28.2.14

 

Uma das realidades com que me vou deparando nestas minhas andanças de mudanças de vida que já são uma constante, numa inconstante forma de estar na vida, é a alteração que se tem sentido no mundo laboral. Claro que as transformações são manifestações normais de sociedades em movimento. Porém, é incrível como a desvalorização consegue ser tão rápida num universo que tão lentamente conseguiu evoluir. E se pensarmos, não deveria ser tendência natural evoluir para melhor? Depois da escravatura, veio o salário, depois veio a entrada das mulheres no trabalho, seguido por uma luta por direitos dos trabalhadores, melhores condições de trabalho, direito ao descanso, direito a ordenados justos e garantidos. E, de repente, o que era uma promissora evolução, revela-se numa regressão a olhos vistos, devido a ganâncias alheias. E, se hoje a tecnologia devia servir-nos para o melhor, não se notam melhorias. Por um lado, esta tecnologia veio-nos tirar cargas de trabalho, mas também postos de outrora. Mas, pior, é como os humanos que ainda têm trabalho começaram a ser tratados. Regredimos. E muito! Ao contrário da tendência natural de evolução. Por muitos factores. Regredimos, sobretudo nos valores. Valores mensais ao final do mês, nem sempre garantidos, mas acima de tudo nos valores morais. Como já há tanto tempo não se via, passamos de humanos a mercadoria barata, facilmente manipulada, facilmente descartada. Nesta visão economicista que o mundo se decidiu encobrir, o valor da pessoa deixou de existir. Tanta questão com a produtividade, elemento final do sentido empresarial, tanto estudo categórico do factor humano e a sua implicação na produtividade, e para quê? Para tudo se focar em números, esquecendo que sem humanos não há números. Com pessoas deprimidas, esgotadas, desmotivadas, qual o resultado final? Com pessoas que devido ao excesso de horas enfiadas em projetos dominadores, que em vez de potenciar o seu máximo, castram as potencialidades de cada um, se vêem privadas das suas dimensões pessoais, como há de a máquina rodar afincadamente?

Estamos pobres, e não só em valores monetários, estamos pobres. Os valores como o respeito, a compreensão, a humanidade, não estão desgastados. Estão perdidos. É vê-los com o maior dos despreendimentos falar para pessoas, como se aquele ser vivo fosse uma máquina, esvaziada de mundos, disponível quase 24h, apenas e somente para os seus serviços. Sei que há muito tempo atrás, na nossa sociedade, o valor da vida humana era quase nulo. Sei que muitas pessoas foram esmagadas pelo trabalho para garantir comida numa casa de tantos e com tantos. Sei disso. Mas sei que houve, após isso, o acréscimo de valor ao trabalhador. Havia respeito e interesse por esse trabalhador que não era só um número. Era uma pessoa com valor. Porque sei que houve tempos, em que se o trabalhador precisasse tirar uma tarde para cuidar de alguém ou algo de importante na sua vida, havia flexibilidade para tal. Mesmo que posteriormente o trabalhador compensasse esse cuidado que o empregador tivesse tido para com ele. Hoje não há isso. Há trabalhar a mais e nada de pensar em faltar seja qual o motivo for. Nem se deveria falar em compensar horas, porque elas já foram dadas em horas extra não pagas. Cuidados? Para quê? Como estamos a falar de carga barata, nem vale a pena ter cuidado. Porque é sem cuidado que hoje a teia empresarial trata a sua matéria-prima. Sim, matéria-prima. Porque sem humanos, não há trabalho, por mais tecnologia que haja. A tecnologia não se inventa por si própria. É fruto de trabalho humano. E até a tecnologia fica sem bateria. Até a tecnologia necessita de constante energia para ser operacional. Pois é, os senhores que nos governam esquecem-se que até eles tiveram quem os sustentasse, não só com pão na mesa, mas com cuidados que não têm preço, como o tempo de atenção, a partilha em família, onde os valores se fomentam. Mas talvez na teia se tenham corrompido. E, hoje, a todo o custo, privam a sua matéria-prima de valores fundamentais, como a liberdade, a família, a partilha, a saúde, a troco de trocados e desconsideração. E já é uma sorte ter trabalho, dizem eles! Sim, porque não importa em que condições. Isso não interessa. O que interesse é que seja trabalho. Ou melhor, pseudo-trabalho! Esquecem-se é que como qualquer humano, necessidade satisfeita, nova necessidade se apresenta. Não só de pão vive o homem, já se ouve há dezenas de anos. É condição natural evoluir. Mas hoje, quem tem o pão e o queijo na mão, insiste na regressão. Talvez porque se tenham esquecido do valor mais fundamental, que quando se escapa, não volta, e quando se quer de volta, já não tem retorno. A Vida. Aquela que merece ser vivida.

