31.10.16

Serra do Marão - Grupo de Montanhismo Vila Real.j

Foto: Serra do Marão - Grupo de Montanhismo Vila Real

 

Quando o meu pai morreu, disse-me: “deixo-te por herança o Marão”.

Não entendi bem isso de eu herdar uma serra tão grande! Ainda por cima, sempre ouvira dizer: “grande é o Marão, e não dá palha nem grão”. Que iria eu fazer com tanta fraga infértil?

Mas também ouvia dizer, desde pequenina, que para cá do Marão, mandam os que cá estão. Por isso respeitei o meu pai e aceitei a herança; lá fiquei com a Grande Serrania. Enchi os olhos com ela, ou melhor, com a parte que me era possível ver dela, lá da minha aldeia pendurada na colina sobranceira mais bonita do Douro Sul. Enchi os olhos dela nos invernos em que se cobria de branco agreste, nas primaveras em que se enfeitava de neblinas finas, nos verões em que namorava o pôr-do-sol, nos outonos em que deixava o Douro estender-lhe aos pés uma colcha de vinhedos avermelhados.

A parte que me era dado ver já me era herança suficiente, é justo que se diga: o meu horizonte já era largo e abarcava o perfil mais bonito do Marão – sobranceiro às colinas adocicadas pelo rio e domadas pelo Homem, o Marão impunha-se em duas grandes elevações quase simétricas, como dois seios eretos. Até assim, de tão longe e quando a transparência do ar era fina e o sol faiscava sobre as fragas, conseguiam-se distinguir as escarpas aguçadas das suas ravinas! Para que queria eu mais? Aquele era o “meu” Marão. O que o meu pai me deixara, o que eu me habituara a ver todas as manhãs, aquele que, nas tardinhas quentes de verão, refrescava as sombras da minha rua.

 

E fui crescendo assim, dona, por justo olhar e por legítima herança, da serra que me viu nascer. E era feliz.

Depois cresci e fui mudando de lugar, de miradouro, de ponto estratégico, de ponto de vista. O Marão, em vez de engrandecer, apequenou. Mas o mais estranho é que descobri que a minha joia herdada mudava de forma, de cores, de orientação solar, sempre que eu me movia, na minha busca de vida além-herança.

E agora? Aquilo era tudo meu? Sim, se o meu pai me disse: “pega, o Marão é teu”, e se o Marão era aquilo tudo, aquela extensão irregular, policromática e temperamental de granitos e xistos, searas e vinhedos, pastagens e baldios, tojo e rosmaninho... meu Deus, tanta paisagem! Tantos contornos, tantas feições! Eu era rica! Eu era rica e tinha-me contentado tanto tempo só com aqueles dois enormes seios de pedra defronte dos meus olhos!

Bem, era tempo de reclamar o que era meu: fiquei com tudo. Governei todas as estradas, todos os cumes frios, todos os vales abruptos, todos os montes áridos e todas as colinas férteis, só com o olhar! Ah, agora sim, o Marão todo era meu, de pleno direito! Agora podia conquistar o mundo!

 

Mas o mundo depressa me disse que não se herdam montanhas que os olhos dos outros também possuem – só herdamos a parte delas que sabemos delinear de cor. O resto é paisagem. O resto corre, no sentido inverso dos nossos passos errantes. O resto muda, consoante a necessidade dos pastos existenciais. O resto, esquecemo-lo, ao capricho dos sonhos de ir mais longe.

Dona, dona, fui descobrindo, eu era só da memória precisa do que amava: aquele familiar perfil, entre agreste, maternal e pedraria, que eu podia tocar com os meus olhos, como se o percorresse com os meus dedos; aquele tesouro imaterial único, só meu, que me servia de paisagem, à data da minha herança. À data da morte do meu pai.

Pai, meu pai. Deixa-me guardar nos olhos tudo o que me deixaste, e na alma, tudo o que eu hei de deixar aos meus filhos.

