O cérebro humano, também denominado por córtex cerebral, constitui a maior porção do encéfalo (parte do sistema nervoso que está contido no crânio) e pesa cerca de 1,300 kg. É aqui que encontramos os centros nervosos que regulam as atividades sensoriais (olfato, visão, audição, gosto...), motoras (movimentos dos olhos, expressões faciais, movimentos dos ombros...), bem como as atividades intelectuais (memória, inteligência...). Este é um dos mais complexos, desafiantes e misteriosos órgãos humanos para toda a Comunidade Científica e até mesmo Humanidade!!!
Eis três, dos inúmeros, misteriosos exemplos, que nos fazem tocar, levemente, na complexidade da dinâmica que o cérebro representa e na sua extrema importância para fazer de nós, aquilo que somos:
- Personalidade: podemos definir muito resumidamente a personalidade como um conjunto individual de pensar, agir e sentir que definem a nossa identidade como pessoa. Atualmente, e embora a Ciência já tenha descoberto que certas zonas específicas do nosso cérebro estão relacionadas com funções físicas particulares, a localização da personalidade continua a ser um mistério, quer seja considerada globalmente ou mesmo no seus diferentes traços e/ou funções;
- Consciência: este é um tema de inúmeras discussões quanto à sua definição. Uma das questões mais fortemente debatidas é se a consciência humana representa, ou não, um atributo não-científico e inatingível que transcende o conhecimento científico. Categorizando assim o “cérebro” como algo quantitativo e mensurável pela Ciência e a “mente” como uma entidade distinta de componente qualitativa.
- Sem descanso: apesar de todos as noites dormirmos, independentemente da qualidade do nosso sono, a verdade é que o nosso cérebro nunca descansa. Pelo contrário, os cientistas descobriram que o nosso cérebro fervilha de atividade durante o sono. O modo como o cérebro funciona durante o sono permanece ainda um mistério, apesar dos cientistas terem já descoberto os cinco estágios de evolução do mesmo.
Há uns anos atrás, nem eu gosto de pensar quantos, a nossa televisão e, naquele tempo, a nossa vida foram invadidas por uma telenovela épica, de seu nome Tieta. Épica porque, como na altura (pasmem-se!) passava apenas uma novela de cada vez, todas as atenções estavam voltadas para o desenrolar daquela história passada na cidade fictícia de Santana do Agreste, sobre a exuberante Tieta. Para além da protagonista e de todas as outras personagens marcantes pela beleza e pelo desempenho, nessa trama existia uma personagem muito engraçada e carismática chamada Dona Milú (interpretação de Miriam Pires), que juntamente com a sua filha Carmosina, abria as cartas chegadas para os habitantes da cidade, com a ajuda do bico da chaleira da água a ferver. Esta personagem tinha uma expressão deliciosa, que ficou na lembrança de muita gente: olhava fixa para o ecrã e dizia “Mistéeeerio”. Só de recordar essa expressão, sorrio. De entre aventuras e desventuras, havia dois grandes mistérios a resolver na história, o que será que Perpétua (irmã de Tieta) guardava tão carinhosamente numa caixa, e quem seria a “Mulher de Branco”, que atacava os homens na calada da noite? Como seria de esperar, esses mistérios foram arrastados até ao fim da história: descobriu-se quem era mulher de branco, uma respeitável senhora da sociedade santanense, diga-se, e quanto à famosa caixa, nunca foi revelado ao público o que continha, mas ficou no ar uma divertida hipótese do que seria (para quem não viu esta novela: diz-se que o que estava guardado na caixa seria o órgão genital do falecido marido...).
