29.9.14

 

Quando era miúda passava as minhas férias na aldeia com os meus avós e os meus primos. Era sempre uma alegria – brincar o dia todo, andar no pinhal ou no monte à solta, ir tomar banho ao rio ou nos tanques de água dos campos de cultivo. Fazíamos muita coisa, sempre juntos. Também tínhamos as nossas tropelias, as nossas cumplicidades, os nossos segredos de não contar quem fez o quê.

Éramos educados, obedientes, não faltávamos ao respeito aos mais velhos, fazíamos o que os avós, pais e tios nos diziam para fazer e nem pensávamos em ultrapassar determinados limites. Por isso, ninguém nos vigiava nem andava atrás de nós. Fazíamos tudo em grupo (ou grupos), sem adultos por perto.

Agora, há gerações novas de primos que brincam na aldeia. Filhos dos que costumavam lá brincar. Crianças irrequietas, que fazem barulho, que gritam muito, que correm dentro de casa e fazem muitas asneiras. Crianças que não comem nada e fazem birras nas horas das refeições. Crianças que não pedem autorização para sair da mesa e, às vezes, nem se chegam a sentar para comer. Crianças que não obedecem aos pais e fazem o que querem.

Crianças mal-educadas, porque educadas pelos pais de agora que não sabem educar, que não sabem impor regras, que não sabem ensinar a pedir autorização para sair da mesa. Pais que não têm mão nos filhos e não sabem obrigá-los a fazer o que eles querem que seja feito; não conseguem que os filhos não façam asneiras das grossas e não conseguem impedir que eles passem os limites que eles não passavam quando tinham a idade deles.

São uns pais miseráveis, não sabem fazer nada nem sabem educar. “No nosso tempo não era assim!”, “Os meus não faziam isto!”, “Tem algum jeito?”, “Havia de ser comigo, andavam na linha!”.

Mas como podem estes pais ser tão miseráveis se foram educados por uns pais tão exemplares? É difícil compreender!

Provavelmente estes pais terão formas diferentes de educar, terão outras estratégias. 

Talvez estes pais tentem ouvir e dialogar, sem impor e obrigar. Estes pais castigam e repreendem, mas fazem-no de forma diferente. Se calhar estes pais dão espaço para a personalidade dos filhos, para que os gostos deles também contem. Se querem vestir uma roupa diferente daquela que a mãe escolheu para eles naquele dia, vestem. Talvez não haja problema. Talvez o mundo não acabe se a criança sair da mesa sem pedir autorização.

As crianças têm personalidade, as crianças fazem barulho e correm dentro de casa, as crianças ficam tão entusiasmadas com a brincadeira que não se controlam e gritam de vez em quando. As crianças fazem asneiras, tentam ultrapassar os limites, porque estão na altura de o fazer. As maneiras como se lida com isso podem ser muitas e variadas. E, sendo assim, se se opta por uma em detrimento de outra não significa que se esteja a fazer mal, a educar mal, a não impor respeito ou a ser muito brando. Significa que se escolhe outro caminho, significa que se faz de forma diferente, mas não necessariamente errada.

A educação é muitas vezes associada à imposição, ao castigo e ao temor. Mas não poderá a educação ser diálogo, ouvir e explicar? Não deixa de haver respeito por causa disso, mas sim um respeito diferente, um respeito construído em vez de imposto.

Se educar é dar ferramentas para que depois se faça bem sozinho e de forma autónoma, então os pais que não são de agora deveriam estar felizes e orgulhosos, porque criaram filhos que aprenderam e que agora são pais que fazem autonomamente o que acham melhor.

Foram pais que souberam educar. Agora têm de saber deixar educar. E têm de saber ser construtivos na ajuda que oferecem, porque isso constitui também uma boa forma de educação.  

 

Patrícia Leitão

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 09:00  Comentar

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