 

Teresa Teixeira

 

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28.10.16

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Foto: At The Bloodbank – Lynn Greyling

 

Decidira ter o privilégio de doar uma parte do seu sangue. Tivera conhecimento que era considerado dador universal. O seu tipo de sangue era O Rh negativo, por isso qualquer pessoa poderia receber o seu sangue, quer tivesse antigénios do tipo A, B ou AB e como o antigénio Rhesus estava ausente, poderia também ser recebido por todos o que tinham Rh positivo ou negativo. Compreendera que o seu sangue poderia ser partilhado sem restrições por toda a humanidade.

Enquanto observava o seu precioso líquido cor de rubi deslizar pelo tubo que lhe saía do braço, deixou-se afundar no nevoeiro dos seus pensamentos.

 

Vê-se rodeado numa nuvem alva de algodão. Consegue perceber os contornos humanos através da cortina de névoa, da voz que se lhe dirige. Diz-lhe a voz envolvente e carinhosa, que ele é um dos escolhidos para acordar a humanidade do negro pesadelo em que vive. É-lhe revelado que chegou o momento dos humanos terem consciência da sabedoria do universo e perceberem que cada ser humano é apenas uma partícula que faz parte de um imenso organismo infinito.

Acorda subitamente, com os movimentos de reanimação da enfermeira que entretanto já tinha guardado a sua vital dádiva.

Sorriu. Sentia uma paz imensa. Com um olhar profundo e sábio, as suas palavras flutuam amorosamente:

 

Somos todos um único ser infinito. O que corre nas veias de todos os humanos é o fluído da vida que nos liga uns aos outros, sem escolher raça, género, religião… Trazemos dentro de nós, a correr-nos nas veias, a herança de todos os nossos antepassados, desde os primórdios da vida em todo o universo. Somos todos um. Os herdeiros da Vida e da Sabedoria Universal.

 

Tayhta Visinho

 

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26.10.16

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Foto: Mom - Unsplash

 

Quando saímos com os nossos pais, é frequente cruzarmos caminho com pessoas que já não encontramos há algum tempo. E passamos todos pelo mesmo: paramos para duas de treta e cria-se ali aquela conversa de circunstância, sem mais nem porquê, que passo a descrever:

 

(depois de sabermos como a pessoa está e como vai a vida)

- É a tua filha?

- É, sim.

- Que idade é que tem?

E a filha atira um número com prontidão, ao que o senhor/a responde:

- Ai está tão crescida! Como o tempo passa…

- O tempo passa por nós, também passa por eles.

- Ainda me lembro dela pequenina, quando a levavas a x sítio. É a cara chapada do pai, não é?

- Não há consenso: alguns acham mais parecida com o pai, outros mais parecida comigo (mãe).

- Ai não! É pai! É igualzinha ao pai!

 

Invariavelmente a conversa é sempre a mesma, apenas muda o interlocutor com quem nos cruzamos. E no decorrer da conversa nós, filhos, ficamos com aquela cara sem graça a achar que temos o dom da invisibilidade, qual manto do Harry Potter, pois travam aquela conversa como se não estivéssemos presentes.

As opiniões divergem e, sinceramente e fisicamente falando, não me acho parecida nem com o meu pai, nem com a minha mãe. Reconheço em mim (e aprecio até!) pequenas caraterísticas físicas de um e de outro, mas a herança genética não é algo que tenha demasiada importância. (Lembro-me de quando era mais nova questionar se seria adotada! Parvoíces!) Passaram anos: mudei, obviamente; apesar de a imagem do espelho não me apresentar, ou de não fazer notar aos meus olhos, as diferenças entre eles.

Não sei quanto de mim veio do meu eu, da minha essência; em igual dúvida, não sei quanto de mim foi herdado dos meus pais e avô. Reconheço-me na família Ribeiro tanto quanto da família Sousa, mas de diferentes formas.