Tal como nesta história da Tieta, na vida existem mistérios maus e mistérios bons. Os mistérios maus são acontecimentos ruins e catastróficos que nunca foram resolvidos: assassinatos, desaparecimentos de pessoas, quedas de aviões, navios naufragados… Não gosto mesmo nada! Arrepiam-me e incomodam-me. Por isso, gosto de séries e filmes policiais e de investigação, porque invariavelmente no final se dissolve o mistério e quando isso não acontece num episódio significa que a história continua no próximo. E quem nunca se deliciou com o traquejo de Hercule Poirot, com o seu sotaque francês e métodos sui generis, ou com a fabulosa Miss Fisher?
Mistérios bons, para mim, são aqueles que não têm uma explicação lógica e que por isso são tão interessantes e encantadores. Haverá delícia melhor do que o mistério chamado Amor? Qual a ciência ou razão lógica que aproxima duas pessoas, dois corpos? Como é possível que duas pessoas saibam através de um olhar que estão destinadas uma para a outra? Sente-se, pronto! É essa a beleza do amor e de todos os sentimentos que nos comprazem.
E refletindo sobre o mistério da vida… Como será que tudo começou realmente? Adão e Eva, ou desenvolvimento de espécies? Será que me interessa realmente essa reflexão? Nem por isso… estou cá, nasci, cresci, vivo. Quem fala do mistério da vida, fala dos mistérios de Deus. Será que é apenas uma ideia que o Homem foi desenhando à sua imagem? Será que os eventos narrados na Bíblia aconteceram mesmo? O Mar Vermelho abriu-se mesmo para Moisés? Jesus multiplicou mesmo os peixes? Transformou mesmo a água em vinho nas bodas de Canaã? Ou será que, no fim das contas, tudo não passa de uma mistura de eventos e conveniências por parte dos líderes religiosos? E no fundo, para que me interessa essa explicação lógica, essa certeza, se me sinto em paz e acolhida, parte de algo, quando assisto a uma missa com os meus padres de eleição, quando entro numa Igreja e aprecio as imagens dos santos, quando olho com carinho para o meu São José? São mistérios que aprecio e me alimentam a alma. Dizem os entendidos que são mistérios da Fé.
Para além destes mistérios, bons e maus que abordo e exemplifico, gosto muito, mas mesmo muito daqueles mistérios que nos permitem dar largas à imaginação: cá, entre nós, o que será que estava realmente guardado naquela caixa de papelão da viúva Perpétua? Mistéeeerio!!!
É curioso como evoluímos como espécie, somos capazes de fazer viagens intergalácticas, operações minuciosas de órgãos, enxergar a milhões de quilómetros de distância, mas ainda não temos a menor ideia de porque aqui estamos e para onde vamos quando partimos.
A morte, o maior mistério de todos, nos coloca de joelhos e nos faz lembrar a nossa insignificância. Há quem creia que aqui se acaba tudo, por isso não tem mistério algum. Cada um de nós tem dentro de si um palpite ou uma crença, mas a verdade é que certeza, não temos nenhuma. Esse mistério da vida e da morte nos acompanha como seres conscientes que somos da nossa perenidade, mas muitas vezes somos arrastados pela vida afora e acabamos por crer que a vida é infinita e que somos indestrutíveis. Não queremos ser lembrados da nossa incapacidade de controlar o incontrolável. Mas como seria a vida se soubéssemos o nosso fim? Seríamos as mesmas pessoas que somos? Agiríamos da mesma forma? Se tivéssemos a certeza que não há um “outro lado” seríamos melhores ou piores pessoas do que somos?
Os mistérios da vida estão muitos ligados às religiões que tentam dar as explicações para aquilo que ninguém consegue explicar, efetivamente. Nos acostumamos a fazer orações, ir à igreja aos domingos, meditar, ou qualquer acalanto à nossa ignorância sobre o nosso futuro. Mas será que estamos mesmo preparados caso tenhamos que responder por nossos atos nessa vida? Será que fazemos o nosso melhor para estar sempre de cabeça erguida? Será que somos capazes de enxergar além do aqui e agora? Infelizmente (ou felizmente) o Google ainda não responde para onde vamos quando morremos, temos que conviver com isso. Com o peso da ignorância e da certeza que muito pouco sabemos.
