26.1.10

 


 


O que lhe parecia impossível, aconteceu...

As dores, tão insuportáveis que chegou a temer não aguentar, esfumaram-se, deram lugar à alegria de ser mãe.

Enlevada, olha o filho que a enfermeira lhe pôs sobre o ventre. Retrai o impulso de lhe tocar; parece-lhe tão frágil que tem medo de o magoar. Depois, timidamente, afaga-lhe a carinha, as mãos e os pezinhos - é perfeito. Ternura é o que transmite nos gestos e a cada choro, ou tremura, encosta-o mais a si; quer que se sinta seguro.

 

Ainda no gozo deste primeiro encontro e já o marido irrompe pela sala, ansioso, e como ela, feliz. Hesita, não sabe a qual deles dar atenção. Olha o filho com amor enquanto acaricia a sua mulher.

Ela sente-se completa e muito orgulhosa, também ela conseguiu dar à luz...

Uma lágrima solta-se a reclamar a recompensa: atento ao sinal, ele beija-a. Entre ambos, promessas mudas de estarem sempre juntos e serem uma família feliz.

 

Inexperientes na tarefa de criar e educar fizeram do tema motivo de grandes diálogos; com o tempo, terminaram em grandes discussões. Discordaram de pequenas coisas, acabaram em total desacordo.

 

---

 

“Gosto muito dos meus pais mas fico muito triste porque estão sempre a discutir”.

 

Quiseram poupar o filho ao estigma de “filho de pais separados”; lutaram por aquela união. O empenho foi recíproco mas as zangas sucediam-se e as acusações eram mútuas. Ele cada vez mais ausente, ela cada vez menos compreensiva e tolerante, ambos a reclamar para si o esforço de ainda estarem juntos. Entre eles, a preocupação com o bem-estar do filho, com o seu futuro.

 

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“Em casa do meu pai tenho mais liberdade, posso fazer o que quero mas também gosto de estar em casa da minha mãe. Ela obriga-me a estudar mas depois deixa-me brincar com a playstation”.

 

Cidália Carvalho


 

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22.1.10


 


Do ponto de vista da parentalidade, a família tem a eminente função de proteger, educar e inserir a criança na cultura de pertença. Mas também tem um estatuto simbólico, cuja utilidade é a de estruturar os valores que regem a conduta do educando nos diversos papéis que o esperam na vida em sociedade. Essa estruturação simbólica vai sendo apreendida no convívio lá de casa, entranhando-se lentamente e moldando a forma como a pessoa se assume como filho, irmão, aluno, colega, amigo, cônjuge, pai, funcionário, patrão, elemento de equipa, ou cidadão.

 

Sobre esta questão pesa muito a configuração da família. A configuração ocidental tradicional é uma fórmula de sucesso que se manteve firme durante muito tempo. Mas assistimos a tempos de mudança e esse paradigma está a abrir espaços para novas configurações. Por exemplo, o reposicionamento da criança no seio familiar, deslocando-a para o centro, onde as suas particularidades podem ser alvo de constante preocupação, monitorização e imediata satisfação; os avós são cada vez menos agentes educativos; e a conjugalidade assume modos renovados de privatização.

 

A centralização da criança, estratégia educativa povoada de virtudes e que contraria as correntes saudosistas do “brinca na rua”, aumenta a probabilidade dela chegar à vida adulta com a qualidade que é exigível pela modernidade. Mas como estamos em processo de transição é natural que se observem erros de ajustamento: não é possível passar do “brinca na rua” para o “brinca se estiver desinfectado” sem conviver com alguns danos colaterais. Enquanto não se afina a máquina educativa parece haver necessidade de escolher entre criar uma “septicemia” ou um “pequeno ditador”. As escolas são o sumo concentrado destas frutas variadas. É nelas que os agentes educativos se vêem a braços com as múltiplas origens dos seus alunos e, pelo que me é dado a entender, continua a ser mais fácil lidar com a “septicemia”.

 

Os avós estão praticamente arredados do crescimento dos netos. Não só pelo enorme fosso tecnológico que os separa, como pelo total desinteresse das novas gerações pelas brincadeiras que outrora entusiasmavam e usavam da energia que tinha que ser libertada. A recente organização económico-social veio reestruturar a família e, neste período de transição, os mais velhos permanecem numa sombria prateleira, privados de legar os seus ensinamentos aos mais novos.