Vejo em mim a força, o sentido prático, a determinação, a perseverança e o sentido de humor (e a gargalhada) da minha mãe; revejo, como que refletido no espelho, a sensibilidade, a bondade, o lado afetivo e a capacidade de sonhar do meu pai. E a teimosia e “resmunguice” de ambos! A timidez, agora que penso nisso, veio mesmo de mim.

Como essas caraterísticas coexistem? Lamento, não sei também! Talvez entrem em conflito, não raras vezes; ou talvez tenha herdado o melhor de dois mundos. Os meus dois mundos. E é essa a minha maior e melhor herança: os meus dois mundos!

 

Sandra Sousa

 

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24.10.16

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Foto: Suitcase – Jose Antonio Alba

 

No fascinante universo da Psicoterapia existe um método terapêutico deveras interessante, por espelhar as falhas que existem no sistema mais importante na vida do indivíduo - a família.

Basicamente é uma terapia que assenta em três pilares muito simples:

- Necessidade de pertencer a uma família (muitas vezes em nome desta necessidade sacrificamos a nossa felicidade, para não sermos excluídos);

- Necessidade de ordem (quem nasce primeiro na família tem precedência sobre quem nasce depois);

- Necessidade de Equilíbrio (aquilo que se dá e recebe deve estar em equilíbrio numa relação para que haja paz).

Segundo o criador deste método terapêutico, onde existirem pessoas, estas forças estarão sempre a atuar para que haja equilíbrio entre elas.

 

Porém, nem sempre assim é. O que acontece é que, para além de herdarmos os olhos da mãe e o otimismo do pai, a casa do avô e a enxaqueca da avó, nós realmente herdamos as situações mal resolvidas também, pois a história da nossa família acaba por ser herdada por cada um de nós, existindo uma espécie de transmissão cultural que nos afeta mais profundamente do que é possível imaginar.

Por amor e pertença, podemos repetir um padrão familiar que nos desequilibra e leva à tristeza ou à doença, muitas vezes de forma inconsciente. Quando um dos três pilares é transgredido, resulta em sofrimento para a pessoa.

Este método propõe a possibilidade da pessoa compreender e integrar dentro de si a carga familiar que herdou, portando, permitindo a capacidade de colocar na ordem certa o próprio lugar dentro da família e uma certa ordem interior.

 

A questão que coloco é se seremos nós assim tão livres e independentes quando, na verdade, temos tantas cordas e amarras invisíveis que nos amarram ao passado e aos membros familiares que nos antecederam. Serei então aquilo que sou, ou um espelho da minha família? Serei assim tão independente nas decisões que tomo ou é a voz da família que ecoa em mim e escolhe?

 

Nota: Falo, no texto, sobre a Terapia das Constelações Sistémicas Familiares de Bert Hellinger.

 

Sara Almeida

 

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17.10.16

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Foto: Angel - Emocje

 

Regresso do oitavo funeral, na minha família, em menos de quatro anos. Apesar da razão pela qual nos encontrámos, foi bom abraçar aqueles com quem raramente estou, conhecer alguns novos membros e constatar as mudanças, mais ou menos evidentes, em cada um de nós. Na verdade, com um ou outro parente, precisei de alguns segundos, do registo da voz, de um pormenor, para perceber com quem estava a falar. Achei-os diferentes da imagem que tinha deles, não os reconheceria na rua se com eles me cruzasse. O tempo passou para todos nós.

Eu tive sempre parecenças fisionómicas com este lado da família, por isso me surpreendi com a dúvida levantada por um primo, para quem eu havia sido sempre a “cara” do meu pai: “tem graça… mas tu agora és parecida com quem..? ah, pois, estou a ver, olha que engraçado… estás igualzinha à tua mãe”. Passaram-se quatro décadas: posso eu ter mudado tanto, em tão pouco tempo e não me ter dado conta disso; pode o mesmo ter-se passado com alguns dos familiares que hoje revi e que conheci de outra forma? Arrisco dizer que alguns de nós terão partilhado este pensamento. Tentámos, apressadamente, “por a conversa em dia” mas sabemos que, nestes encontros, ficamos sempre pela versão mais sucinta do resumo das nossas vidas.

