12.12.16

Angel-Myriam.jpg

Foto: Angel - Myriam

 

“Nesta noite negra e chuvosa de 20 de dezembro de 2009, deslindei o verdadeiro cerne do meu ódio: não, não odeio o Natal, pior, odeio-te é a ti.

Odeio as pessoas e as suas palmadinhas nas costas com olhar quase piedoso a imaginar como devo sentir a tua falta nesta altura. Mas são burras ou quê? Eu sinto a tua falta 365 dias por ano com a mesma faca espetada no ventre. Odeio este meu sorrisinho irónico que lhes devolvo, como se tivesse uma tira de fita-cola em cada face e como se fosse uma mulher de força. Não sou nada disso.

Não fiques chocado por dizer que é a ti que odeio, amor. Odeio que me tenhas ensinado a gostar do Natal (lembras-te das minhas “reservas”), que tenhas estimulado o espírito de união e de família, e agora não estejas aqui. União com quem, se me faltas tu? Nem te atrevas a dizer que sou injusta. Talvez, mas deixa-me destilar o vinagre à vontade.

Odeio que agora os nossos amigos não se encantem com o “pais do Natal” que era a nossa casa. Odeio as músicas de Natal porque não estás aqui para eu te inundar a casa com elas até à exaustão da tua paciência. Odeio que não estejas ao pé de mim para gozarmos com as parolices do Natal dos Hospitais e sucedâneos.

Odeio não ter que te comprar presentes de Natal e não ver o teu ar de menino deslumbrado na hora de abrir os meus presentes.

Odeio este meu pavor que as nossas lembranças se tornem baças com o correr dos tempos, porque odeio que Daí, talvez já te tenhas esquecido de mim.”.

 

Era habitual Maria Antónia encontrar, entre os seus pertences, papéis com cartas e rascunhos de poemas, mas desta vez encontrara algo que não mais lera depois que o escreveu, talvez por doer demais.

Era uma tarde solarenga de início de dezembro, em que a agitação reinava pela casa, sobretudo pela sala, onde os seus rapazes tentavam montar a árvore de Natal. Olhou-os embevecida. Aos poucos iam construindo os três uma família, e o seu rapazinho mais pequeno já não largava o homem que nos últimos anos a tinha ajudado a criá-lo. Era um trabalho em crescendo, como gostavam de dizer.

Ao mesmo tempo, Maria Antónia recordou com dor a amargura do momento em que, movida entre raiva, tristeza e uma solidão desmedida, agarrou num papel – naquele papel - e derramou aquelas palavras. Recordou também o primeiro Natal depois que ficara viúva e que decidira passar sozinha, com um bebé de meses ao colo, para não chorar. Lembrava-se dos sons que vinham das casas dos vizinhos que recebiam as suas famílias e até do cheiro a canela que povoava todo o prédio.

Foi então que agarrou numa caneta e apressou-se a escrever no mesmo papel:

 

Meu Amor,

Peço que não leias mais a carta do verso desta folha. Dói.

Neste momento, ouve-se o “White Christmas” e faz-se a árvore de Natal. Está uma montanha de presentes ao canto da sala por embrulhar e estou a experimentar uma receita de sonhos de abóbora.

Este ano a casa vai encher-se com toda a nossa família e até tivemos que comprar uma árvore de Natal mais pequena! Nem sequer vamos poder montar o presépio grande na sala. Já imaginaste? Eu a receber cá em casa tanta gente? Quem diria… Estamos em pulgas!!! Para mim é uma minha oportunidade (muito aquém) de agradecer por tudo aquilo que fizeram por mim e pelo nosso pequeno desde que ficámos sem ti: amor sem limites, proteção, compreensão, sorrisos e colo, muito colo…

Com o passar do tempo, o amor voltou à minha vida. É um homem maravilhoso que descongelou este meu coração petrificado pela tua ausência e com a dose certa de tranquilidade e racionalidade que contrasta com este meu espírito imprevisível e hiperativo. É com muito carinho que te digo que o amo profundamente e cada vez é mais importante na vida do nosso filho. Juntos tentamos fazer o melhor para o criar e fazer dele um homem feliz e de bem.

Com o amor voltou a esperança ao meu coração e a felicidade de partilhar, não só a minha vida, mas também o crescimento do nosso menino.

Obrigada não só pelo teu eterno brilho, porque eu sei que intercedes em todas as coisas boas que acontecem na nossa vida, mas porque um dia me ensinaste a gostar do Natal: disseste que o Natal é a época mais bonita do ano porque era altura em que todas as pessoas se podiam aventurar a sentir esperança e bondade. E tu foste o meu maior exemplo de esperança e bondade.

PS – Ah! E eu sei que nunca te esqueces de mim.”.

 

É certo que o verde é a cor da esperança mas, naquele momento, tudo o que Maria Antónia viu foi uma imensidão de branco povoar-lhe a alma. E foi para junto dos seus rapazes atiçá-los, tirando as bolas que eles já haviam colocado na árvore.

 

Ana Bessa Martins

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 09:30  Comentar

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