Na antiga Roma surgiu um deus chamado Janus.
Estamos a falar do deus do passado e do futuro. Das portas e portões. Das mudanças e transições, incluindo a passagem da vida primitiva para a civilização. Da guerra e da paz. Das entradas e das saídas. Das trocas comerciais e do intercâmbio. De acordo com o mito, Janus foi o primeiro a cunhar moeda.
Este deus simbolizava frequentemente a mudança de um estado para outro, de uma visão para outra. Era invocado no início das plantações e das colheitas, dos casamentos, da morte. Diz-se que, muito provavelmente, era o deus mais importante do panteão romano. Era aliás a ele que se devia prestar vassalagem se se pretendia chegar a outras divindades. Era Janus que permitia o acesso, ou não. Janus era a força primordial que deu forma ao universo.
Janus tinha, muito apropriadamente, duas faces, viradas em direções opostas. Era tão importante que do seu nome surgiu Janeiro, o primeiro mês do ano.
Penso muitas vezes nesta sociedade bipolar, às vezes esquizofrénica, em que vivemos. Atualmente Janus continua omnipresente. Quando crescemos, quando recebemos a correspondência, quando casamos, quando “subimos” ou “descemos” na vida. Quando as pessoas à nossa volta nos atribuem um “valor”. É ele a definir quem somos e a nossa importância no mundo. É a ele que adoramos constantemente, em quem pensamos a toda a hora. Quando se ausenta, angustiamo-nos. Sabemos, ou pelo menos estamos convencidos, que não podemos viver sem ele. É para ele que trabalhamos, é a ele que nos submetemos.
Sem Janus, o mundo seria pois uma massa amorfa e estagnada.
Hoje em dia, Janus chama-se Dinheiro.
E, curiosamente, os gregos não tinham nenhum deus que lhe fosse equivalente.
Laura Palmer