Podia partilhar muito do que vivemos nos últimos dias mas, dissecar o luto dos meus familiares, não tornaria o processo menos doloroso ou mais rápido. Na realidade, nenhuma palavra pode descrever, fielmente, a intensidade do que cada um de nós sente neste momento, no somatório de tantas perdas. Falarmos das nossas parecenças físicas ou de caráter foi, talvez, uma forma de não nos concentrarmos na razão pela qual estávamos ali reunidos. Quando nos despedimos, as opiniões sobre “quem era parecido com quem” não eram unânimes, mas não nos digladiamos. Hoje pesou a finitude da vida, mais do que a herança genética.

 

Deixo-me embalar pelo som do comboio em que viajo, precisava dessa paz antes de entrar em casa. Aceito o meu próprio processo, concentro-me nele, rompo esta bolha de sensações e pensamentos ambíguos, ainda que os demais permaneçam herméticos na sua dor. A pergunta, insistente, dentro da minha cabeça: sou parecida com quem, afinal? Na minha essência, ou naquilo em que me reconheço, o que é meu, o que foi herdado?

Apesar de todas as minhas dúvidas, quando ponho o pé fora do comboio, caminho sem vacilar. Não sei se é a força que me move ou uma imensa vontade de viver. Não sei que reboliço é este que sinto dentro de mim, uma imparável energia que transborda do meu corpo físico e voa, livre, no firmamento. Não sei serenar os batimentos do meu coração, não sei acalmar a corrida. Não sei que braços me acolhem, que lágrimas partilham a minha dor. Não sei tanta coisa…

Sei que sorrio sem pensar. Que rio com vontade e choro como se não houvesse amanhã. Sei que comigo caminham o medo e a felicidade, a dor e a paz, a incerteza e a força, o amor e a amizade. E algo que não consigo explicar, ou arrancar de mim, que me empurra para a frente, mesmo quando não sei para onde vou.

Sei que sou apenas humana, que sou falível e frágil. Que tenho dias em que nem o diabo me quer para companhia. Sei que a minha psique será a minha melhor amiga e a minha pior inimiga, sempre que eu deixar. Ninguém me poderá fazer tanto mal quanto consigo fazer a mim própria… Sei que, aqui e ali, vou cair do cavalo e que ficar lá estendida, não é solução. Sei que são nuvens muito negras, as que de mim zombam quando eu toco o chão. Sei que vou errar e errar, e errar de novo, e aprender. E crescer. E ser cada vez melhor.

 

Sei que sou feliz. Que sou uma abençoada pelas coisas extraordinárias que tenho vivido. Pelas pessoas extraordinárias que partilham a minha existência. Pelos momentos extraordinários, pelos sentimentos avassaladores, que vivem debaixo da minha pele. Pela Vida em mim. Pelas Vidas comigo. Pela Vida em Nós. Quero cantar, mesmo quando a voz se me embarga. Quero dançar, ainda com mais vontade, quando mais dói existir. Quero aprender, conhecer, beber do conhecimento de almas fabulosas, de vidas, que uma vida inteira não chega para conhecer. Quero rir. Quero abraçar. Quero a plenitude de uma vida que não se esgota, que não perece. Quero os sentidos todos num só. Quero o pulsar da Alma em cada célula do meu corpo. Quero pedir, com humildade, que na minha existência neste Cosmos, eu possa sentir tanto…

 

Sei o que trago do meu pai e sinto-me profundamente honrada por ter o melhor dele. Mas, neste dia de luto, é a minha mãe que reconheço em cada um dos meus sentimentos. É dela a resiliência, a perseverança, a capacidade de sorrir no meio do caos, a força e a serenidade; mesmo que ela não se reconheça atualmente nestes atributos. Não sei se a minha fisionomia se assemelha à dela ou não, mas sei que herdei da minha mãe aquilo que me estrutura enquanto ser humano, aquilo que me faz querer ser, sempre, melhor pessoa. Herdei dela a capacidade de sonhar e de dar sentido aos dias, sem a ilusão de quem anda à deriva, mesmo quando dói muito.