Pegava numa folha branca e escrevia. Na folha apareciam frases que ela não sabia de onde vinham, mas, para sua admiração, providas de sentido. Não sabia se escrevia para ela mesma ou para aquele homem misterioso e distante. Tudo ficava confuso, como que alienado. Talvez entrasse num estado que se podia confundir com um sonho. Talvez fosse uma forma de encontrar consolo.
Recorda-o. Aproximou-se com cautela. As primeiras conversas, como se estivessem sentados face a face. Apresentou-se com o seu eu de agora: falou sobre o que fazia profissionalmente, onde trabalhava, contou-lhe sobre os seus tempos da universidade, os seus interesses atuais e confidenciou-lhe a idade, correndo o risco de ela nunca mais lhe falar. Ela perguntara-lhe mais pela sua vida e ele abrira-lhe o seu “pequeno mundo”. Contara-lhe que tinha um filho e desabafara sobre o casamento falhado e sobre os desafios que agora enfrentava. Assim… a uma total desconhecida. Ele apenas dizia que gostava de conhecer pessoas, como aliás sempre gostou, frisara, e que ali, naquele “mundo” onde quase se sentiam lado a lado, não havia tantos preconceitos e julgamentos.
As coisas sucedem e a todo o momento alteram-nos, matando-nos o eu interior, criando um outro eu ligeiramente diferente, ou então muito diferente. A vida não é como deveria ser, as coisas não acontecem como previsto. E há um corpo que se fecha e que é só a defesa e uma forma de proteção do que vai sucedendo. Como se reconheceria ela a si mesma? Saudade de quem nunca foi.
O mesmo sucedera com aquele homem misterioso. Reconhecera-se ele a si mesmo? Sentira ele saudades de quem nunca foi ou do que já tinha sido? Nunca entendera as confissões do homem misterioso, o motivo pelo qual o corpo fechado se abrira para ela. A ela, apenas, suscitara-lhe alguma desconfiança e sentido de confusão o desprendimento com que ele lhe falara sobre coisas da sua intimidade.
Depois, ele desapareceu. Antes, deixou de aparecer. E o homem misterioso começou, aos poucos, a tornar-se o homem sombra. Não que fosse má pessoa: algures na vida que não é como deveria ser e nas coisas que não acontecem como previsto, ele perdera-se no que lhe tinha acontecido e perdera a capacidade de se deixar levar, de interagir, de dar e receber ou até, em último caso, de sentir o outro e de amar. Ela descobrira, então, a sua exímia capacidade de manipulação: primeiro, envolvera-a com a sua astúcia e inteligência, realçando sempre o lugar que tinha conquistado profissionalmente e todos os conhecimentos que adquirira, sem deixar de frisar o muito que ainda tinha que aprender. Envolvera-a no seu jogo e conseguira o que queria: a atenção, o carinho, a devoção, a curiosidade e a admiração dela. Depois desligara e voltara a refugiar-se no corpo fechado em que habitava, sem deixar de a alimentar com pequenas migalhas de atenção. Achara que assim conseguia mantê-la por perto. As coisas não aconteceram como ele previra. Mistério resolvido.
Levantas-te para mais uma manhã sabendo que lá fora o sol ainda não brilha. Sabes que vai estar frio, muito frio. Assim como o chão que tocas, quando mal assentas os teus massacrados pés. Piso que apenas conheces do dia de ontem, assim como o beliche onde dormiste e, provavelmente, os teus companheiros de quarto dessa noite. Tornam-se rotina todos os passos seguintes de preparação. Arruma-se o saco cama, refaz-se a mochila, veste-se a preceito para o clima e, muitas vezes com custo, calçam-se as botas do dia anterior. E dos dias anteriores a esse.