 

Quanto mais privada for a conjugalidade, mais pública se torna a parentalidade. Se o estilo conjugal é heterossexual, homossexual, bissexual, multissexual, celibatário ou qualquer outro, esse é um assunto que pertence apenas aos seus actores. No entanto, a regulação da parentalidade é cada vez mais feita por agentes externos para garantir que o crescimento “saudável” da criança se faça independentemente do estilo conjugal. Mas esta regulação tem fendas e, mais cedo ou mais tarde, dar-se-á conta de que não se pode substituir aos educadores familiares. É que a educação sem nomeação é um trabalho incompleto. Pai e mãe não são anónimos: têm a força simbólica do essencial para a plena integração da criança na sociedade. Representam os diferentes valores que, devidamente conjugados, colocam na comunidade mais um elemento activo na construção do desenvolvimento harmónico colectivo. Que as novas configurações de família consigam fazer mais e melhor!

 

Smith


 

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19.1.10

 


 


Quando me lançaram o desafio de escrever um artigo, desta vez sobre a “Família no âmbito da Saúde”, confesso que não sabia muito bem o que dizer. Depois de largos minutos a olhar para a folha em branco, comecei a reflectir e a recordar algumas das famílias dos doentes que conheci desde que comecei a trabalhar como médica. De alguns, não me recordo do nome, apenas da face, da expressão, ou do olhar...

 

Recordo um casal de meia-idade. Ele estava na fase terminal de um cancro e ela passava dia e noite, sem descanso, à cabeceira da sua cama, com receio de não estar presente quando chegasse o momento final, para acompanhá-lo.

 

Recordo um senhor invisual. Vivia sozinho e tinha uma irmã com quem não falava há mais de 10 anos. Ele guardava religiosamente o papel com o seu número de telefone na carteira. Durante o internamento contactou-se a irmã e proporcionou-se o reencontro. Teve alta dois dias depois.

 

Recordo um casal de idosos. Ela tinha Demência de Alzheimer e ele, todos os dias, fazia questão de a vestir, pentear e maquilhar como se fosse para uma festa, porque ela sempre tinha gostado de estar bonita e arranjada.

 

Lembro-me do Sr. Machado. Andava sempre com um pequeno rádio, a pilhas, para ouvir os fados da Amália. No dia em que fez 90 anos, no hospital, vieram os filhos e os netos da França para lhe dar os parabéns. Faleceu no dia seguinte.

 

A Família participa activamente na Saúde dos seus membros. A doença e a possibilidade de perda tornam, muitas vezes, as relações familiares mais fortes, ou revelam outras que julgávamos não existirem.

 

Joana Gonçalves


 

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15.1.10

 


 


Quando me convidaram para abordar o tema família “através do pilar sexo”, pensei imediatamente na ligação entre estas duas palavras; não existe família (descendência) sem sexo, mas existe sexo sem família. Como é reconhecido, vivendo num país maioritariamente cristão, mais propriamente católico apostólico romano, o sexo é para se “fazer” dentro de portas com o respectivo cônjuge. Qualquer escapadela a esta norma será sancionada pela sociedade em geral (em princípio excluindo o grupo de amigos onde ainda vigora a sexualidade do caçador / recolector), e poderá ser também pelo próprio (devido aos seus valores e normas de conduta). Isto é válido para ambos os sexos. Contudo, nem todos os casais são casados (cônjuges) e nem todos são heterossexuais, não deixando por isso de constituir um núcleo familiar. Deste modo, evitarei falar em homem/mulher e o termo família será reduzido à sua expressão de casal.

