“Olho para trás. Vejo-te tão nítida. Foste persistente em mim. Longa e tão curta. Pergunto-me até quando permanecerás. Deste-me o mundo outrora. Sou o mesmo sem o ser. Vivo-te de outra forma. Já não há a genica. Há o espírito somente.
Criei ramos a partir do meu tronco e ainda vejo pequenos rebentos, tão perfeitos. Esses jamais se recordarão de mim. Mas, levarei todos comigo. A morte esteve comigo algumas vezes, mas foi caridosa. Já tive mais medo. Penso que agora aprendi a aceitar o ciclo da vida. Provavelmente, um dia encontro-me com ela ao virar da esquina. Pode ainda demorar. Não sei. Vivo muito mais nas recordações. São como pequenos filmes que passam por mim. A vida é tão rápida, sinto-a rápida, mesmo que seja mais lento agora. Percebo melhor o agora. Percebo melhor a importância de cada um de nós e estou feliz por ser ainda importante na vida dos meus. Por ter saúde, o que tantos não têm. Cuidam de mim, embora às vezes me tratem como uma criança, que não sou. Já fui. Não tenho mais essa inocência. Talvez tenha um pouco da sua dependência, mas posso também ainda cuidar, contar histórias. Estou cheio delas. Os filhos já as sabem de cor, mas os netos ainda não se cansaram de escutar.
Tenho tanto dentro de mim. Cada ruga é um caminho percorrido. Já vi tantas transformações que deixei de dar as coisas como certas. Tudo se transforma. Sou como uma árvore que permanece. O seu tronco já não é liso e suave. É sabido. Tem gravações. Carrega ramos, folhas, frutos. Uma árvore é tão bonita, tão poderosa, tão essencial. E contudo, continuamos a admirar as flores, jovens e frescas. Não que não sejam importantes. Mas, tão frágeis. Tão vulneráveis. Mas tão desejadas. Ali ao lado, a árvore que nos dá sombra, nos ampara da chuva, que nos alimenta com os seus frutos, que abriga nos seus ramos, que nos permite ver mais além. Essa ali fica. Perene. E, às vezes tão invisível, como não deveria ser. Por vezes, olhada apenas como lenha para a fogueira. E não compreendemos a sua sabedoria. Felizmente, por vezes, admiramos as árvores também e ficamos fascinados do quão são resistentes, apesar de todas as invernias pelas quais já passaram.
Sou a árvore da minha família, mas toda ela ainda se reúne junte a mim. Não me olha com indiferença. Criei tantas raízes que, se a vida não for mais amanhã para mim, sinto que continuarei através dos meus ramos e das minhas folhas. E isso traz tanta paz. Sinto-me uma árvore velha, tranquila, com as folhas ao vento, enquanto admiro o pôr-do-sol.”
Cecília Pinto