A reclusão desempenha um papel basilar no sistema judicial português, ao isolar os indivíduos que constituam risco para a sociedade. Desta forma, os indivíduos afectos aos estabelecimentos prisionais cumprem pena por ordem judicial e pelos tipos de crimes mais gravosos.
Além deste aspecto punitivo, a reclusão agrega uma série de acções referentes ao tratamento penitenciário. Nesse sentido, durante o processo de reclusão é facultado ao recluso um conjunto de ferramentas que lhe permita modificar o seu comportamento, manter a sua saúde física e mental e providenciar as ferramentas para que, no futuro, se integre social e produtivamente na comunidade de origem, diminuindo, desta forma, a probabilidade de reincidência. Os programas de combate à propagação de doenças infecciosas e toxicodependência, de intervenção com delitos estradais, de prevenção da reincidência e da recaída, de intervenção com agressores sexuais, o acesso ao trabalho, ao desporto, à educação, entre outros, fazem parte desta estratégia.
Contudo, este aspecto ressocializador da execução da pena, valorizado particularmente pelas administrações prisionais, contrariamente ao desejo punitivo da opinião pública, acaba por ser um pouco utópico perante a presente realidade carcerária. Deveras, não existe capacidade do sistema para ressocializar todos os reclusos. Depois, nem todos os reclusos aderem a este processo ressocializador, uma vez que a sua adesão carece de sua anuência. Por fim, é impossível punir quando o recluso já tem direito a luxos como TV, DVD e Consola de Jogos na própria cela.
À parte deste aspecto particular do tratamento penitenciário, a vida em reclusão é muito diferente do observado extra-muros. E aqui é importante ter em conta a subcultura prisional, que se relaciona intimamente com o ambiente prisional de cada estabelecimento prisional. O ambiente prisional é fruto da normatividade prisional, das suas privações e das características sociodemográficas e criminais dos indivíduos reclusos. Em Portugal, maioritariamente indivíduos jovens, com crimes e práticas de abuso ou dependência de substâncias, com nível diminuto de instrução e formação profissional, provindos de grupos socioeconómicos desfavorecidos.
A necessidade de adaptação deste estrato populacional às privações do ambiente prisional, deu lugar ao surgimento de uma cultura com valores, normas, crenças, atitudes e comportamentos específicos da reclusão - a subcultura prisional.
Existem essencialmente duas abordagens teóricas para se conceptualizar a adaptação à subcultura prisional, a perspectiva da privação e a perspectiva da importação. Segundo a perspectiva da privação, o processo de encarceramento é sinónimo de privação da liberdade, privação de bens e serviços, privação de relacionamentos heterossexuais, privação de autonomia e privação da segurança. A privação destes direitos e necessidades humanas elementares é responsável pelo mal-estar físico, psicológico, emocional e social do recluso, que, para sobreviver, para se adaptar, vê-se obrigado a adoptar um código de conduta informal peculiar da comunidade carcerária. O recluso aprende a ser camarada, não ser delator, não mostrar fraqueza e a demonstrar hostilidade para com o staff. Em sentido oposto, de acordo com o modelo da importação, a adaptação à vida em reclusão será moldada pelas experiências de socialização pré-prisão. Assim, o recluso em vez de adoptar o código de conduta informal peculiar das instituições prisionais, adopta sim, os mesmos valores, atitudes, crenças, normas sociais, regras e comportamentos disruptivos internalizados enquanto vivia em liberdade e, como tal, importa esses comportamentos e atitudes para a prisão. Desta forma, aspectos relacionados com a pobreza, exclusão social e saúde em geral irão influenciar demograficamente a população prisional e serão os reclusos provindos de grupos socialmente excluídos que apresentam maior risco de saúde mental e física inerentes ao contexto de origem.
Contemporaneamente, é possível encontrarmos uma ampla gama de normas, crenças, valores, atitudes e comportamentos de acordo com o tipo de prisão e de população prisional. Sem nos esquecermos que actualmente as prisões recebem diariamente indivíduos com perturbação mental, que deveriam estar internados em instituições psiquiátricas, nunca nas prisões, criaram-se as condições ideais para as elevadas taxas de vitimização a reclusos e guardas, suicídios e de introdução, distribuição e consumo de substâncias verificadas em reclusão.
Este triângulo amoroso molda e moldará o sofrimento e desespero em contexto prisional. Desmotiva e continuará a desmotivar os funcionários prisionais, particularmente, perante a abismal incapacidade ressocializadora da reclusão.
Nuno Alexandre Costa Moreira
(Articulista convidado)
Unidade de Desenvolvimento Social do Instituto da Segurança Social
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