Não é muito difícil verificar que existem nos dias atuais significados completamente diferentes, ou até mesmo antagónicos, sobre normas e valores que anteriormente eram socialmente aceites. Decidi fazer uma pequeníssima compilação dos seus possíveis novos significados e diferenças:
- Deixar que o seu animalzinho de estimação defeque livremente nos passeios, significa que se o próximo calcar e sujar o sapato não tem qualquer importância, até porque é sabido que calcar um dejeto dessa natureza poderá trazer sorte. Por isso, o dono do animal apenas contribui para espalhar a boa sorte.
- “Por favor”, pouco, raramente ou quase nunca se aplica. Entrou gradualmente em desuso, parece que foi substituído por um abanar de cabeça, acho que quer dizer mais ou menos a mesma coisa.
- “Obrigada” de quê? Para quê? Outro termo arcaico, este parece que foi trocado por um grunhido impercetível que quase nunca ouço ou entendo.
- “Desculpe”, “dá-me licença”, e outros similares, quem encontrar, sem ser em forma de encontrão, por favor diga-me que eu já não os vejo há algum tempo.
- Gosto particularmente de uma nova forma de se entregar as coisas: agora atira-se e espera-se que o outro apanhe. Estender a mão e esperar que o outro agarre, acredito que dará muito trabalho.
- Nem imaginam o quanto gosto de uma técnica de expressar o nosso desagrado com o comportamento dos outros, principalmente quando conhecemos esse outro. Falar bem alto virado de costas e dizer tudo o que apetece, sabendo que se o outro não é surdo o irá ouvir, mas sem poder dizer nada pois se o fizer seguramente se tratará de um grande malcriado.
- E quando temos de passar em simultâneo num mesmo espaço, por exemplo num passeio, onde um vai e o outro vem? As recomendações são: deve-se seguir em frente ignorando a presença de quem quer que seja e se isso significar um encontrão (parece que este está bastante na moda como forma de interagir com o semelhante) assim seja.
- No trânsito, oh meu Deus, no trânsito, assisto diariamente a manifestações de educação e respeito pelo outro. Desde nos agraciarem com um “...filha da p***...” quando nos atrasamos em avançar instantaneamente, quando o semáforo muda de cor, a um conjunto praticamente indecifrável de gestos, apenas conseguindo distinguir aquele dedo, a que chamam de pai de todos, bem esticado na nossa direção. Que amabilidade!
- As caixas de supermercado costumam ter assinalada uma caixa prioritária, mas desenganem-se aqueles que pensam que é para os mais velhos, grávidas ou pessoas com deficiência. Os símbolos querem apenas dizer “- Oh espertalhão se esta caixa está vazia e tu cheio de pressa avança! Mesmo que atrás de ti esteja alguém assim com mais de 70 anos”.
- É espantoso como um pequeno objeto, que serve para comunicar, se consegue impor a qualquer outra situação. Por exemplo, se se está num jantar, imaginem com mais de 10 pessoas, e este objeto tem a decência de tocar... para tudo!!! “ Vamos lá a calar! Não veem que estou ao telemóvel ?????”. E é vermos 9 caritas constrangidas por não terem respeitado a etiqueta e se terem esquecido de se calar mal aquela coisinha tocou.
- Não poderia deixar de fazer uma rápida referência a todos os astuciosos da nossa sociedade, que sempre que encontram uma fila, precisam de passar à frente dos restantes. Mas o melhor é quando se reclama, a desculpa é que não viram, claro que não viram, todas as outras pessoas de quem tentaram passar a frente sofrem de uma doença pois ficam momentaneamente invisíveis.
- Para terminar, alguém ainda se recorda do cavalheirismo? Oh já é uma coisa muito antiga, do tempo dos dinossauros, pois praticamente ninguém o exerce e desconhece por completo o que isso quer dizer e o que implica. Eu tenho saudades de encontrar, na rua, um cavalheiro. Mas isso é já pedir quase um milagre...
Meus caros, de coisas tão pequeninas falei aqui, existem outras muito maiores, mais sérias e muito mais graves, mas cada vez mais a ausência destas se espalha e espelha uma sociedade mais pobre e a padecer de pequenos valores, normas e conduta de boa educação que fazem toda a diferença. Depois a malcriada sou eu que tenho mau feitio.
Susana Cabral