 

Cecília Pinto

 

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25.2.14

Philomena; Stephen Frears (2013)

 

Faz hoje 50 anos!

Filomena, a mulher que o afirma, tem nas mãos uma fotografia. Olha-a com tristeza e depois de lhe tocar como se a acariciasse, guarda-a novamente na gaveta onde tem estado desde há 46 anos. O gesto não passou despercebido à filha que quer saber quem é a criança da fotografia.

Para alguns, talvez muitos, este será apenas o começo do filme “Filomena”, um bom filme onde a protagonista é candidata ao Óscar de melhor atriz. Para mim, este é o começo de uma viagem num mundo de sentimentos e valores. Valores que, como referia a protagonista na sua simplicidade, são humanos porque dizem respeito à história das pessoas. Humanamente falando, os valores deveriam ser Universais, servirem a todos de igual modo. Alguns até talvez sejam, e até estejam decretados como tal - o direito à vida é um exemplo - mas também é certo que, pela mesma razão, a de estarmos a falar de pessoas, os princípios de conduta variam e têm valores diferentes para cada um. Mas essas diferenças não devem ser entraves nem barreiras à nossa vida nem à vida em comunidade. A dificuldade reside exatamente aí, na aceitação dos princípios e valores do Outro, com total respeito por eles. É aqui que a protagonista do filme se mostra verdadeiramente humana e de uma tolerância acima do comum.

Filomena nasceu numa sociedade tradicional com princípios e valores muito rígidos. Com catorze anos engravidou e a família meteu-a numa instituição de caridade onde ela pôde ter o filho sem os envergonhar. Apesar de doloroso, aceita este processo como uma inevitabilidade. A reputação da família é um valor a observar e a respeitar.

A estadia não era gratuita, pagava-a com trabalho nem sempre ajustado à sua condição física de menina. O filho vivia na mesma instituição mas só lhe era permitido estar com ele 1 hora por dia. Apesar do tempo limitado e de não poder ser a sua principal cuidadora, o instinto maternal manifestava-se no carinho e no gozo do seu papel de mãe. Ansiosa, corria para ele galgando dois a dois os degraus das enormes escadarias do edifício, metendo por corredores à direita e à esquerda, rápido, cada vez mais rápido, para não perder nem um minuto mais do tempo que lhe era permitido. Finalmente juntos, brincavam e trocavam carícias. O menino, na sua tenra idade, reconhecia a mãe e a relação entre eles assentava em laços afetivos como só existem entre mãe e filho. E assim, sem pedir mais, Filomena vivia o seu dia-a-dia.

O carro com gente rica e de aparência fina estacionou no pátio como uma ameaça à normalidade do dia-a-dia de Filomena. Da janela no fundo do enorme corredor, assiste impotente à partida do filho. Amputada para sempre, soube que não voltaria a abraçá-lo. Venderam o seu menino! Decidiram sobre a vida deles sem a sua autorização, sem a informarem, sem permissão para despedidas incómodas.

A filha que a surpreende agarrada à fotografia interessa-se pela história da mãe e resolve ajudá-la a encontrar o filho que a memória e o coração se recusam a ignorar.

Depois de muitas diligências, onde não puderam contar com a instituição onde estivera, tendo-lhe mesmo sonegado informação, conseguiram uma pista. O filho tinha sido vendido para adoção a um casal americano. Persegue esta informação até encontrá-lo. E, quando finalmente está tão próxima que se deixa dominar pela ansiedade e pela curiosidade sobre o modo de vida dele e o seu aspeto, descobre que o filho tinha sido um bem-sucedido assessor do Presidente mas tinha morrido uns anos antes.

Chora-o pela segunda vez. Fica arrasada mas não vencida. De novo sente que a sua luta de aproximação ao filho ainda não terminou, quer saber que valores ele reteve da sua curta vivência com ela, que memórias registava dela e do seu país de origem, que valor dava ele a essas memórias. Atormentada pela ideia de ter passado sem deixar marca na vida do filho, resolve encetar novas diligências junto das pessoas que com ele conviveram. Descobre então que também ele a procurou sem sucesso porque a instituição, tal como a ela, também lhe escondeu informação, não permitindo o contacto entre os dois. Quando a doença o atormentou e o desfecho deu como certo a morte, exigiu ser enterrado no cemitério da instituição. Acreditou que também ele a amou e a guardou na sua memória. Libertou-se da dor de não ter existido para o filho.

