mais. E a maluca que se recusa a sair lá de casa? Ainda me fez ficar com cara de parvo este tempo todo, a achar que devia ser por amor que ela não se ia embora. É preciso ser mesmo estúpido! Mas o camelo já se cansou e a menina vai ver com quantos paus se fazem canoas. Vou esperar, pacientemente, que o gajo volte a lá entrar hoje. E vou adornar-lhes a testa com um belo tiro certeiro. A cada um. Agora, desfruto do meu pequeno-almoço antes da liberdade que mereço. Pode ser que um dia ostente a cara do Sr. Antero; teve uma vidinha santa a avaliar pelas sonoras gargalhadas que dá, mesmo nos dias em que chove torrencialmente. Pois, não há de rir com vontade, a criatura, com tristes como eu a encherem-lhe os bolsos ano após ano. Ah, Sr. Antero, como invejo a sua sorte…

 

Como é, Isilda, vamos casar? Há seis meses que aqui nos sentamos, depois de promessas trocadas ao jantar que te fazem discursar melhor que o Obama. Ao cair da noite, queres tudo, fazes-me prometer tudo, chego a desejar tudo; de manhã, entras na leitaria, e as tuas vontades diluem-se no açúcar que adicionas ao café. Palavra de honra que não te entendo. Que me interessa a mim que, à luz do dia, te entristeça o que vês à tua volta? A rapariga elegante que mastiga o pão serrano como se de um cachalote se tratasse, vazia de amor e de uma faísca que seja. O tipo que vive na bolha, mecânico no gesto e no olhar, e que hoje parece ter tido a noite da sua vida. Deve ter arranjado uma amante. Sim, já vi isso tudo… mas que me interessa a mim, Isilda, que as pessoas tenham desistido de viver enquanto ainda respiram? O que pretendes? Fazer-nos chegar a isso também? É isso que queres? Queres o marasmo que nos induz a uma vitória que não existe? Queres vencer, nem sabes bem o quê mas, nessa tua luta, Isilda, afastas-me de ti. E eu, só quero vencer contigo. Ao teu lado, dentro de ti, com a tua mão na minha. Vencer, assim. Tu queres ter, eu quero ser. Dizes que sentes a tristeza dos outros e que isso te impede de seres feliz. São teus os sentimentos dos outros? E os teus, são de quem? E se eu quiser muito cruzar a meta da felicidade contigo? Dás-me a mão e corres comigo? Corres, Isilda?

 

“Sr. Antero, a torrada em pão serrano. Sr. Antero, a meia de leite está demasiado quente. Sr. Antero, sei que tem muita gente à espera mas tenho um pouco de pressa…”. Quarenta e dois anos a ouvir o meu nome usado até à exaustão. Décadas de vidas, que me foram deixadas nos pires e nos guardanapos de pano, que servi com dedicação. Não escolheria outra vida. Esta leitaria continuará na família na próxima geração, faz-me tão feliz sabê-lo. Em poucos meses, deixarei de cá estar. Este cancro não me deixa prorrogar o prazo. Não o questiono mais, mas às vezes apetecia-me dá-lo, por breves instantes, a estas almas que por aqui passam, ano após ano, com aquele ar de quem tem sempre que se queixar da vida. A rapariga bonita que não vive bem na sua pele e que se isola do mundo. Se soubesse como me delicio a vê-la saborear a bela torrada quando já não consigo mastigar coisa nenhuma… O rapaz que usa - o que desconfio ser - uma aliança de “viúvo de mulher viva”, mas que nunca trouxe mais que a sua sombra em cada manhã. Como gostaria de lhe dizer que o azedume arruína de dentro para fora e que só o amor permite vencê-lo. Ao casal que vive na montanha-russa de emoções, a que não sabe dar nome nem corpo, dizer-lhes que a felicidade está ali, ao virar da esquina, se nos permitirmos dobrá-la, sem olhar para trás. A toda a gente que aqui entra e não tem qualquer noção da sua finitude, falar-lhes da brisa suave e matreira que muda as páginas do livro da existência e que só sentimos quando batemos na contracapa. Com força e sem tempo. O meu tempo escoa-se na última página da minha história. Feitas as contas, sinto-me um vencedor por toda a vida que me foi dada a viver. Até ao último fôlego, deixarei essa magia no pão serrano que me acalenta as memórias, nos sorrisos que dão cor à vida, na gargalhada que cura a dor. E a vida, que não cessará pela minha finitude, jamais será a mesma depois da minha passagem por ela: ficará mais rica, mais plena. Vencedora.