Sais para um desconhecido planeado, com metas programadas, mas onde o fortuito te alcança sempre. Nunca sabes como vai verdadeiramente correr a etapa. Come-se qualquer coisa, entre as coisas que estão disponíveis no local da partida. Curioso como a fome fica diferente. Assim como as sensações de temperatura. E de dor.
Primeiro passo, e mais um passo, e mais um, e outro, e outro... Cada passo é importante, mas na verdade não são o que verdadeiramente conta. São os passos que te transportam o corpo, mas é a mente que transporta o resto. Para milhares que fazem o caminho esse resto pode ser a fé, a espiritualidade, o agradecimento, ou a homenagem. Não importa.
Cruzas bosques, mato, estradas, aldeias. Pessoas e animais. Como disse um companheiro de viagem: “subir custa, mas descer dói”. O caminho implica dor. Implica sofrimento. No corpo e/ou no pensamento. Vês-te subitamente numa dupla viagem. As tuas pernas caminham, mas por vezes a mente voa.
Os quilómetros passam, ou não passam, assim como o tempo. Parece que a natureza certa das coisas decide brincar com a tua perceção. Um passo, e mais um passo, e mais um, e outro e outro. Um dia e mais um dia, e outro e outro...
Até que chegas. Até que percebes que cumpriste. Até que percebes que resististe. E a partir daí percebes que algo te invade. Não importa o motivo que te levou ao primeiro passo. Quando chegas a Santiago de Compostela o que te invade é um mistério.
Não me lembro bem da primeira vez que ouvi essa quadra - tão cheia de sabedoria - mas lembro-me, sim, muito bem, quando comecei a entender-lhe o significado.
“Se os olhos são a janela da alma, o segredo é a alma da verdade”, dizia-me também a Sra. Camila, a Guardadora de Mistérios. E continuava: “Cada um tem a sua própria e íntima verdade... Se a confiar totalmente aos outros, vai, ao mesmo tempo, expor-se a julgamentos e impor-se como juiz. Há que nunca perder o mistério dos pequenos silêncios – os pequenos silêncios são irmãos do encanto das grandes palavras.”.
A Sra. Camila era a velhinha mais velhinha da aldeia. Era o que eu achava. O seu rosto miúdo, emoldurado pelos finíssimos cabelos tecidos da primeira luz das manhãs, era um campo sagrado: continha vinhedos de outono, sulcos geados de sementeiras, vestígios de ninhos de andorinhas, trigais já segados de pão, ribeiros secos pelos desertos da vida. Boca, quase nenhuma, sugada pela falta de dentes, e olhos feitos de água fresca – dois poços fundos, insondáveis, porém saciantes, retemperadores, cheios de paz e sabedoria. E de mistérios. Todo o conjunto, toda a morfologia facial da Sra. Camila, era uma página... não! – um livro inteiro, não só de Geografia – física e humana – mas também de História.
Histórias. A Sra. Camila, sabia contá-las como ninguém! (deixaram-se iludir por aquilo de “boca, quase nenhuma” e “guardadora-de-segredos-irmã-do-silêncio”?... ah, desenganem-se! – ela, apesar de saber imensamente mais do que me contava, era um livro, eu não disse...?! - da sua boca pequena e flexível, como ramo de árvore ainda tenra, voavam bandos de palavras que sabiam todos os ninhos da minha imaginação!)
Aí é que está – a minha imaginação: era nela que eu chocava os mistérios. Era nela que guardava os segredos que ia descobrindo, à medida que iam nascendo as pequenas certezas que lá cabiam. E os meus próprios mistérios, novinhos em folha. Bastantes, até. Mas, claro, não tantos como os que a Sra. Camila trazia nos olhos. Ah, não!...