A responsável da instituição defendeu-se com códigos de honra e fé. O valor do juramento de há uns anos atrás em que não revelaria nunca a quem vendiam as crianças era sagrado, já o sofrimento de Filomena, esse era justo, servia para expiação do pecado por se ter entregue aos prazeres da carne.

Quando informada sobre o direito de agir judicialmente sobre a instituição, a resposta de Filomena foi surpreendente, aos valores da fé e da honra ela respondeu com outro valor, o do perdão.

 

Cidália Carvalho

 

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23.2.14

 

Quando pensamos em valores morais ou éticos tendemos a considerá-los como um conjunto de regras ecuménicas e imutáveis que a todas as outras se sobrepõem, que todos sem exceção devem observar, porque a todos obrigam de igual forma. Esta tendência reflete não só a necessidade que sentimos de catalogar, classificar e organizar os nossos conceitos de vida em sociedade, mas também a propensão para os generalizar, considerar como definitivos e impor como universais. Esquecemo-nos que a maioria esmagadora dessas regras e valores é datada e resulta de necessidades humanas transformadas em abstrações. Que “todo o mundo é feito de mudança” e que diferentes vivências originam diversas formas de pensar e agir em sociedade.

Basta pensarmos nas questões que hoje nos dividem e porventura amanhã gerarão consensos alargados. Pensemos ainda nalguns temas fraturantes e na evolução que sofreram, ou não, ao longo dos tempos. A pena de morte, o aborto, a eutanásia, a homossexualidade, a mutilação dos órgãos genitais femininos. As Cruzadas, a Inquisição e o fundamentalismo islâmico. Servidão feudal, escravatura e escravidão moderna. Monogamia, poligamia.

Para os esquimós, o infanticídio era aceite. Em 1776, a Declaração de Independência dos Estados Unidos estabelecia que todos os homens nascem iguais, mas mantinha a escravatura e o estatuto de inferioridade das mulheres. Em 1822 foi aprovada a primeira lei eleitoral portuguesa mas só em 1931 foi reconhecido o direito de voto às mulheres com curso liceal. A versão da Sharia praticada pelos Taliban, nega às mulheres alguns dos direitos que no ocidente são inquestionáveis, em nome do respeito e da honra que elas lhes merecem. Para os habitantes de algumas ilhas da indonésia, é impensável matar qualquer ser vivo, animal ou planta. Alimentam-se exclusivamente de frutos caídos das árvores, de leite e do sangue que extraem dos animais por processos ancestrais. Que dizer de certos hábitos alimentares de povos distantes? Que pensarão eles dos nossos?

A distinção entre o juízo de facto e o juízo de valor subjetivo é desde logo essencial para sermos imparciais e afastarmos o preconceito em relação ao que nos é estranho, distante ou diferente. Ortega e Gasset disse: eu sou eu e a minha circunstância.

Claro que podemos encontrar alguns conceitos morais amplos, muito genéricos, muito abstratos, como a bondade, a honestidade e o respeito, mas sem os enquadrar num código de ética universal. Porque até o conceito de bem e de mal, elegendo apenas um deles, varia no tempo e no lugar.

Não existem verdades absolutas e universais no domínio da moral e da ética. Existem ideais assentes nos ditames da nossa consciência pelos quais acreditamos valer a pena lutar, mas sempre no respeito das diferenças e contidos nos julgamentos. Devemos ser humildes.

 

José Quelhas Lima

 

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21.2.14

 

Vivemos em um mundo que se move tão rápido que poucas vezes nos perguntamos se estamos de acordo a tudo que gira ao nosso redor.

Escuto muito as pessoas falarem de ''valores econômicos'', qualquer questão é colocada nessas duas palavras, como se elas resumissem tudo o que somos ou queremos ser.

E não se pode negar a verdade, vivemos em um mundo caro e todos pensamos durante o dia e a noite em como pagar as contas, o aluguel, os seguros e tudo mais que faz parte da nossa vida.

Mas de tanto escutar ''valores econômicos'' não pensamos em outros. Não nos perguntamos nossos valores éticos, familiares, sociais, profissionais. Parece que sofremos de uma inversão de valores e não sabemos mais quais são os vigentes, como se isso fosse possível.

