Não existe festividade mais individual e ao mesmo tempo global do que o Natal (para os Cristãos, claro). Cada pessoa experiencia esta época de forma diferente dado que para além do significado religioso implícito da quadra, o Natal acarreta algo mais. Todos nós temos recordações de Natais passados, com certeza que uns melhores que outros, mas sempre, sempre ligados à família. Estando ela presente, ou não. Este facto, a companhia ou solidão neste momento particular, é talvez o factor mais importante para o estado mental de cada um durante este período. Muitos estudos já se fizeram em que se correlaciona a quadra Natalícia com quadros psicopatológicos (depressivos e suicidários, só para nomear alguns).
Como a partilha faz parte do espírito desta época, decidi partilhar convosco alguns dos meus Natais. Como disse um jogador de futebol famoso, como também sou humano como as pessoas, já tive a minha quota-parte de Natais bons, Natais assim-assim e Natais maus. Esta classificação (talvez redutora) está associada a momentos específicos da minha vida. Vejamos: os melhores Natais foram sem dúvida os da minha infância. Motivos? As férias da escola, as decorações, as idas às compras ao shopping (sou do tempo em que havia um só shopping no Porto…) e à Baixa, a figura misteriosa do Pai Natal, as prendas, os doces, poder beber Coca-Cola todos os dias (enchia-se a despensa de tudo o que normalmente não se consumia diariamente durante o resto do ano), mas mais importante que tudo isto, hoje reconheço… foram os melhores Natais porque tinham lugar na casa dos meus avós. Os meus avós tinham essa capacidade aglutinadora de presenças familiares no mesmo espaço à mesma hora. Eles eram o centro da família. Os fundadores. Deles partiam os convites, as vontades e a força. Força para proporcionar a todos o melhor Natal possível. Em certos aspectos lembro-me que o meu avô vibrava mais com a preparação do Natal do que os netos. Todos os anos construía uma árvore de Natal com presépio, que chegava a ocupar boa parte da sala de estar. Uma coisa (para além das figuras claro…) nunca poderia faltar no presépio; um lago com água e uns patos de plástico a boiar. Para nós crianças este era o centro do Presépio. Todos nós afundámos os patos e molhámos os dedos no lago… assim foram os meus bons Natais.
Entretanto fomos todos “crescendo”… os tios solteiros casaram e passaram a dividir os Natais entre as casas de pais e sogros. Os avôs foram envelhecendo e perdendo alguma genica. E nós, os miúdos agora adolescentes fomos perdendo a pureza das crianças e ganhando o cinismo dos adultos. O Pai Natal já não existia e já não nos contentávamos com um qualquer presente. Aliás, em certa medida os presentes já nem eram misteriosos. Eram exactamente aquilo que tínhamos pedido. A inquietação que antes se prendia com a surpresa do que o Pai Natal nos traria foi substituída por inquietações maiores, do género “Será que os tios vêm este ano?” ou “Será o ultimo Natal com os avós?”. Estes foram os Natais assim-assim. Já havia no ar a certeza que o espírito dos Natais passados não voltaria mais. Nem sequer para nos assombrar como a Scrooge…
Mas estes também foram passando e chegaram os Natais maus. A família cada vez mais desdobrada fazia cada vez mais esforço para se encontrar, em exercícios do tipo “passamos a consoada nos teus pais e o dia de Natal nos meus”. Mas não foi isso que fez com que eu passasse alguns Natais maus. Foi o facto de já não ter quem me fizesse uma árvore de Natal e um presépio com um lago.
Rui Duarte
Link deste ArtigoPor Mil Razões..., às 17:23  Comentar