 

Alexandra Vaz


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15.3.13

 

Alguém postava no Facebook, faz já algum tempo, um vídeo impressionante, cujo título era Never ever give up (Nunca desistas!). A história reza assim: um veterano paraquedista em cadeira de rodas da Guerra do Golfo, de 47 anos, tinha basicamente desistido. Durante 15 anos, os médicos disseram-lhe que ele nunca mais conseguiria andar de forma autónoma, opinião, aliás, que ele próprio aceitou como verdade. Engordou bastante. Não conseguia andar, nem fazer qualquer outro tipo de exercício. Imagino que tenha perdido a autoconfiança e a vontade de viver. Não tinha sequer o apoio de professores de yoga, que declinavam o desafio. Mas até que surgiu um… um que apoiou, que acreditou e que enfrentou o desafio. E com muita coragem, determinação e quedas constantes, fruto de tentativas custosas de esperança em ação, esse veterano não mais desistiu. A história fica realmente emocionante quando vemos, com os nossos próprios olhos, aquele homem, outrora desesperançado, desamparado, a pegar na carta que lhe tinha saído em sorte e a fazer com ela o melhor, o máximo que era capaz. Os resultados iam surgindo paulatinamente com o esforço e a persistência. Ia emagrecendo. E ele começava a acreditar. A acreditar nele e que era possível. E começava a andar. É incrível vê-lo, no vídeo, a correr com a felicidade estampada no rosto. Perdeu 50 kg e ganhou a corrida!

 

Marta Silva (articulista convidada)


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12.3.13

 

O que é um vencedor, pergunto-me.

E a resposta chega célere ao meu cérebro, que é um bocado romântico: é alguém que não faz fretes, que só faz coisas de que gosta, que é feliz.

O problema é que o meu cérebro tem um grande antagonista dentro de mim: o coração, que é um chato dos diabos, embora lúcido e sábio, arranja sempre maneira de refutar o que o meu cérebro tem como certo.

Ora bem, o meu coração diz-me que não é bem assim.

Podemos fazer fretes e, ao mesmo tempo, ser felizes – diz ele. – O que é gastar uma tarde de sol fechado em casa para ajudar o filho a fazer um trabalho? E passar horas numa sala de espera de hospital, com o pai?

Podia enumerar mais uma série de fretes que, por amor, muitos fazemos na vida, mas não é necessário... Porque aquilo que o meu coração quer dizer, está dito: sem amor, a felicidade humana não é possível; e é justamente por amor que se fazem as coisas mais chatas... abdicando de outras, mais agradáveis.

Além disso, fazermos aquilo de que gostamos, por exemplo a nível laboral, nem sempre depende só de nós.

Quantos querem passar os dias a escrever e não encontram editora que os publique nem leitores interessados? Quantos fazem teatro e dança, mas também têm de dar aulas ou varrer ruas para comprar o que comem? Quantos pintam, esculpem, desenham, fotografam ou realizam vídeos que largam a um canto porque não têm onde expor o seu trabalho? Quantos fazem cursos de línguas, antropologia, sociologia, psicologia, matemática, e acabam a arrumar produtos nas prateleiras dos supermercados? Quantos sonham com cantigas, com experiências científicas ou corridas de automóveis e ganham a vida atrás de balcões e a servir às mesas? Serão todos estes que nomeei, e outros exemplos inesgotáveis pelo mundo, uns falhados?