Valores são o que aprendemos dos nossos pais, na escola, na sociedade. E o que são valores? É bem simples a explicação, é uma coisa importante que damos a valor, convertendo ela em nossos valores. Pode ser o que pensamos da honestidade, da coragem, da ética.

O mundo parece girar e alguns tem a impressão de que o passado não importa mais,  os valores de gerações anteriores parecem não funcionar em um mundo sórdido e frio. Mas a única  coisa que nos mantém em pé é a certeza que muitas pessoas pensam como nós, acreditam que ter valores éticos e familiares são uma coisa fundamental para uma vida melhor, uma pilar fundamental para a construção de uma nova sociedade.

Talvez neste momento o mundo é tão barulhento que pensamos não existir nenhum valor além do econômico, mas existe sim, os valores que muitos de nós aprendemos ainda estão na nossa vida.

Ninguém perde os valores que um dia aprendeu,  são eles que guiam nosso passo, não o mundo. O mundo pode correr e acelerar, mas quem tem seus valores sabe muito bem que  isso é passageiro. Felizmente valores são como tatuagem, podemos usar uma roupa e esconder, mas eles estarão sempre presentes.

 

Iara De Dupont

 

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18.2.14

 

Numa entrevista de trabalho:

“No registo que a empresa de Recursos Humanos me enviou, indica “disponibilidade condicionada”. O que significa isto?”

 

“Bom, desconheço os motivos concretos que levaram a entrevistadora a escrever isso, mas o facto é que eu tenho disponibilidade para trabalhar para a sua empresa dentro de um horário normal de trabalho, sabendo que, no final do dia, quero ir para casa, abraçar os meus filhos, ajudar nos trabalhos de casa, preparar-lhes uma bela torradinha, falar sobre como correu o dia, brincar… No fundo, a minha disponibilidade está condicionada por aquilo que considero o natural equilíbrio das coisas: o trabalho é importante, mas a vida pessoal também o é, e para mim, a família é um valor importante…”

 

A entrevistadora manteve um silêncio sorridente, que interrompeu numa declaração suspirada:

“Pois, mas o mercado de trabalho atual não se compadece com essas coisas. Eu própria, ao ouvi-la falar assim, olho para trás, e vejo que perdi muitos desses momentos de convívio e partilha com os meus filhos… eles agora já são grandes. E o tempo não volta atrás.”

 

O tom de voz muda quando contínua: “Bom, mas de facto admiro-a por ter a coragem de assumir essa posição. Aqui na empresa, é importante que os colaboradores tenham consciência de que há horas para entrar mas não há para sair. Mas desejo-lhe muita sorte e que essa sua posição nunca a prejudique.”

 

A reunião termina com a troca de mais algumas palavras e com um aperto de mão.

A entrevistada sai apressada, não querendo perder mais do seu tempo ali.

 

E sorri, por dentro e por fora. Sorri, porque sabe que, um dia, ao olhar para trás, nunca vai ter aquele olhar vazio e triste quando pensar nos empregos que podia ter tido se tivesse abdicado dos seus valores.

O seu olhar será feliz, brilhante, repleto de recordações maravilhosas, que não deixou de viver, em troca de trabalho escravo (ou, se preferirem, em troca do atual mercado de trabalho).

 

Sandrapep

 

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16.2.14

 

Por vezes dou por mim a pensar “Será que sou eu que ando a remar contra a maré?”. Em certos momentos sinto-me completamente sozinha mesmo estando rodeada de pessoas. Ouço conversas e discussões e tento manter a distância porque tudo me parece estranho. Será que estou a ficar idealista?

Em casa dos meus pais e avós aprendi muitos valores com os quais tento viver sempre, pois acho que são realmente os corretos. No entanto, ao longo da vida tenho-me cruzado com inúmeras pessoas que não partilham desses valores e até têm outros diferentes, também aprendidos nas suas casas, com os seus pais e avós. Que direito tenho eu de pensar que os meus valores são os corretos e desvalorizar o que os outros defendem? Há algum código de valores universal? Facilitaria…

Quando falamos de ética, consideram-se também várias teorias, pois há quem defenda uma ética de maior bem para o maior número de pessoas, chegando até a pôr em causa a vida de um menor número de pessoas. Será isso correto? Mas é ético e carregado de valores.

