Foto: Man Looking Down – Максим Кукушкин
Quando a marginalização se herda, a circunstância de exclusão é um cordão umbilical bem mais difícil de cortar do que o físico que, por si só, cai.
São inúmeros os estudos que concluem que as famílias apresentam um padrão que se perpétua de geração em geração e que romper esse padrão é uma realidade pouco comum.
Se até há pouco tempo, a marginalização era uma circunstância associada a um tecido sociofamiliar económica e culturalmente desfavorecido, hoje temos essa mesma circunstância a expandir-se para tecidos sociofamiliares económica e culturalmente mais desafogados. É uma consequência do empobrecimento galopante da população!
Ora, se havia um grupo marginalizado por viver num ambiente onde a carência gerava atitudes de revolta visíveis no desinvestimento escolar e cultural, na prática de delitos e na recusa de valores de vida saudáveis, agora há um grupo marginalizado por viver num ambiente onde a carência gera atitudes de uma revolta escondida, feita de ressentimentos causadores de uma angústia pela impossibilidade de se entregar ao culto de uma aparência que já não é possível sustentar.
Nos dois casos, a experiência da exclusão obriga a uma reflexão muito, muito profunda e cuidada sobre a realidade política mundial. A sociedade adoece a cada década e a sociedade é cada cidadão, ser de individualidade e dignidade!
Talvez valha a pena regressar à origem da palavra política, na verdade ela contém uma dica preciosa para essa reflexão que urge fazer de forma continuada e por todos.
Política provém de pólis, cidade, e o cidadão que vive na cidade é político.
Fica claro que ao político, ao cidadão, ao ser de individualidade e dignidade, cabe o dever de construir a sua cidade, pelo que lhe é exigido um olhar permanente e crítico, uma atenção comprometida e uma procura responsável de um amanhã saudável e harmonioso. Jamais, sob o risco de se oferecer a uma destruição lenta, poderá depositar nas mãos de outros a escolha das respostas ajustadas à construção de um mundo melhor. Jamais, sob o risco de se deixar iludir e ludibriar, poderá alienar-se da sua realidade, repousando na convicção de que alguém promoverá a construção de um mundo melhor.
O mundo melhor constrói-se com as políticas dos políticos que somos todos nós e não um “eles, os políticos” e é imperioso que cada um assuma esta sua dimensão: a de ser político! Não se esquece que há um Lugar Institucional, o do Poder Político, mas lembra-se que esse lugar é ocupado por nós porque votamos. Cada ser individual deve cumprir-se nesta sua dimensão para poder preservar um valor inalienável do ser humano que é a DIGNIDADE. Nisto reside a cura para esta doença que ataca as sociedades: a marginalização.
Quando a marginalização se herda, a circunstância de exclusão é um cordão umbilical bem mais difícil de cortar do que o físico que, por si só, cai. A experiência da exclusão perpetuar-se-á se cada indivíduo não assumir de forma plena e permanente a dimensão cívica, política de que está imbuído desde a nascença pela sua condição humana.
A marginalização termina no exato momento em que a pessoa abandona as margens da alienação e do amorfismo e se assume ser de pensamento crítico, vontade e sonho que é o que realmente pode derrubar todas as margens que separam e aniquilam.
Sónia Coimbra