O meu cérebro, sempre precipitado, diz:

Se conseguirem ser felizes, acordar todos os dias com um sorriso e fizerem outras pessoas, ao seu redor, também felizes, são vencedores! Mesmo que tenham falhado noutro campo...

A vida não é assim tão simples! – interrompe logo o coração, a armar-se em letrado só porque leu uns poemas e uns romances. – Já o Eça de Queiroz era da geração dos “vencidos da vida”, aqueles que renunciaram aos ideais da juventude para se renderem aos confortos burgueses, não é verdade? Às urtigas com os sonhos de justiça, esperança, liberdade, felicidade! Tudo conceitos vãos e ocos: do que as pessoas precisam mesmo é de dinheirinho para comprar comida e trapos novos, e quanto mais melhor!

E assim lá deita o coração por terra toda a linda teoria cerebral da felicidade, inspirada no budismo, a única religião que promete a felicidade em vida, ao contrário de todas as outras, das judaico-cristãs ao islamismo, segundo as quais é preciso morrer-se para merecer a recompensa da felicidade eterna – e só em caso de boa conduta, sendo a definição de boa conduta tão discutível como as próprias religiões.

O tema é inesgotável, complexo, problemático. E não tenho solução para ele, nem da parte do cérebro, nem do coração. Tenho para mim que o mais acertado é mesmo, como dizia o Nobel que recusou o Nobel, Beckett, “falhar melhor”.

E o que quer isto dizer? Que o importante é não desistir: já se sabe que, por mais realistas que sejam os nossos objetivos, e alcançáveis os nossos sonhos, não nos escapamos de falhar muitas vezes, até conseguirmos o que desejamos. E pode até acontecer nunca conseguirmos.

Mas isso não faz de nós falhados. Ao contrário: de cada vez que nos reerguemos e seguimos em frente, preparados para falhar de novo, somos vencedores. E ainda por cima levamos um pouco mais de experiência às costas, portanto falharemos melhor.

E falharemos melhor muitas e muitas vezes, até morrermos. Seja no amor, na cozinha, no emprego, na ginástica, na arte... À vossa escolha.

Uma nota afinal, apenas, para a arte. Na sua prosa, Fernando Pessoa disse que ela era “essencialmente erro”. E acho que podemos dar-lhe crédito, pois ele, que era outro vencido da vida, empregado de escritório alcoólico e sem amor certo, que morreu antes de publicar 90 por cento da sua obra, percebia bastante do assunto – hoje, ninguém se atreveria a questionar o seu estatuto de artista, não é? Pois: é preciso falhar para vencer, pois somos vitoriosos simplesmente por tentarmos... ser felizes, bem sucedidos, ricos, musculados, criativos, melhores. À vossa escolha.

 

Berta Cem Mil (articulista convidada)


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8.3.13

 

Para se sagrar vencedor há que ter predisposição para jogar, arriscar, e ter humildade de encarar o jogo na perspetiva de teoria dos jogos, especificamente de soma diferente de zero, onde haverá um vencedor e, como tal, averbar derrota não é em si um fim, talvez um sinal para futuros confrontos.

O âmago de um vencedor é a busca incessante de satisfação, alegria ou felicidade, que advém dos resultados alcançados, que podem não corresponder necessariamente a um triunfo. Jogar é uma arte, destarte saber jogar é sobretudo um gozo, deleito.

Assim, a felicidade do jogador encerra a definição atempada de um quadro de objetivos de desempenho para a disputa, dentro de um limite máximo e mínimo para ter-se uma margem de desempenho aceitável, contando que existe sempre a incerteza em forma de risco iminente e potencial, disposta a enviesar, impactando positiva ou negativamente no desempenho esperado.