Então, deparo-me com situações diárias em que os meus valores estão em contradição com os da maioria. Tento pensar que o segredo é tentar viver como acredito que deve ser: relacionar-me com os outros pensando de uma determinada maneira sobre eles e pensando sempre no seu melhor como pessoas únicas e individuais que são. Considero, à partida, que quem se cruza comigo vem com uma bagagem de valores que, certamente, serão diferentes dos meus e por isso tenho que respeitá-los e tentar viver com eles também, mantendo a minha bagagem e, até quem sabe, adaptar a minha visão tradicional às novas perspetivas com as quais sou confrontada através de outras pessoas.

Depois deste primeiro contacto com outras pessoas e valores, tento viver com eles da melhor forma e, aí é que está o grande problema, espero que as outras pessoas também me aceitem e respeitem da mesma forma. Posso dizer que não é frequente acontecer… As pessoas que se dizem carregadas de valores, cheias de palavras fortes de honra, fidelidade, e outras mais pesadas, são as primeiras a não ser flexíveis, que, no meu ponto de vista, seria a chave para uma cidadania que respeita as tradições de valores e ao mesmo tempo consegue encaixá-las no novo quotidiano com as novas mentes que surgem na sociedade contemporânea. A isto relaciono a religião, por exemplo. Tem mesmo que ser pesada e inflexível? Já são dois Papas a pensar e a provar que não. Será difícil os representantes da igreja e de associações religiosas perceberem que o seguro e inflexível nunca vingaram em novas sociedades? Basta olhar para a nossa história, basta ver as tradições.

Quando os meus valores estão a prejudicar outros e os levam a tratar-me mal, tento fazer ver que podemos conciliar tudo e levar a um final feliz. Mas, se mesmo assim os extremistas de valores, tradições e justiças insistirem que apenas a sua razão é a razão incondicional e se sentem ameaçados por uma mudança, retiro-me. Que fazer? Deixar que a vida trate de tudo da melhor forma, esperando que, qualquer que seja o caminho, leve a um bem maior para o maior número de pessoas, nunca deixando de acreditar que os meus valores estão corretos e que podem ser conciliados com os valores de outros. Afinal, não somos donos e senhores da verdade e o mundo tem milhões de cabeças sempre a pensar.

 

Sónia Abrantes

 

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14.2.14

 

A palavra “intervalo” tem associado um período de tempo que medeia duas atividades ou dois estados. Assim, penso ser oportuno abordar muito sucintamente a autoregulação. A autoregulação refere-se à capacidade, à competência de adotar comportamentos congruentes com os valores individuais. A autoregulação permite acalmarmo-nos quando estamos aborrecidos ou automotivarmo-nos quando estamos tristes.

Quantas vezes sentimos vontade de dizer e fazer algo que seria socialmente, ou até conscientemente, inaceitável? Esta atitude poderia conduzir a um estado de dissonância cognitiva em que o comportamento não estaria em consonância com os valores pessoais e convenções sociais. Este intervalo que medeia esse primeiro impulso perante o estímulo e aquilo que efetivamente fazemos, a resposta, permite a autoregulação. Trata-se do tempo necessário para nos ajustarmos à situação e agirmos. Sabemos que o comportamento pode ser motivado pelas emoções e sentimentos por isso muitas das vezes traduz-se num comportamento inadequado e impulsivo.

As emoções ativam e motivam o comportamento, e o comportamento motivado pode conduzir ao evitamento, à apróximação ou ao ataque. Os sentimentos, por outro lado, expressam uma reação perante uma realidade, são um sinal que possibilita a autoregulação. É uma resposta subjetiva a uma experiência, realidade ou interação.

Não devemos focar a atenção nas emoções nem nos sentimentos porque, sendo instáveis e dinâmicos, podem conduzir-nos a uma avaliação e resposta erradas. Devemos considerá-los na análise mas, antes de mais, será importante tirar um tempo, fazer um intervalo de pelo menos vinte minutos, se possível, para pensarmos, analisarmos factualmente a situação e racionalizarmos no que faz mais sentido fazermos e dizermos, sempre tendo como referência aspetos essenciais como os nossos interesses, objetivos e valores. Que pessoa queremos e gostariamos de ser? A nossa resposta vai refletir isso ou vai traduzir os nossos medos e receios e inseguranças?

O nosso bem-estar emocional depende da autoregulação, da nossa capacidade de controlarmos a impulsividade e de praticarmos a disciplina. O nosso comportamento deve, sempre que possível, estar de acordo com os nossos valores mais íntimos e refletir coerência com as convicções, atitudes e opiniões, adiando a gratificação pessoal inerente à reação e ao momento.  