 

Tal como qualquer outra necessidade, e por necessidade estou a abranger as emocionais, físicas, económicas etc., o sexo é efectivamente um pilar essencial. Já foi sobejamente demonstrado que a libido difere de indivíduo para indivíduo. Cada pessoa vive a sua sexualidade de forma independente, procurando o prazer através dos meios que o facilitam ou o concretizam. Assim sendo, o somatório dos desejos e pulsões de dois indivíduos diferentes têm de se “encontrar” num ponto de equilíbrio. Muitos casais conseguem-no, outros não. Sou da opinião (e estejam à vontade para discordar) que poucos são os casais que estão plenamente satisfeitos com a sua sexualidade. Isto porque a sexualidade não se resume ao sexo (acto em si). Digo isto porque a sexualidade é um constructo extremamente complicado até para o próprio. Dou-vos um exemplo: quantos de nós não nos sentimos já atraídos/excitados, por uma pessoa, um som, um cheiro, etc., que noutra circunstância/contexto não aconteceria? Por vezes reúnem-se um conjunto de factores que nos “ligam” (tradução livre do turn on) sem que tenhamos uma explicação racional para tal. Pois é… a sexualidade, por vezes, não pode nem deve ser racionalizada. No nosso íntimo, quantas vezes já confessámos “eu até pensei que não ia gostar disto”, ou “ nunca pensei que fosse tão bom”? Fica a demonstração que a sexualidade tem a capacidade de surpreender até a nós próprios. O que é bom! Muito bom mesmo! E é mau! Muito mau mesmo! Desta dicotomia entre o desejável e o concretizável surgem os conflitos e as frustrações (internas e externas). Deixando as internas para cada um, analisemos as externas, as do casal portanto. Num casal, o concretizável deverá impor-se ao desejável. Caso contrário, apenas e só se o desejável for desejado por ambos. Neste caso, estaremos no domínio da sexualidade satisfatória, sendo o limite da busca do prazer da responsabilidade dos dois, situação onde é minha opinião que não deverão existir limites na procura do prazer conjunto, para além da observância da liberdade e das leis do nosso estado de direito. Como referi no início, entendo que a grande maioria dos casais não vive uma sexualidade plenamente satisfatória. O recurso à prostituição prospera, o número de divórcios não pára de aumentar, a igreja católica admite que as instituições família e casamento estão em crise e começam a ser cada vez mais comuns e aceites as traições (exemplo recente o da esposa de um ministro da Irlanda). Claro que tudo não é culpa de uma sexualidade insatisfeita, mas esta tem efectivamente a sua quota-parte de responsabilidade.

 

Em resumo: a sexualidade é um pilar na vivência quotidiana do casal, enquanto que o sexo é o instrumento pelo qual o casal gera uma prole. A sexualidade é partilhada e complexa (apesar de muitas vezes não o parecer), enquanto é também particular e complexa. Uma não existe sem a outra mas ainda bem que todos temos um recanto onde podemos guardar as nossas fantasias, podendo partilhá-las com outro se assim o desejarmos.

 

Rui Duarte


 

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14.1.10

 



 


Primeiro foram as juras de amor eterno. Iam ter filhos, uma casa, um bom carro. Iam ser felizes para sempre. E esse amor que sentiam um pelo outro ia suportar tudo, aguentar tudo, superar obstáculos.

Casaram e compraram casa. Com a ajuda do Banco. E depois um carro novinho em folha, como ele sempre quis. Com a ajuda do Banco.

 

Depois vieram os filhos, muita alegria e mais despesas. Das fraldas às roupas de marca foi um abrir e fechar de olhos, e depois são os computadores e a internet e os canais de televisão, os telemóveis, um LCD último modelo. E uns créditos pessoais a ajudarem, claro.

 

E depois de repente, as despesas eram mais do que o dinheiro que entrava. Com as contas, vieram as discussões. Afinal aquele amor podia vacilar; isto de ter que decidir que contas se pagam primeiro e quais ficam por pagar, de escolher se compramos comida ou a roupa que os filhos pedem é complicado.

Quando deu por isso, as discussões já eram sobre quem tinha culpa por estarem endividados. Quem tinha querido comprar isto ou aquilo. Quem tinha gerido mal a vida a dois...

 

Ela pensava como é que aquilo tinha acontecido e porque é que a falta de dinheiro estava a corroê-la por dentro, a ela e ao casamento. Porque é que o casamento não era mais forte do que as dívidas e as contas. Só precisava de uma segunda oportunidade, pensava. Ah, se pudesse voltar atrás... teriam gasto menos e passado mais tempo juntos. Teriam viajado menos e conversado mais. Uma segunda oportunidade, por aquele casamento em que acreditava tanto.

