O determinismo das coisas aborrece-me. Tudo o que acontece obedece a uma espécie de lei pegajosa que cola os eventos uns aos outros, para que nenhum ocorra isolada nem facilmente. Por exemplo, quero ir ao Algarve, mas para lá chegar tenho primeiro que passar pelo menos umas quatro horas em viagem. E antes da viagem tenho que fazer a mala. E antes de fazer a mala tenho que a encontrar. E por aí adiante. Parece que tudo está preso a tudo, tudo atrasa tudo. O mesmo se passa nas relações: para se partilhar a vida com alguém é preciso encontrar esse alguém, não sem antes ter-se feito uma escolha, por vezes criteriosa, de entre alguns alguéns.
Na vida quase nada acontece instantaneamente. A menos que se trate de um acidente. E esta permanente existência no adiamento acaba por encher.
Quando se quer algo, há sempre um hiato temporal entre o desejo e a concretização. Mas quando não se quer, em geral a concretização dá-se sem autorização e, não raras vezes, acontece aqui e agora, sem ser necessário adiar nada.
Há uma relação íntima entre, por um lado, aquilo que se quer e a espera e, por outro, entre o que não se quer e o agora. Quero que fique verde mas espero no lento vermelho. Não quero que fique vermelho e aí está ele, instantaneamente, logo a seguir ao laranja.
Esta questão do tempo de espera para o que é bom é uma permanente angústia. Lembro-me que aos 25 anos fui acometido de uma tristeza profunda, ao ter constatado que não teria tempo para realizar a maior parte dos projetos que fui idealizando na adolescência. Andei meses de rastos, com a sensação de que a vida é curta para tudo. Mas depois de muita reflexão, deu-se-me uma epifania: se é curta, então há que ter critério, há que escolher bem os lugares onde investir energia. E assim foi, pois. Foi constituir família, trabalhar e descansar. Hoje estes são os meus três únicos projetos de vida. À beira das centenas que tinha, pode dizer-se que foi uma simplificação considerável. E os três existem agora. Têm apenas que ser mantidos em equilíbrio.
A vida é de facto curta. Ou então é a imaginação que não pertence a esta forma de vida, porque coloca na nossa mente muitas ideias que não são concretizáveis em tempo útil.
Para se ter uma vida tranquila há que saber conjugar aquilo que se deseja com o tempo que nos resta. Para concretizarmos sonhos precisamos de pagar qualquer coisa, quanto mais não seja em unidades de tempo. De borla só mesmo os pesadelos.
Vivemos tempos de esperança, de esperança de que tudo isto vá melhorar, que tenhamos os cofres mais cheios para termos vidas mais confortáveis. Mas o mesmo se passou o ano passado. E no anterior. E no anterior a esse. E na década passada e até no século passado. Foi sempre assim. Na nossa vida pessoal passa-se exatamente o mesmo. Cheguei aos 25 com a ideia de que já não faltava muito para ter o dinheiro suficiente para concretizar parte dos projetos da adolescência. Mas nunca chegava. Era preciso esperar mais e mais e o dinheiro nunca chegava.
O que concretizamos verdadeiramente é apenas o nosso dia-a-dia. Sonhar é bom, projetar também. Só assim é que vamos fazendo a nossa vida. Mas enquanto não materializamos as nossas ideias, vivemos permanentemente em processo. Este processo de construção de algo é que define a vida. E isso só acontece no lugar onde estamos e no momento presente, aqui e agora.
Joel Cunha