 

Ana Teixeira

 

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11.2.14

 

Vivemos, de forma incessante, buscando uma realidade que resulte numa equação equilibrada. Fazemo-lo, muito frequentemente, sob os alicerces da imaginação. A imaginação é, assim, necessária na equação – criar uma visão para a própria vida. Se possível, bordada com propósito e significado.

Tudo o que fazemos ou não fazemos comunica uma verdade. Essa verdade pode envergonhar-nos, mas não deixa, por isso, de ser verdade, como também dela nos podemos orgulhar.

Mas há sempre um espaço entre o estímulo e a nossa resposta (ou reação).

O intervalo compõe a pauta de um destino insofismável. Deveríamos, em decorrência disso, valorizar os intervalos como aqueles momentos em que, parados, podemos respirar profundamente, esvaziar a mente e decidir Como quero sentir-me a partir deste momento?

O intervalo é, sem dúvida, de confiança. Mas não aquela pausa corruptora, em que nos vendemos à insegurança, ao medo e ao desânimo. Não! Esse intervalo, apesar de sedutor, não merece a nossa devoção. Rechacemos o intervalo que se traduz em desistir de nós mesmos e da vida que todos podemos criar.

O intervalo dá espaço a que, refrigerando nossas ideias, esculpemos a vida que queremos – e podemos – abraçar!

 

Marta Silva

 

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9.2.14

 

Conheceram-se num bar. Troca de olhares e um “olá, estás boa?”, servido com um sorriso de dentes brancos e perfeitos, serviu para quebrar o gelo e a contenção da libido sexual.  Coincidência... “A tua universidade não é longe da minha!”. Seguiram-se meses de paixão. Cada beijo como um último, cada palavra como um segredo. O mundo era deles e só deles era esse mundo. Estudos e festas. Mas mais festas do que estudos... Afinal, YOLO! Meses passaram, assim como frequências e exames. Tempo de voltar à terra. Mas, afinal, estas não ficavam tão perto como as universidades...

 

Intervalo.

 

Sempre gostou de motas e de carros. Guardava religiosamente os modelos que mais gostava. E gostava de todos. Os outros putos (parvos), esmurravam a tinta e entortavam os pneus dos seus. Que desperdício...

E o miúdo foi crescendo. Ao mesmo ritmo da sua vontade de ter uma mota. Mas, desta vez, “a sério”. Desdobrou-se em apelos e promessas, assentes nas boas notas do liceu. Vergados pelo cumprimento e pelo desgaste, os pais, desgastados, cumprem. Um aceno à janela, posterior ao normal “tem cuidado filho... existem muitos malucos na estrada.” Primeira sem puxar porque a mãe está a ver... segunda a fundo porque já é depois da curva. Terceira até gritar. A quarta não chega a entrar. No cruzamento, vindo da esquerda, chegou o carro que não devia lá estar. Naquele momento. Naquele metro quadrado.

 

Intervalo.

 

Nasceu pobre mas tal nunca lhe roubou os sonhos. Criança preferida dado que era dotado de algo que o diferenciava dos irmãos. E estes gostavam dele. E como gostavam! A exceção à regra empoderava a fratria. Ficava provado ao mundo que todos poderiam ser mais. Mais do que eram. Principalmente mais do que os outros esperavam que eles fossem. A “joia de menino” passou a “joia de rapaz” e, lá no bairro, o orgulho que nele tinham já ultrapassava o agregado familiar. “Ainda vai ser doutor” profetizavam as velhas. Aquelas que com ele tinham andado ao colo. Boleia à noite porque a casa ainda é longe e porque o tipo é amigo. Amigo, amigo, mas daqueles mesmo amigos, não é. Mas é um “mano”. “Na boa, deixas-me em casa” mas a “moina” não deixou. O quilo de “branca” era o terceiro passageiro.

 

Intervalo.

 

Do balcão do café central vê chegar a morena. Trás tiques de imigrante, mas isso, desta vez, não o afeta. De louco até aceita ir às festas da terrinha. Na cabeça já não conta o que é parolo. O menino, agora da cidade, troca a razão pela fantasia. Troca de olhares e um “olá, estás boa?”, servido com um sorriso de dentes brancos e perfeitos, serviu para quebrar o gelo e a contenção da libido sexual. Coincidência... Da terra, a outra que não esta, veio a morena para vê-lo. A outra. Não esta.

 

Fim.