Até ao dia em que se reúnam em torno do meu caixão, luto, amo e sigo em frente, honrando a dádiva da minha mãe e dos meus antepassados, e a singularidade da vida. Por mim, pelos que já partiram e pelos que ainda caminham comigo. É esta a herança mais preciosa que espero deixar aos meus filhos.

 

Alexandra Vaz

 

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14.10.16

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Foto: Abstract – Elena Arboleda Salas

 

Ele foi escritor, antropólogo, dramaturgo e encenador, para além de outras atividades de grande relevo social e artístico. Em todas as atividades que desenvolveu no campo da cultura e da arte foi sempre um ativista. Foi um ativista social e político. Muito escreveu sobre os mais diversos temas; muitas peças criou e muitas delas ele próprio pôs em cena. Por isso, o seu vasto património literário e artístico era de uma riqueza impar, não só pelo seu valor intrínseco, mas, sobretudo por aquilo que representava para a sociedade, enquanto património coletivo. Tudo o que criou, desenvolveu, divulgou e expôs com tanta modéstia, como era seu timbre, conservou nos espaços físicos por onde passou e nos “arquivos” das suas memórias. O acervo de todos esses bens não ficou indiferente a familiares e a gente próxima que com ele conviveu. Após a sua morte, o espólio de todos os seus bens passou a ser muito cobiçado, pois dele faziam parte miríades de objetos, fruto da sua criação artística e dos seus trabalhos literários, com inequívoco interesse cultural e artístico. Apenas deixou como única herdeira a sua mulher, pessoa com idade já muito avançada, que não tinha a verdadeira noção de quanto representava e valia a herança do marido, enquanto património imaterial da humanidade, de inegável interesse artístico e cultural, para a sociedade em geral e seus vindouros. A sua herança teria assim uma função de perpetuar a sua memória, de nos transmitir a sua ideia universalista do Mundo e da época em que viveu, de modo a que sua obra figurasse “ad aeternum” na galeria dos notáveis e inesquecíveis. Contudo, após a sua morte, surgiu a “gula” dos seus pseudo amigos e até de alguns familiares, a rodear a viúva de muitas atenções e falsos carinhos com o único objetivo de serem contemplados com um ou outro bem. Até poderia ser legítimo o desejo de pretenderem adquirir algo do falecido, de adquirirem um ou outro objeto que refletisse e simbolizasse memórias passadas com ele, se não existisse, porventura, um exclusivo e puro interesse material. Mas tal interesse logo deixa de ser legítimo, a nosso ver, a partir do momento em que a própria sociedade é afetada, preterida por um mero interesse individual de cariz material, que se sobrepõe à grandeza do desiderato universal que era de tornar a obra imortal. Distribuído o acervo dos bens, “partido” todo o conteúdo da herança, que se destinava a realizar o desejo do seu autor, cujo objetivo não era, seguramente, saciar a “gula” de alguns, perde-se, irreversivelmente, esse património coletivo e imaterial para a humanidade. Pena não se cumprir esse imenso e nobre ideal do seu autor!

 

José Azevedo

 

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12.10.16

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Foto: Family Drinking Orange Juice - Skeeze

 

“Meus queridos filhos:

Imagino que estejais a perguntar o porquê desta reunião formal, em que estou presente apenas nestas linhas (e nas vossas memórias, espero!). Afinal de contas, nunca fiz segredo das minhas poupanças (pequenas) e dos meus haveres (de valor pouco maior do que o sentimental), não havendo, por isso, bens ou valores a distribuir a esta data.