Ela era uma verdadeira Guardadora de Mistérios. E repetia-me, entre histórias de faz-de-conta, e contas do seu rosário: “Sabes, Teresinha, devemos deixar que os outros granjeiem um quinhão de terra, no lameiro que nos pertencer por direito. Mas só se o quiserem, se o merecerem e se tu achares que eles têm necessidade disso para sobreviver. E só lhes permitas o quinhão bastante para essa sobrevivência! O melhor, o maior, deixa para ti – nunca se sabe se quem te renda, um dia te rasga. E nunca se sabe se esse que te rasga, ou outro que venha, um dia, não precisará que tu o remendes... com a grandeza da tua alma e a garantia da tua granja.”
Eram palavras algo confusas para eu entender, na altura. Mas ia percebendo uma verdade: os mistérios são como ninhos – é bom descobri-los, saber que estão lá, no alto daquela árvore, mas o segredo de todas as primaveras é respeitar-lhes a arquitetura, ter cautela, não espalhar a notícia; cuidar de manter os ramos intactos e a peugada despercebida e esperar que os ovinhos se tornem passarinhos – guardadores do grande mistério do voo.
“Um dia destes, acordo desta letargia, esbofeteio-me, com vigor, para a vida não ter de o fazer mais, fecho todas as portas entreabertas sem olhar para trás e decido que é tempo de viver a sério.” Renovei estes votos, ano após ano, a cada desafio enfrentado; quis muito acreditar que isto seria suficiente para que a minha alma escapasse daquilo que a consumia. Aceitei dos outros a falta de razão, de justiça, de integridade, como se não as merecesse, para não enlouquecer. Aprendi, muito cedo, a suportar em silêncio, sem chorar, a maldade daqueles que deveriam proteger-me.
Todavia, entorpecidos os sentidos, manter a cabeça à tona revelou-se uma tarefa titânica. Viver entre o que se faz porque deve ser feito (ou assim se enraizou a coisa) e aquilo que realmente nos faria flutuar, sem esforço, é completamente desgastante. Sentir a alma voltar-nos os pés noutra direção e ainda assim ficar ali, onde nada se pode curar é, simplesmente, insano. Não há forma prosaica de o dizer. É-me, particularmente, penoso porque o masoquismo não consta do meu cardápio, em dia nenhum do calendário. De bom grado eliminava esta ferida, num golpe misericordioso e, talvez, talvez ainda restasse algo de mim que se pudesse salvar. Escapei o melhor possível durante décadas. Enfrentei vários demónios para os deixar partir, fechei algumas das tais portas escancaradas e aprendi, muito recentemente, a dar explicações, apenas e só, a quem as merece. Mas, volvidos todos estes anos, constato que não curo a minha maior ferida, que ainda permito uma violência emocional desmedida e que sou completamente incapaz de a entender ou de me proteger dela.
Andei cá e lá, movida pelo amor que me liga a ti, nesta formatação da minha pessoa, na qual tu foste, sem dúvida alguma, a medida de todas as coisas. Vivi na tua sombra, respirei o teu dióxido de carbono (acreditando ser oxigénio), fui o alvo das tuas críticas, nesta vida que me foi roubada sem apelo nem agravo. Foste e és protagonista na tua vida, sempre a mãe de todas as dores, a mais sofredora, a que mais lutou, a mais prendada, a mais organizada, cobriste-te com esse manto de tantos predicados luminosos que deixaste de nos ver – continuo ingénua, vês? Desconfio que nunca me viste realmente, não como sou. Esperei que um dia me amasses, me desses paz, me fizesses sentir segura mas, até hoje, partilhar o teu lar é mergulhar, de olhos bem abertos, num espaço que me fere, onde durmo e me movo hipervigilante, frágil e assustada. Crescer não me tornou imune a ti, não impediu que te movesses na minha vida como se esta te pertencesse. Uma sequela da tua vida, à mão de semear, sempre que dela precisasses. E sim, tu precisas sempre. Tu precisas sempre mais do que toda a gente. Não interessa o esforço dos outros, os sacrifícios que fazem para colmatar as tuas necessidades, não interessa o quanto nos matas lentamente, desde que haja alguém que escute as tuas lamúrias. Na tua dor és Rainha, na dor dos outros és Comodoro. E eu sou o teu permanente dano colateral, simplesmente, porque me permiti acreditar, durante demasiado tempo, que esta história podia ter um final feliz. Um dia irias ser grata pelo amor que tinhas e, esse milagre, ia parecer-te tão grandioso e tão sublime que nunca mais te queixarias de nada. Nesse abençoado dia, irias perceber todas as coisas maravilhosas que ainda tinhas, todas as bênçãos que recebias diariamente e o quão privilegiada, afinal, tinhas sido. Serias Amor e Gratidão e eu estaria, automaticamente, curada – gostava tanto de ter conserto. Seria linda, a metamorfose singular da minha alma: de pião das nicas à redenção. Sonhei, repetidamente, com esse dia, acreditei com todas as minhas forças que, no âmago da minha pessoa, permaneceria, intacta, a capacidade de te aceitar a qualquer altura, sem contrapartida, sem recalcamentos, plena de amor. Mas a vida tem-se escoado a cada dia, levando com ela a força e a esperança que me restavam nesta nossa relação.