 

As máquinas fazem barulhos que não queremos ouvir. Os tubos mostram coisas que não queremos ver. Os espaços cheiram a produtos que não queremos cheirar. Tudo é limpo mas não queremos estar aqui. Da janela deste quarto não há acenos. A chuva, lá fora, não dá tréguas. Cá dentro, é o tempo que não as dá. O miúdo que gostava de motas esmurrou a pintura e entortou os pneus. E as costas. E o pescoço. E o baço. E quatro costelas. E um braço. E uma perna. E a cabeça. A bata branca comunica o veredito. Nem se lembram do nome do mensageiro. Esse pano parece que entrou a flutuar no quarto. Etéreo. Sem rosto. As máquinas são para desligar. Vergados pelo cumprimento e pelo desgaste, os pais, desgastados cumprem.

 

Fim.

 

Gritam e gritam mais alto. Perguntam e insinuam. Tratam-no como um bicho. Um delinquente. Nasceu pobre mas cresceu como preferido. Onde está isso agora? A admiração? A esperança? O futuro? O bairro apanhou-o. Ou a fama deste. Lá, nesse sítio não existe gente boa. “São todos iguais”. “Subsídio-dependentes”. “Ralé”. O “mano” não o ilibou. A cooperação e um cúmplice atenuam as coisas... Não tem cadastro mas vai ter de “cumprir”. Era muita “branca”... A parte de dentro dos muros altos é uma visão desconhecida. O choro arrasta-se até à cela e arrasta-se no tempo. Lá dentro também há quem goste dele. Mas não é amor fraterno... Dor, humilhação, abuso, consumo. Não era muito tempo, mas foi a tempo de o destruir. O lençol passa no pescoço e a cadeira cai no chão.

 

Fim.

 

Rui Duarte

 

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7.2.14

 

Inclinou a cabeça um nadinha para a frente e com isso a ponta do nariz ficou-lhe encostada na vidraça da janela. O desconforto, do frio húmido que sentiu, provocou a resposta imediata de puxar a cabeça de volta, mas Pedro contrariou, forçou o nariz à nova posição, até que este e o vidro chegassem a um entendimento, a um equilíbrio térmico que lhe restituísse a sensação de conforto. Lá fora, sob aquela chuva miúda, dissimulada mas permanente, que muito molha os tolos que a não percebem e saem à rua desprevenidos, passava um carro, outro daí a minutos, mais dois, juntos, a um intervalo ainda maior. A pé… bom, a pé, ninguém. Nos intervalos das passagens dos carros, nada mexia na rua. Parecia uma rua fantasma, de uma cidade fantasma, sob um céu cinzento escuro, como vira na televisão, no filme de cowboys. Mas no filme não chovia. Afastou o seu pensamento do que via através dos olhos que permaneciam abertos e concentrou-se no que ouvia. O som baixo da televisão, de várias pessoas que dialogavam numa língua estrangeira. Pelos ruídos de tecido contra tecido, descobriu a irmã, no sofá, frente à televisão, certamente a ver o programa. Um pouco mais distante, na cozinha, percebeu os ruídos da louça e os passos da mãe. Do pai, nenhum som; talvez estivesse a dormir, no quarto.

Na barriga, já não sentia a língua estufada de uma qualquer vaca, em luta com um exército de ervilhas, que se tinham encontrado numa estrada larga, por ele aberta com o garfo, sobre densas colinas de delicioso puré, até que a mãe lhe ralhou que a comida é coisa série com a qual não se brinca. Aquelas tréguas digestivas eram um bom sinal. Seria de esperar só mais um pouco e começaria a sentir, de novo, fome. Poderia então beber um leite com chocolate, bem morninho, e comeria um pão bem fofinho, com manteiga. Que bom que era beber leite achocolatado e comer pão com manteiga, a ouvir a chuva, longe da humidade e do frio da rua, junto dos pais e da irmã, sem pensar na escola à qual teria de voltar no dia seguinte, para mais uma semana de ditados e redações e gramática e geografia e contas e… nunca mais era adulto para não ter de ir à escola.

Depois de sair da mesa foi brincar com os carrinhos. Brincou, brincou, mas acabou por sentir dentro de si assim um… não entendeu bem… um vazio!? Uma vontade de nada fazer, nem brincar, naquela tarde escura, chuvosa e triste, que o puxava para se deitar, para se enroscar. Foi então para a janela e ali ficou de pé, imóvel a olhar, a aprender o mundo, a sentir e a adivinhar os cheiros, os sons, a luz, as cores, os movimentos. Gostava de estar ali, assim. Apetecia-lhe que a sua vida lhe ficasse ali parada, naquele tempo e naquele lugar, para todo o sempre. Queria que aquele intervalo, entre a brincadeira e o lanche, durasse para sempre. E no coração sentiu que isso não seria possível pois, mais tarde ou mais cedo, alguma das componentes daquele equilíbrio haveria forçosa e irremediavelmente de se alterar e com ela tudo mudaria e ele iria sentir a angústia da mudança, a necessidade de procurar novos equilíbrios, de ter novos intervalos. Estremeceu com a mão que se lhe pousou no cachaço exposto após uma ida ao corte. Era a mãe que anunciava a chegada do lanche.

