Gostava de acordar amanhã e respirar fundo, como se fosse a coisa mais fácil do mundo. Gostava de já não me sentir triste e vazia, incapaz de entender as mais pequenas nuances deste enredo. Gostava de ser parva todos os dias, quase tanto como dou graças a Deus por não o ser. Gostava de passar incólume pela tua sombra e seguir adiante no planeta dos sucedâneos do amor, acreditando piamente que as migalhas são o nirvana e que os sentimentos estão permanentemente em saldo. Maldita educação essa que retira a honestidade do cardápio e a substitui pela incongruência e pelo lugar – tristemente – comum.
Gostava que não me tivesses vendido o príncipe perfeito (por gestos, palavras e confissões) e uma determinação voraz em resgatar o amor da tua vida, a tua alma gémea, se não fazes a mais pálida ideia do que isso significa. Gostava que percebesses que o teu amor nunca me feriu. Magoaram-me as meias verdades e as meias entregas, seres capaz de mentir nos meus olhos acerca das coisas mais banais. Tomei-te por um homem extraordinário mas não é esse que escolhes ser agora e, não jogares limpo, é aquilo que me dilacera. Isso e não me deixares partir, mas já não depende de ti, sabes? Não quero mais esta meia coisa. Não te odeio mas também não te quero por perto. Vive a tua vida, bebe das fontes que tiveres que beber. Desaprende esses processos mentais em que te atas, mesmo que a tua mãe, os teus amigos e o barbeiro te digam que tudo tem um prazo de validade. Não lhes dês ouvidos, a menos que também te ensinem a fazê-lo com honestidade. Ser honesto a tempo inteiro é um fardo diabólico: limita o número de admiradores, fere sensibilidades de calcanhar, molda o círculo social mas também depura a capacidade de ação e acarinha a essência. Experimenta. Vais ver que não dói nada. E, no dia em que souberes exatamente do que estou a falar, vais agradecer eu ter-te impedido de fazer mais estragos nesta peça dramática que podia, afinal, ter sido a história de amor das nossas vidas.
Quanto a mim, depois de vários atos, saio de cena. Preciso muito de acreditar que o amor da minha vida ainda está por vir e que não é um projeto de pessoa adorável, presa no corpo de um tipo cuja alma tem mais buracos que um coador. Sabes o que é mais irónico? Partilhá-los-ia todos contigo, seguir-te-ia até ao outro lado do globo, sem vacilar, por inteiro, sem data de regresso, mas a solidão acompanhada é a pior das companheiras de jornada. E os sucedâneos, a mim, caem-me mal.
Uma vez disseste-me que eu era a única pessoa cem por cento honesta com quem havias estado. Quem me dera poder dizer o mesmo a teu respeito… E agora que me deixaste à deriva, digo-te adeus e resgato-me a ti. Quem te resgatará de ti próprio?
Alexandra Vaz