13.5.19

Witch - ID 942987.jpg

Foto: Witch - ID 942987

 

Dizem que era uma vez uma mulher chamada Sogra, muito, muito má. Mal-encarada, metediça, feia como uma verruga de bruxa, escanzelada como uma erva ruim arrepiada pelo vento. Entendam:  ela não nasceu Sogra. Se calhar, nem nasceu má, nem feia, nem verruga, nem joio – pelo contrário, há quem diga que ela era até uma joia, antes de lhe porem o nome Sogra. Mas, claro, isso do disse-que-disse é poça de água turva, onde não se pode, nem se deve, lavar os ouvidos…

Bem… seja como for, diz que essa tal megera, uma certa tarde peganhenta, depois de uma jornada de trabalhos duros pelas leiras da vida, se sentiu sem forças, morta de sede e de cansaço, desesperando por um fio de água que lhe aliviasse a secura da boca e da alma.  Mas nem rio nem arroio lhe valiam, tudo à sua volta era secura e silêncio: nem cantar de fonte próxima, nem coaxar de rã longínqua. Quando a tarde começava a definhar, finalmente, escondida por uma mancha verde escura, ela descobriu o que lhe pareceu ser a estrutura altiva de uma nora – primeiro viu um alcatruz, depois outro, depois percebeu, pela disposição dos recipientes, a curva de uma enorme tarambola. Parada. Mas era uma nora – que alegria a dela! Cheia de um novo ânimo, a criatura correu para ela, de braços abertos, como se quisesse abraçar o esqueleto enferrujado do mecanismo, que, para ambas, seria a esperança da água, da vida. E, oh, sim, havia água, no fundo do poço! Havia luz, a luz rósea da tarde, refletida naquelas águas, paradas, pensava ela, apenas porque ninguém, há muito tempo, as abençoava com o beijo da sede!

Mas aquela nora, de vulto sombreado pelo decair do dia, e de toque áspero, pela ferrugem dos anos e pela oxidação da sua própria herança férrea, negou-se a mover, à pouca força dos seus braços – antes a repeliu, quase empurrando o seu corpo magro para o poço alvoroçado por algumas pedras que rolaram, como lágrimas, a seus pés.  Aquela nora, ofuscada pelo seu poder inesperado, ciosa dos seus domínios de egoísmo, avara da água de que se julgava guardiã e senhora absoluta, zombou da sua fra(n)queza e, como uma burra teimosa, fincou os dentes da roda, arvorou-se em coisa superior, e condenou a Sogra ao amargor da sede - condenando-se, a ela própria, ao chiar pulverulento dos emperrados por soberba.

Dizem que a Sogra ainda anda por esses campos, juntando as forças que precisa para encontrar, quem sabe, águas tranquilas. Um ribeirinho, que seja. Uma chuvinha mansa, que baste para lavar a alma.

 

(Lendas são lendas:  em contracena com uma nora, ferrugenta ou não, o povo põe sempre uma sogra, malvada ou nem tanto, vá-se lá saber porquê. Nomes são apenas nomes - a Força, dão-lhes as pessoas que os usam, em sede ou em ignorância.)

 

Teresa Teixeira

 

Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 07:30  Comentar

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