Certo dia a professora chega à sala e, seguindo uma nova resolução no âmbito da promoção da igualdade, determina: “Aqui não há pretos nem brancos – são todos azuis!” Assim concluindo: “Azul-claros, cá para a frente; azul-escuros, lá para trás.” – E todos riem da piada, talvez pelo ridículo deste comportamento altamente retrógrado ou, quiçá, por um sinistro reconhecimento inconsciente com a sua própria pessoa. Então, seguem as suas vidas alegando que o racismo é incorreto e, se acaso viram costas a um negro que vagueia nas ruas, é somente porque os pretos são perigosos; se não evitam uma cara de repulsa ao aproximar-se de um bairro de ciganos, ninguém negue que aquela gente vai vivendo à nossa custa sem trabalhar; se, numa distração momentânea em que a mente foge ao corpo, saem da loja dos chineses com uma caneta a mais no bolso, então nada fazem que não seja bem merecido para os que arruínam o comércio local. E o mundo vai andando.
Racistas de peito cheio vão diminuindo a cada dia – de facto, quem levantaria o braço quando chamados aqueles de ideias estereotipadas, atitudes irracionais e comportamentos emotivos? Não poderá ser o racismo, no fundo, a isto resumido? Há, sem dúvida, algo que para ele são essenciais: os estereótipos que a humanidade foi criando e que, aos poucos, subtilmente, em cada homem se foram incrustando. Os estereótipos são simplesmente fáceis; são como que a categorização já feita acerca de quem se cruze no nosso caminho, são a palavra já escrita sobre quem essa pessoa é. Eventualmente, estas ideias preformadas tomam-se pela classificação já dada, pela decisão já tomada de como proceder perante alguém. Classificações fáceis e trabalho adiantado – não é tanto o que se procura nestes dias? Põem-se, no entanto, as seguintes questões: quando a nossa mente tão livremente recolhe estereótipos e assim a nossa ação toma por tão forte base o preconceito, o que é que, ali, é a nossa individualidade a ganhar vida? Que parte, efetivamente, do outro, é que vemos à nossa frente?
Todo o estereótipo tem por base preconceito, e este, como qualquer outro conceito que da consciência nasça, tem motivos que à vida o trouxeram. Não terá sido ao acaso que se formularam as ideias que cada comunidade partilha acerca dos que vêm de fora. Todavia, aí está um ponto importante – os que vêm de fora. Todos os preconceitos se desenrolam em volta de algo que é exterior e, portanto, estranho. Ora, se o que é estranho ao homem sempre causou medo ou aversão, também do que é desconhecido brotará a mais autêntica beleza da singularidade. Ao categorizarmos um grupo de determinada maneira e afastarmos cada um que a ele pertence, perdemos não somente um todo diferente que uma nova cultura nos pode ensinar, mas, mais que isso, rejeitamos indivíduos que, sendo nada mais que eles próprios, são no fundo tão únicos como nós.
Quando a nossa mente tão livremente recolhe estereótipos e assim a nossa ação toma por base o preconceito, que parte do que é verdadeiramente o outro é que vemos à nossa frente? Se percecionamos um grupo somente, perdemos o espetáculo que em frente de nós brilha. Porque mesmo que as estatísticas mostrem uma relação entre os negros e a criminalidade, mesmo que os ciganos não descontem para os impostos ou mesmo que tanta gente escolha as lojas do chinês por escassas posses e possibilidades financeiras, ao virar costas a alguém só por fazer parte desses grupos, é pura e simplesmente a um ser humano, com toda a sua unicidade, que viramos costas. Se maltratamos alguém, é a uma pessoa que nos dirigimos – sangue vermelho, emoções próprias, complexidade pura como em qualquer outro. Serão eles algo assim tão estranho?
Um dia a professora chegará à escola e dirá que cada menino azul-escuro se deve sentar ao lado de um menino azul-claro e então cada um deles verá que andou a empurrar uma grande parte da vida para o lado. Um dia, quando a lógica, o bom senso e a compaixão se entranharem no âmago destas almas que vagueiam pelo mundo, talvez os homens deixem de agir sobre estes preconceitos racistas, impulsiva e irracionalmente. Afinal, dizer que não gostamos de algo nunca é tão saboroso como tentar compreendê-lo.
Isabel Pinto