 

Fernando Couto

 

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4.2.14

 

 

O ambiente é de paz. Sente-se uma energia de harmonia a pairar. Deita-se no seu tapete e espera que a professora entre para dar início a mais uma sessão de Yoga. Como estava diferente desde que iniciara a prática do Yoga. Podia ser impressão sua, mas sentia-se mesmo mais confiante, mas também serena, para enfrentar a vida. E tudo o que tinha de fazer era estar centrada em si mesma durante a sessão. Sorriu ao pensar que antes de iniciar esta prática ignorava totalmente o quanto pequenas alterações na forma de estar podiam fazer tanta diferença. No início não foi fácil. A professora dizia para estar atenta à respiração… que havia ali um intervalo, muito, muito pequeno em que o processo da inspiração dava lugar ao da expiração. Ela no início achou aquilo ridículo, mas como era perseverante esteve atenta, sempre que se lembrava. Depois pedia para, entre duas posturas, permanecer imóvel, sem arranjar roupa ou cabelo. Dizia que as pessoas deviam evitar o movimento que não fazia falta e que estes intervalos entre duas posições permitiam que o corpo voltasse ao “ponto zero”. Realmente ela sentia-se melhor depois dessa pausa. E quando chegava o fim da sessão e se deitava no seu tapetinho para a fase do relaxamento, a professora repetia o quanto eram abençoadas as pessoas que davam valor ao intervalo. Porque um intervalo é uma pausa. Pausa é ausência. Ausência é paz. Paz é contrária ao sofrimento… tudo o que a humanidade deseja! E há tantos intervalos a valorizar, dizia a professora. O intervalo a meio do dia para cuidar de si mesma. O intervalo entre duas frases importantes para lhes dar mais importância. O intervalo entre dois amores, para deixar as emoções se estabelecerem na calma. O intervalo entre dois pensamentos, que é a meditação… era mesmo isso. Intervalo é dar espaço! 

Sim, pensava ela sempre que saía da sessão de Yoga. Foi o presente mais abençoado que deu a si mesma: a possibilidade de dar um intervalo a si mesma, à sua rotina, que a modificou. Só isso. Tão simples… sorriu, aconchegou-se no seu casaco, sorriu e encarando o mundo de frente foi trabalhar!

 

Sara Almeida

 

 

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2.2.14

 

Eis-me finalmente! Sentado neste canto vazio, fumando. Não me ocorre nada para fazer. Nem quero. Lá fora é tudo diferente. Tenho tudo para fazer. E ai de mim que não faça! Só quero que este momento dure, dure, dure muito para além do cigarro. Que se fixe e o mundo pare.

Vejo o fumo a esvoaçar lenta, tranquilamente, como se tivesse o dia ganho. Lá vai ele sem missão, a voar para longe daqui. E desaparecer. Sou eu que o deixo ir. Ou não deixo. Eu controlo. Eu escrevo no ar o que me apetece. Leva com ele pedaços de mim, do que eu sou, para alguém, para ninguém.

Por vezes encho a boca e não o deixo sair. Fica comigo e entranha-se. Quando encho a boca é para que fique lá. E depois sinto-o a mexer, a estrebuchar, porque quer sair. Mas eu não deixo. Mas ele debate-se, debate-se e intoxica. Por vezes escapa-se, agarrando-se à liberdade com todas as forças, diluindo-se logo de seguida no ar, desaparecendo sem deixar rasto, de vez, acabando. O que lá fica esvoaça em pânico. Quer sair à bruta, chocando em todos os cantos, louco. Sinto-o num crescendo de força, revigorado. Mal abro a boca sai em bando, repentina, densa, desesperadamente, em fuga. Deixo-o ir. Por agora. Sou assim. E vou buscar mais. E mais. E mais. Até que o cigarro se acaba. E a minha liberdade também. Ter uma boca cheia de pássaros não é a mesma coisa que ser um pássaro. Agora vou eu para a boca de alguém.

 

Joel Cunha

 

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