Em criança, colava a minha cara ao vidro para ver os enfeites de Natal que as lojas colocavam nas montras, no início de Dezembro. Sentia o frio nas bochechas e deliciava-me com os comboios, as bonecas e todo o vermelho e verde que preenchia as ruas, as montras e as casas.
Vivia o Natal num misto de respeito e ansiedade, como qualquer criança queria ser visitada pelo menino Jesus que, mais tarde, deu lugar ao célebre Pai Natal.
Mal terminava a arrumação da árvore de Natal e ainda se comiam os restos do bolo-rei, já começava a pensar no que iria pedir para o Natal seguinte. Sempre que abria a gaveta onde os enfeites estavam guardados, sentia uma nostalgia e um conforto: acontecesse o que acontecesse, viria sempre o próximo Natal, que seria sempre uma festa e eu sentiria a felicidade e o amor de um ano inteiro.
Fui crescendo e a realidade dos adultos foi-se apoderando dos meus Natais, ano após ano a magia foi-se desgastando, deixei de sentir ou de querer a sua proximidade, pois estava longe de ser uma época desejável ou feliz. Sentia a máscara de todos e não queria fazer parte da gigantesca máquina de fazer e produzir contos de Natal.
O seu significado, o seu valor, ou o quer que seja, ficou completamente esborratado no dia em que deveria estar a “celebrá-lo”, mas estava a lançar uma última despedida a quem me ensinou o valor e o significado do Natal; que ironia, que dor e que sofrimento.
Durante anos vi e vivi o Natal como se de um filme se tratasse, imagens fictícias, momentos produzidos, sorrisos elaborados, intenções deliberadas.
Perdi o significado do Natal, a própria palavra ficou fazia de conteúdo e significado. As próprias cores mudaram para rosa, preto, amarelo, roxo e sei lá mais o quê!? Vemos as nossas tradições serem invadidas e a perderem por completo a sua beleza e o seu significado.
As referências ao Natal começam com a chegada do Outono e todos somos bombardeados diariamente com as “intenções” do Natal, onde comprar, o que comprar e como comprar e quando chega a data já estamos enjoados, sem saber muito bem o que significa afinal o Natal.
Deixou de existir nas ruas o cheiro e a beleza do Natal, as músicas tornaram-se gastas, repetitivas e até mesmo aborrecidas.
Mas...
As coisas mudam, não voltam a ter a magia nem inocência de quando éramos crianças.
Mas...
É possível voltar a ter brilho e ser especial, um dom que só mesmo as crianças têm…
Só mesmo uma criança para encontrar a beleza e o significado do Natal.
Cantar vezes e vezes sem conta a mesma música, sem que isso se torne um massacre.
Só mesmo as crianças nos fazem sorrir quando lhes dizemos que só podem escolher duas prendas e com um grande sorriso dizem “que bom”. É claro que por detrás das duas prendas está uma colecção inteira de cinco bonecas, ou a edição completa de uns jogos de carros.
Só uma criança para pedir um paninho para cobrir o menino Jesus, que está com muito frio e fazer-nos procurar um agasalho adequado.
Só uma criança para acreditar no pai Natal e com ar malandro e um sorriso descarado responder, perante a ameaça de não ter prendas por se portal mal, “eu já falei com ele e ele prometeu que me trazia o que eu quero”.
Só uma criança nos faz decorar toda a casa com Pais Natal e nos obriga a deixar um copo de leite e uma fatia de bolo para a sua visita e, claro, não esquecer as cenouras para as suas renas.
E faz-nos comer o bolo que não apetece e beber o leite de que não gostamos, tudo a correr, com medo de sermos apanhados em flagrante delito. E ainda “ratar” as cenouras, a imitar os dentes das ditas renas, e tornar tudo o mais verosímil possível.
Enfim! O Natal muda ao longo da nossa vida, mais para uns do que para outros, o meu mudou e muito. Começou por ser uma fantasia que perpetuei até não poder mais, depois foi uma quase obrigação e finalmente faço parte como “construtora” da própria fantasia. A ver vamos como será o Natal quando deixar de contribuir para a criação de uma ilusão. Provavelmente serão eles, as minhas crianças, que vão assumir o controlo do Natal e fazer dele o que mais gostarem. Espero que nele se reflicta o carinho, o afecto e a felicidade de um ano inteiro.
Susana Cabral
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