25.1.19

Time - Myriam.jpg

Foto: Time - Myriam

 

“Não tenho pressa. Pressa de quê?

Não têm pressa o sol e a lua: estão certos.

Ter pressa é crer que a gente passa adiante das pernas,

Ou que, dando um pulo, salta por cima da sombra.

Não; não sei ter pressa.

...

Mas o que faz rir a valer é que nós pensamos sempre noutra coisa,

E vivemos vadios da nossa realidade.

E estamos sempre fora dela porque estamos aqui.”

Alberto Caeiro

 

Um incómodo grande, a falta de barulho. Nem que seja o do rádio ou da televisão. Um aborrecimento ter de nos ouvir, o que por aqui ecoa na tubagem, nas cavernas.

Reparei que fico bastante cheia de mim ao fim de uma viagem de autocarro de 4 horas. Chego ao pé das pessoas e toda eu só quero falar. Expulsar o demónio. Quando não consigo adormecer, ler tem sido um modo de me distrair. Fico pensando se esta parte da canalização interna não range como um cuco à espera de ser notada, se não quer ser ardentemente vista. Mas traz aquele incómodo das paixões, invejas, ciúmes, as fraquezas da gula e do desejo. Traz o ressentimento e o ódio, a competição e a agressividade. A par disso muita fome, várias.

 

Tenho lido “De olhos fixos no sol” do Irvin Yalom, e fala sobre a morte, a construção de significado, o isolamento face ao nosso derradeiro. Conta também o face a face com aquela questão que nos tira o sossego, o do passado já não voltar. Dei conta que ele partilha o momento em que vê o pai ao telefone a receber a notícia que o seu pai morreu. Isso remeteu-me também para a minha história, tal e qual, tirado a papel químico. Vi o meu pai a ir ao telefone, ouvi um som diferente, a mãe passa a correr atrás dele, ambos em direção ao quarto. O som diferente não se altera, agudiza e fica num som permanente.

Eu dirijo-me ainda mais ao meu quarto (se calhar já lá me encontrava), por mais curiosidade que tivesse apercebo-me rapidamente que não ia mesmo querer saber o que causava tamanha desfiguração ao meu pai, tive medo.

Que mais futuro me fará fugir para o meu quarto? O medo maior, penso, é o terror conhecido, não o que há de vir ou o desconhecido, desse não tenho sequer imagem, cores ou sons. Yalom recomenda um exercício, olhar para o passado ano e perguntar-se: estaria disposto a repeti-lo tal e qual? Se notar arrependimentos, algo que não quer que se repita, então, tratar de remover ou mudar isso. Eu gostei deste exercício.

Aconselho o livro, mas com leitura reconfortante, por exemplo, Tolentino Mendonça.

 

Maria João Enes

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:30  Comentar

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