- Eu não tenho em atenção o dinheiro?! Eu?! – grita ela saltando da cadeira.
- Exato!! – estica ele com o indicador direito.
- Meu querido, se há aqui alguém que não presta qualquer atenção ao dinheiro és tu! – diz ela tentado humilhá-lo, com as mãos abertas, abanando a cabeça num curto movimento reprovador.
- Minha querida, não sou eu que gasto uma fortuna no cabeleireiro, em tratamentos à pele, em tratamentos às unhas, em massagens com nomes esquisitos, em carteiras, em pulseiras e colares!!
- Eu gasto fortunas nisso?! Ai, gasto?! Pois fica sabendo: eu tenho de me arranjar!! Ou queres eu ande para aí como uma sem-abrigo?! Queres?! Uma desarranjada, deslavada, descuidada?! É isso que queres?! Não te importas que eu, a tua mulher, ande de qualquer maneira?! Não te importas, pois não?!
- Importo sim, mas não é isso que aqui está em causa! O que está aqui em causa… - e perdeu a vez pois ela já gritava bem mais alto:
- Não, não te importas, não!! A única coisa que te importa, são as comezainas e as noitadas com o gangue dos teus velhos amigos da escola! Nisso tu podes gastar tudo o que te apetecer! Com isso não tens tu preocupações! Com isso e com a porcaria das músicas e dos filmes! Esse dinheiro não faz falta; o que faz falta é o dinheiro que eu gasto para não parecer uma pindérica!!
- Já só cá falta isso… Os meus amigos e mais as músicas e mais os filmes! Pois fica sabendo minha menina, de uma vez por todas pois já estou cansado de explicar isto: um homem tem de se divertir, de espairecer, tem de ter outros interesses e distrações que não seja só o trabalho!! E o que eu gasto nisso é uma parte ínfima do dinheiro que tu atiras fora com as tuas amigas, nessa treta dos centros de beleza! Beleza! Nota bem: beleza! Ainda por cima elas são feias que nem bodes… como se tanto centro de beleza alterasse alguma coisa… Tu nem precisas disso, mas gostas de alinhar com elas!! E isto para não falar dos rios de dinheiro que vão na compra de sapatos! Ainda estou para descobrir para que queres tantos sapatos quando só tens dois pés!! – disse ele enquanto ela se retorcia para não começar a partir as peças que estavam sobre os móveis.
- Tu és um bruto!! E um grunho!! Tu estarias bem era a chafurdar num chiqueiro com uma porca qualquer ao teu lado!! Estúpido!! A minha mãe bem me avisou que tu eras um bruto, mas eu estava como que anestesiada… As minhas amigas são feias?! Ai são?! E os teus amigos queridos, são o quê?! Já olhaste bem para eles? E para ti? Tens olhado o espelho? Todos gordos, barrigudos e carecas?!
- Eu sou careca?! Careca?! Estás a confundir-me com quem? E agora já nada falta nesta nossa fantástica conversa – a tua estimadíssima mãezinha já chegou! Ela e os seus sábios conselhos!! Não são as alarvidades que ela deita pela boca fora que pagam a escola da nossa filha, nem o que ela come, nem tudo o que ela precisa! Deveis achar que o dinheiro estica, não?! Só tenho pena é do teu pai! Coitado, a aturar uma catatua daquelas durante tantos anos! Aquela nasceu a dizer mal da própria parteira!!
- Tu… Meu ignorante!! Tu… - agora o indicador direito dela também estava esticado.
- Eu o quê?! Fala! Diz: eu o quê?!
- Tu, meu bruto… - e foi interrompida pelo grito da Rita:
- Se neste ano eu for apenas a três festivais de verão, isso ajuda a que não discutam?!
Fernando Couto