Todo vencedor carrega em si uma dose de sorte, se considerarmos que a ação do risco não impediu-o de se consagrar vencedor, sabendo que a probabilidade de ser vencedor é complementada pela probabilidade de não ser vencedor.

Entretanto o mérito de ser vencedor prevalece e atribui-se a si mesmo, quem soube esquivar-se das tentações para poder preparar-se afincadamente afim de experimentar a sensação de subir ao pódio, que diga-se é viciante, preparação essa que exige muita entrega e sacrifício, virtudes que caraterizam um vencedor. O vencedor tem sólida noção de suas capacidades e limites, variáveis bastantes para proceder a monitoria e avaliação do seu desempenho, condição prévia para a auto superação considerando que há sempre espaço para improvisar o seu desempenho e alcançar níveis de desempenho cada vez crescentes, sempre que houver margem de progressão, ambiente para prosperar e um sistema motivacional que inspire a melhoria contínua numa escala de inovação aceitável.

A paciência tudo vence! A paciência é um exercício de sagacidade! Ora, no limite do processo, entenda-se do jogo, quando menos se espera, quando se carrega fé interior, quando se possui autoconfiança, os resultados positivos esperados despontam suavemente a premiar a sabedoria empreendida e em escala desferram agressivamente como que se uns atraíssem os outros, requerendo medidas pontuais de contingência para se desenfrear possíveis euforias que poderiam irritar a progressão.

O processo de progressão e desenvolvimento de carreira, uma função do desempenho passado com impacto na posição e atuação atual, depende mais do próprio indívuo do que dos outros, pois num sistema aberto e imperfeito a competitividade nem sempre favorece os melhores. Possíveis causas que podem explicar tais factos contam-se a escala de avaliação e critério de avaliação, composição e idoneidade dos avaliadores, compromisso com ética e moral, e objetividade do processo.

Finalmente não se pode falar de vencedor sem considerar a composição implícita ou explícita da equipe de que o vencedor faz parte, seja ela real ou virtual, citando uma máxima: em equipe que vence não se mexe - as melhores equipes fazem grandes vencedores. Este vencedor assemelha-se a cereja no topo do bolo, a sua ascensão e projeção foi possível graças a sua afiliação a uma rede tanto quanto vencedora.

 

António Sendi (articulista convidado)


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5.3.13

 

Entre duas pessoas:

- Já te sentiste vencido, mesmo tendo ganho? – questiona com olhar perdido.

- Quem nunca ganhou ou perdeu na vida? – responde em jeito de reflexão.

- Por vezes, sinto-me derrotado. Que sensação! – desabafa.

- Derrotado por não vencer ou por ainda não ter vencido? – questiona.

- Derrotado por não ser o que se imaginara. Derrotado, porque num preciso dia, todos os ganhos de outrora parecerem em vão. Menores do que as vitórias ainda por alcançar. Ou que queremos tanto possuir!

- Somos todos vencedores… algures na nossa vida… - reflete, o outro.

- Somos todos perdedores também, então. – contrapõe.

- Talvez não perdedores… mas seres perdidos, por vezes. Seres que perdem, por vezes também.

- E o que vencemos, então, todos, algures? – indaga.

- Vencemo-nos a nós próprios. Algures, vencemos, por exemplo, por nos superarmos. - conclui.

- Vencemos a nós próprios? – replica, intrigado.

- Sim.

- Então derrotámo-nos a nós próprios também?

- Deixamo-nos derrotar, não só por nós, mas pelos outros também.

- Basta não deixar, é isso? – olha, intrigado.

- Talvez. – sugere.

- E se perdermos?

- O que podes perder?

- Sei lá! Coisas, tempos idos, pessoas…

- Coisas são coisas. As pessoas já nos são, e serão, se assim o quisermos. Embora nunca nos pertençam. O Tempo não se tem. Vive-se.

- O Tempo não se perde, então?