Achei, no entanto, por bem, reunir-vos aos dois (vós, sim, os meus grandes tesouros!) para vos relembrar a herança que vos deixei. “Herança?”, perguntareis vós, incrédulos. Sim, chamo-lhe herança. Pois aquilo que tinha de mais valioso para vos dar, dei-vos em vida, ao longo de toda a minha vida em conjunto com a vossa.

O que vos dei tem um valor incalculável, que em nenhum leilão da Christie’s poderia ser rematado; vale pela sua essência, vale pela intenção, vale pelo esforço e empenho que lhe dediquei. Pois que sim, falo-vos da vossa educação. Falo-vos dos valores que vos incuti. Falo-vos ainda dos caminhos que vos fui mostrando, para que vocês pudessem escolher onde caminhar.

Recordo-me como se fora ontem, de, junto a cada um de vós, pequeninos, adormecidos nas vossas camas, no sereno escuro da noite, pedir em oração para conseguir guiar-vos e fazer de vós pessoas corajosas, bondosas, solidárias, resilientes – e eu sei lá quantas mais coisas sonhava e ansiava para vós!

Muitas vezes falhei, nem sempre consegui (pelas minhas próprias limitações de pessoa humana e com defeitos) transmitir-vos tudo o que de bom vos queria transmitir. Mas tentei muito, muito! E consegui que hoje vós sejais o produto de uma construção conjunta entre a minha vontade, o meu trabalho de mãe e o vosso trabalho de filhos. Vós sois humanos, com defeitos também. Mas a vossa essência, é algo de muito especial e único.

E pela sua importância, não posso permitir que se esqueçam! Nunca se esqueçam de que a herança que vos deixei está em vós; sois vós. E vós valeis ouro.

E tendo essa consciência, sede felizes. Este é o meu último desejo.”

 

Sandrapep

 

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10.10.16

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Foto: Father - Ambermb

 

O vazio...

A natureza tem horror ao vazio, mais que horror, não suporta o vazio, qualquer espaço que deixe de ser ocupado, mais ou menos rapidamente volta a sê-lo, mesmo que de outro modo ou por outra entidade.

Quero falar de herança, legado, algo que em primeira impressão me remete para a morte, para os bens que passam de geração em geração, frequentemente de pais para filhos.

Quero falar, não dessa herança – importante que pode ser – mas de outra, da hereditariedade, não, ainda, exatamente da de sangue, física, genes, parecenças, semelhanças físicas, mas da do exemplo, do comportamento, das orientações, das vivências, do que se vai inculcando e nos vai ajudando a enformar o nosso ser, para além do parecer.

 

O meu pai morreu quando eu tinha 9 anos, a doença do último ano e tal, os tratamentos no estrangeiro, não permitiram mais convívio do que o que tivemos até aos meus sete anos.

Agora quero lamentar-me: não herdei o mais importante do meu pai, seria muito mais rico, tenho a certeza, se tal tivesse sido possível. A vida, a morte, não me permitiu ser seu herdeiro como poderia ter sido; o que me apetece dizer é, como deveria ter sido.

Ficaram-me algumas, demasiado poucas, memórias. Retive as histórias que tanta gente me foi e ainda vai contando. São boas de ouvir, mas não é a mesma coisa!

Claro que a natureza afasta o vazio, absorvi outros exemplos, outros tipos de comportamento, a minha mãe, tios, transmitiram-me valores, preencheram-me.

Não tive, foi a herança mais importante do meu pai.

 

Jorge Saraiva

 

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7.10.16

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Foto: Grandparents - James Timothy Peters

 

Gostaria de dizer que todos os que me querem bem ficam para sempre comigo, mas às vezes não o sinto, pelo menos fisicamente.

Quando faço um telefonema à hora do almoço, à minha irmã, a perguntar “O que almoçaste hoje?”, lembro-me sempre do meu pai, quando o fazia diariamente.

Não era uma pessoa com posses, por isso não nos deixou nenhum carro nem qualquer casa ou terreno.