À medida que me desformato, constato, com profunda tristeza, a extensão desses danos dentro de mim. Como pude acreditar que podia passar por isto (quase) incólume é algo que me transcende. Neste lugar que ocupo agora, onde mal respiro, oiço o eco da tua voz e, mesmo à distância, até esse, me empurra para baixo. Voltaram o buraco no estômago, o nó na garganta e a sensação de abandono, alimentados pela migalha que ainda permito que me dês. Nela, a tua total incapacidade de ouvir o meu grito, ainda que este seja, mais amiúde, sonoro e lavado em lágrimas. Tudo passa, tudo é ligeiro. Nos outros. No palco da existência, debaixo do teu holofote, apenas tu e todos os teus dramas. A tua cacofonia silencia qualquer queixume. Já não consigo viver tão zangada. Não consigo dormir de olhos abertos, punhos em riste e acordar, semana após semana, com medo de sair da cama e de enfrentar as exigências do dia. Se não te consigo transmitir nada de bom, não posso permitir mais que me arrastes contigo para esse catastrofismo militante do qual te recusas a sair. Já percebi que estás em casa, nesse lugar de dor que tratas com tanto esmero. Mas eu não posso continuar aí, contigo, tão perdida. Quem sou eu, afinal, fora do teu sistema solar? Por que é amar-te uma sentença de morte? Preciso de asas para voar mas as minhas raízes foram-me violentamente arrancadas: como faço agora para me levantar? Preciso de um lugar seguro na minha vida. Preciso de dormir sem medo. De respirar profundamente. E de aceitar, de uma vez por todas, que há um preço a pagar por permanecermos onde nos ferimos; eu, reconheço, já lá estou há demasiado tempo. Não quero mais esta pena perpétua, camuflada de amor, em nome do bem maior. Por que somos quem somos, na vida uma da outra, permanecerá um mistério. Aceito-o, finalmente. Agora, por favor, leva-o contigo e deixa-me ser a pessoa de quem precisei a vida inteira.
Há coisas que eu, realmente, não entendo. E logo eu, que sou entendido em tudo aquilo que penso e falo! Mas é que tu, tu és estranha!
De manhã, estavas capaz de me esganar porque tiveste que parar de estender a roupa para encher as bolas de basquetebol para os miúdos jogarem, enquanto eu estava refastelado no sofá.
E suspiraste de desilusão quando foste ao armário de ferramentas em busca de fita adesiva para tentar tapar a fuga de ar da bomba manual e encontraste o livro que comprei para te oferecer este Natal - como se eu pudesse adivinhar, após 15 anos de casamento, que tu detestas romances do tipo “Nicholas Sparks”.
E não disfarçaste a tristeza quando, mais uma vez, eu troquei o plano prometido de uma matiné no centro do país, por um rápido passeio na cidade.
