O abandono é consequência de um acto, o acto de abandonar.
Quem abandonou tomou uma decisão, reflectida, egoísta ou altruísta, é uma decisão que manifesta uma vontade e, como tal, estará preparado para as consequências do acto, ou não estando, revelar-se-á esta como uma má decisão. Se alguém abandona o emprego, o curso académico ou o lar, terá prevenido alternativas, ou não; em todo o caso, recairão sobre o próprio os efeitos da sua conduta, responsabilizando-o.
A mesma responsabilização não se pede ou exige a quem é abandonado. Este, impreparado porque se confronta com uma situação inesperada, e quase sempre indesejada, desenvolve outros sentimentos e comportamentos por forma a adaptar-se, resultado que nem sempre é conseguido. Neste caso, o abandono passa a ser causa de outros sentimentos, como a tristeza, o isolamento, a solidão, a falta de auto-estima e de amor próprio.
Normalmente, à dor de “se fui abandonado é porque desiludi, não estou à altura”, sobrepõem-se comportamentos doentios, depressivos. A vida de Florbela Espanca foi marcada por abandonos sucessivos e perdas dos quais resultou uma depressão e a concretização do suicídio à terceira tentativa. Por vezes a reacção é destrutiva, transfere-se para outros toda a raiva e frustração, impõem-se comportamentos agressivos e violentos, e inflige a si próprio uma destruição lenta; as dependências podem ser sintomas disso mesmo.
A reacção ao abandono, dos movimentos migratórios é algo bizarra. Os pais migrantes vivem com o sentimento de que abandonaram os filhos; “arrumam” este sentimento e vivem o dia-a-dia na convicção de que esta separação contribui para o bem-estar dos filhos e para lhes proporcionar um futuro melhor. Os filhos, sem a visão dos pais, sentem-se desprotegidos, desamparados. É no mês de férias que passam juntos, que tudo se compõe. Os pais compensam os filhos com exuberantes manifestações de afecto; os filhos fazem perante terceiros exibições narcisistas dos seus pais. Todos se esforçam por mostrar que são uma família normal; na prática, estão a armazenar reservas para mais uma ano de separação.
Cidália Carvalho
A mim, o Natal traz-me uma mistura de sentimentos, sendo que alguns devem-se às minhas próprias experiências e vivências e outros devem-se ao que me vai sendo possível observar no meu entorno. E são estas últimas que me levam a escrever agora, um pouco.
Nesta época do ano andamos todos encantados da vida a tentar estourar o subsídio de Natal com aqueles de quem mais gostamos, na esperança que em troca de um presente recebamos um sorriso.
É um momento em que esquecemos tudo de mau que nos rodeia e o discurso de toda a gente é cheio de optimismo (pelo menos enquanto as luzes de Natal piscam no pinheiro).
No entanto, para algumas pessoas, o Natal não é uma época de troca de prendas, nem de luzes, nem de montras cheias e mesas fartas de doces e familiares. É uma época de dor, de solidão e de abandono.
Li há dias uma reportagem sobre os nossos idosos que, nesta época natalícia, são abandonados nos hospitais, pelas famílias, como se de um rafeiro sarnento se tratasse.
O que é que este tipo de atitudes diz de nós enquanto seres humanos e enquanto sociedade? Para onde nos dirigimos quando viramos as costas a quem, muitas vezes com sacrifício pessoal, deu tudo o que tinha para nos criar? Como é que conseguimos celebrar a consoada, sabendo que deixámos alguém para trás?
É este o espírito natalício e católico que queremos passar às próximas gerações?
Espero que não...
Espero que este ano todos tenhamos o melhor Natal possível e que merecemos, junto de quem Amamos!
Alexandre Teixeira