O que nos deixou foi uma grande marca na nossa forma de ser, embora às vezes nos esqueçamos.

Deixou o seu riso que só nós de casa é que conhecemos.

Deixou-nos as suas brincadeiras e vontade de brincar.

Deixou-nos a vontade de estarmos sempre juntos em família, nem que seja para discutir, dormir a sesta ou ver um bom filme.

Deixou a lembrança de um avô completamente babado, que não pegou nas suas filhas ao colo com medo de nos partir, mas que com o primeiro neto já o conseguiu, como se de um anjo da guarda se tratasse.

A herança mais valiosa que tenho é essa, a memória de alguém que me ajudou a ser quem sou e com tudo o que sou.

 

Sónia Abrantes

 

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5.10.16

MulherEstátua-CidáliaCarvalho.jpg

Foto: Mulher-estátua – Cidália Carvalho

 

Herdei dos meus pais, que já haviam herdado dos seus antepassados, valores, direitos e obrigações. Faltam-me conhecimentos para poder afirmar que o input deste software se processou no momento da minha conceção e que incorporava a minha bagagem no momento em que me apresentei ao mundo. O mais certo, é tratar-se de um processo contínuo de assimilação, transmitido por meio da palavra e dos exemplos dos meus progenitores, à medida que o meu hardware se vai desenvolvendo. Mas o legado dos meus parentes estende-se às semelhanças físicas. E, quanto a estas, parece não haver dúvidas que me foram passadas informações num composto orgânico que dá pelo nome de ADN, no momento em que deixei de ser verbo e passei a ser carne. Isso explica o que infinitas vezes ouço dizer, que a minha boca afinal, é a do meu pai, e os meus olhos são afinal, os da minha mãe. Já da teimosia que me caracteriza, perece ninguém querer ser o autor, mas se andar para trás na árvore genealógica encontrarei, por certo, alguém como eu.

 

Herdo, continuamente, hábitos, costumes e crenças do meio em que estou inserida.

A sociedade dita, não raras vezes, o que devo vestir, comer ou beber. Lugares que devo visitar, músicas que devo ouvir, livros que devo ler.

Assim, enquanto pessoa, eu sou uma escultura cinzelada por muitos e diversos artistas.

E com todas estas heranças que me esculpem e me formatam, o que há realmente de meu, só meu? Quem posso, afinal, dizer que sou? Sem jactância, arrogo-me o direito de poder pensar e, caso queira, contrariar ou enriquecer estas heranças, tornando-me, também eu, numa escultora.

 

Cidália Carvalho

 

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3.10.16

Aygul-Barieva-WikimediaImages.jpg

Foto: Aygul-Barieva - WikimediaImages

 

Um dia (talvez não fosse apenas um dia, mas deste lembro-me particularmente) disseram-me, ou tentaram que eu percebesse, que há situações na vida que se dançam ao som da música que os outros tocam para, assim, obtermos proveito. Aquelas situações em que a dança priva os nossos movimentos e, mais do que isso, priva o nosso pensamento e, ainda mais do que isso, que compromete a liberdade, aquilo que temos de mais sagrado…

 

Lembro-me bem da forma como respondi…

 

“Tenho na vida princípios éticos, de amizade e de clareza inabaláveis e, disso, posso orgulhar-me. Quando me dedico a alguém ou a alguma coisa, mesmo que seja durante um período curto, dedico-me e, pronto! No que a este aspeto diz respeito, tenho caminhado na vida muito tranquila. Obviamente que, neste caminho, conto com pessoas que me ajudaram e ajudam…”.

Disse ainda…

“Os meus pais, nada de material me vão deixar um dia (espero que demore muito a chegar esse dia) mas, vão, com certeza, deixar-me esse legado. Vou cuidar sempre da minha liberdade com muito carinho…

Pode ser que um dia venha a mudar de postura na vida, mas vou tentar honrar a minha herança…”.

 

Nunca obtive resposta à minha reação…

 

Ermelinda Macedo

 

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