E posso jurar que vi nos teus olhos duas lágrimas prestes a rolar (desespero ou raiva?), quando, num dos meus típicos momentos de avareza galopante, fui estacionar o carro quase a 1 km da marginal só para não ter que pagar o parque.
E vai daí que, de repente, quando passavas pelo assador de castanhas e lhe lançavas um olhar de desejo reprimido, eu me lancei sobre ele e comprei-te um cartucho. E, como que por encanto, o teu semblante alterou-se radicalmente. Voltaste a sorrir, disseste-me um “obrigada” embargado de emoção e, de besta, passei a bestial!
Mas que poder misterioso terão estas castanhas assadas, que te fizeram esquecer tudo o que estava para trás? Seria porque tu adoras castanhas ao ponto de te deixares enfeitiçar pelo seu sabor único, quentinho e esbraseado? Ou talvez porque eu te tenha surpreendido com um gesto que demonstra que, afinal, eu até me importo um bocadinho contigo, e que, apesar de me ter torcido todo ao desembolsar aqueles 2 € para pagar as famigeradas castanhas, fi-lo para te agradar?
Eu cá não sei. Só sei que és estranha como o caraças, porque num momento pareces detestar-me e, noutro, é como se me amasses com a força do primeiro dia. Serão assim todas as mulheres?
Bem, também não vale a pena pensar muito nisto, deixa-me relaxar no sofá a ouvir os comentadores da bola, que o Porto está em alta e isto de ter tido um momento de gentileza pôs-me de rastos.
2 €... Que roubalheira, por um punhado de madeira!!
Vamos começar por algo bonito, que há borboletas bem lindas, vistosas, coloridas, ainda que algumas tenham figurações que pretendem ser ameaçadoras para os seus predadores. Comecemos pela borboleta tropical pois então.
Aviso, em tempo: a história, exemplificativa, começa bem, bonita, mas vai acabar mal, qual tempestade. Cientificamente, é uma história, digamos, determinística, com relação de causa e efeito. Na teoria do caos, dizem-nos que um bater de asas de uma linda borboleta na região do Amazonas, Brasil, pode vir a causar um tornado, um furacão nos estados do midwest norte-americano!
Para os cientistas, por uma via, em termos religiosos, por outra, está tudo, ainda que de formas bem complexas, explicado. Para um simples mortal, acontecem coisas inexplicáveis, verdadeiros mistérios.
A mínima diferença, modificação, das condições de uma situação considerada de partida, pode gerar consequências inimagináveis (inexplicáveis para o ser humano médio - excluindo, portanto, os especialistas e os ignorantes), de dimensões catastróficas ou, (porque não?) maravilhosas. Não apenas na meteorologia, pode ser na língua escrita e falada, pensemos por um momento que o português de Portugal e do Brasil tem a mesmíssima origem, há cerca de tão só 500 anos, mas pequeníssimas diferenças circunstanciais foram originando palavras novas e termos e expressões iguais à partida vieram a ter aplicações e significados diversos, em alguns casos aproximando-se do antagónico; pode também ser um episódio idêntico que significou para duas pessoas uma perda, tendo para uma consequências desastrosas, mas proporcionou uma sucessão de boas oportunidades para a outra (os males que vêm por bem).
Já terá dado para perceber o ponto de vista.
Não vou maçar-vos mais: passo para as conclusões - que, rogo, sejam aplicadas por cada um ao que lhe interesse - o mundo, a sociedade, a nossa vida, sem mistérios seriam muitíssimo menos interessantes, se se puder comparar!
Convirá é, perante as circunstâncias, que há que aceitar, não nos colocarmos apenas como efeito, mas também como causa, agente, ator. Mesmo rezar o terço, para quem o faça, digo eu e justificando o título da prosa, não deverá ser um ato mecânico, uma lengalenga sem sentido.