- Perder, é como quem diz. Talvez o deixemos passar. Talvez não o vivamos. Se o vivemos, não o perdemos.

- Não?! – exclama.

- Não. Ganhamos. – afirma.

- Como assim? – confuso.

- Já pensaste nas memórias? Ganhámo-las! São nossas!

- Então ganhamos memórias com o Tempo?

- E não só! Ganhamos aprendizagens.

- E se não aprendermos? – questiona.

- Perdemos uma boa oportunidade para tal e para nos sentirmos vencedores. Às vezes, a sensação de derrota, pode advir daí.

- Ficamos perdidos, é isso? – interroga.

- Perdido, só se te deres por vencido. – remata.

 

Cecília Pinto


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1.3.13

 

Na minha opinião, há dois tipos de pessoas: as pessoas que vencem e, bom, todas as outras. Há quem diga que é tudo uma questão de perspetiva, até porque vencer não é necessariamente chegar em primeiro lugar ou saltar mais alto. Há outras metas cumulativas que por vezes se atingem e que, por outras, ficam por atingir, tal como bater o record mundial de velocidade ou saltar alto sem recorrer a substâncias dopantes. Eu não concordo! Há, de facto, vencedores e vencidos. E esta dicotomia é absoluta, superior a qualquer referencial.

Vencer é a consequência de um conjunto articulado de atos. Mas é, também e antes de tudo, a projeção de um resultado e a engenharia daquele conjunto de atos. Movemo-nos sempre, em qualquer circunstância, no sentido de obtermos um resultado favorável. É uma questão de instinto. É uma caraterística que não nos distingue das outras criaturas. Todas as nossas ações, desde as mais simples às mais rebuscadas, encerram sempre a secreta ou declarada vontade de obtermos lucro e colhermos dividendos. E só há duas formas de perseguir esse objetivo: agindo e agindo de forma correta.

Se levantarmos um olho do nosso umbigo, conseguimos reconhecer imediatamente dois ou três vencedores: ou porque marcam golos, ou porque treinam bem, ou porque dão três saltos seguidos, ou porque representam bem o nosso ego lá fora, ou porque servem de extensão de nós mesmos, projetando a nossa ancestral e persistente vontade de obtermos sucesso, sermos reconhecidos e perpetuarmos o velho estigma de descobridores. Mas se levantarmos os dois olhos, identificamos facilmente uma mão cheia deles, que não só obtiveram sucesso fora do circuito bélico (do futebolístico e do puramente desportivo), como também é provável estarem bem perto de nós. Não me refiro apenas a excelentes cirurgiões, a lucrativos gestores ou a prodigiosos pensadores. O meu aplauso vai para todos aqueles que têm a coragem de fazer melhor, que se reinventam todos os dias no sentido de se despirem de hábitos inibidores do progresso, que concedem à lamentação o espaço e o tempo estritamente necessários, que arregaçam as mangas, que se importam e fazem a diferença.

Vencer é muito mais do que dominar, ultrapassar ou enriquecer: é resistir, insistir, aprender e superar. Vencer, mais do que numa competição com outros, é superarmo-nos a nós mesmos, é aprendermos com os nossos erros e acertos, é insistirmos as vezes que forem necessárias e é, sobretudo, a capacidade de resistirmos às dificuldades.

O que distingue o vencedor do vencido é mais a capacidade de resistência do que qualquer outra competência. Até porque a vitória é o produto acabado de uma série de derrotas intermédias - um golo só surge, regra geral, depois de algumas bolas ao lado. A derrota só acontece quando se desiste a meio caminho, sem que tenham sido esgotadas todas as hipóteses para se atingir a meta inicialmente traçada.

Na vida, no geral, os vencedores são todos aqueles que assumem objetivos, definem ações e se imbuem de uma dose industrial de resiliência. Esta última é absolutamente seletiva!

 

Joel Cunha


Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 10:00  Comentar

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