Menos dinheiro e mais família. Só precisavam de uma segunda oportunidade.

 

Um dia ele não voltou do trabalho. Ela inquietou-se. Os dias passaram. A polícia não descobria nada. O tempo passou. Ela sofreu, pensou se ele teria feito uma loucura. O dinheiro, o dinheiro deitara tudo a perder, arruinara as suas vidas.

Um dia, já meses mais tarde, cruzou-se com um colega de trabalho do marido. Acabaram a conversar. O colega espantou-se que ela não soubesse do marido. Ele tinha deixado de ir trabalhar, de facto. Mas não tinha morrido. Tinha-lhe saído o Euromilhões! Pagou uns copos aos colegas, disse que se despedia. Foi a última vez que o viu.

 

Ela ainda o procura; pôs um processo em Tribunal. Há dívidas conjuntas por pagar, há filhos. E ela com tudo aos ombros e ele sabe-se lá onde, a gozar a segunda oportunidade. Já lá vão três anos.

Ela podia perguntar-se o que aconteceu àquele amor tão lindo que tiveram. Mas não tem tempo para isso. Tempo é dinheiro, e ela não tem dinheiro.

 

Dora Cabral


 

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8.1.10


 


Quando pensamos nessa instituição a que damos o nome de família, é impossível não pensar nos pais dessa família. Quem são? Qual o papel que desempenham nesse grupo de pessoas? Serão eles apenas os progenitores, aqueles que geraram uma ou mais vidas? Que responsabilidades têm eles sobre esses novos seres?

 

Numa fase muito inicial da evolução perceptiva do bebé, a mãe e o pai tornam possível o desenvolvimento do contacto com as coisas do mundo exterior, possibilitando à criança diferenciar-se como pessoa numa relação que começou por experiências de vivência dual (mãe-bebé). Assim, o bebé tem novas e fantásticas experiências que lhe permitem perceber a existência de coisas e acontecimentos que se encontram fora do seu “eu”.

Os pais são os primeiros cuidadores da criança. Deles é esperada a protecção e o mimo. O incentivo para o primeiro passo, o conforto depois de cada queda…

A função educativa, partilhada com a escola, pertence também aos progenitores. Os pais enfrentam diversas situações que ocorrem no dia-a-dia das crianças e adolescentes, tendo o papel fundamental de lhes introduzir valores como a amizade, a responsabilidade, a generosidade, a tolerância e, muito importante, o respeito pelos outros.

 

Já na idade adulta, é nos nossos pais que muitas vezes encontramos o apoio e inspiração para enfrentar as adversidades do dia-a-dia. Eles funcionam como modelo de alguém que aprendeu muito essencialmente por imitação de comportamentos.

Enfim, os pais são essenciais à formação de cada um como pessoa!

 

Andreia Esteves-Pinto

 
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5.1.10

 


 


Primitivamente, a família aparece para assegurar a herança dos bens dentro do mesmo grupo de pessoas.

Família é, historicamente e na cultura ocidental, um grupo de pessoas do mesmo sangue.

Mas a família tem vindo a transformar-se e está longe da visão materialista primitiva e do simples conceito de consanguinidade.

As mudanças religiosas, os factores económicos e socioculturais, transformaram-na e, hoje, o papel da família vai muito para além da defesa da propriedade privada e da estrutura inicial de pai, mãe, filhos e irmãos.

A família como agregação social não obedece a um único padrão pelo que fará mais sentido falar em famílias, no plural.

 

Hoje, compete aos membros de cada família responder às mudanças internas e externas, criando, dentro do grupo, condições de protecção psico-social dos membros, assimilar uma cultura e assegurar a sua transmissão. Esta dupla função, de dar e receber dos seus membros e da sociedade, é tanto mais bem conseguida quanto mais estruturada for e mais definidos estiverem os papeis de cada elemento, funções que têm que ser atribuídas com base no diálogo, franqueza e respeito mútuo pela individualidade de cada um.

Só com estes ingredientes se pode estabelecer uma relação de partilha, não de posse, que permita transformar a família num núcleo gerador de afectos, onde os seus membros se sintam seguros satisfeitos e úteis.

 

Cidália Carvalho

 
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