Como profissional de saúde mental vejo-me muitas vezes confrontada com o dilema ético de dar a conhecer, ou não, o diagnóstico ao próprio doente.
O objectivo deste artigo, não é o de convencer o doente com esquizofrenia a tratar-se, mas o de ensinar como tornar-se num esquizofrénico. Isto porque verifico muitas vezes um desencontro entre as duas realidades, a do mundo clínico e a do mundo do doente; assim, quero fazer uma aproximação humorística da situação.
Alerto desde já que ser esquizofrénico não é para qualquer um, é uma tarefa árdua e difícil. Não é esquizofrénico quem quer, depende de um desenrolar abrupto de acontecimentos. Essa constelação de acontecimentos pode começar com o nascimento nos meses frios, ter problemas no parto, suportar viroses precoces; é o que os investigadores até hoje procuram.
O mais importante é ter ideias delirantes, alucinações, ter um discurso sem organização, possuir um comportamento claramente desorganizado ou catatónico. Quem andar à procura de saber se é esquizofrénico, olhe para si próprio e verifique se tem dificuldade em contactar com os outros por nunca saber em que onda eles estão, se é difícil manter a sua concentração, se nunca percebe bem o que os outros querem dizer.
Com todo este trabalho até pode tornar-se num pequeno génio cheio de originalidade. De facto, é possível que desenvolva habilidades adicionais, como notar pormenores que ninguém notara antes, ou saber usar indistintamente as duas mãos quando a maioria das pessoas usa a direita (ou a esquerda no caso dos canhotos), por exemplo, para escrever.
Uma coisa importante é, para já, ter uma vida rotineira de modo a não se confrontar com situações imprevisíveis e tumultuosas onde teria de pôr à prova as suas emoções. Isso ficará apenas para pouco antes do início da doença, uma coisa de cada vez! Sobretudo, nada de namoros e muito menos contactos físicos com o outro sexo. Sabe como essas situações podem ser emocionantes, mas deve esforçar-se por nunca aprender a lidar com as emoções. Pode apenas permitir-se a uma ou outra paixão platónica, quanto mais impossível, melhor. Bom bom, é que essa paixão só exista na sua cabeça e depois comece a falar de si para si. O exercício que lhe lanço é mesmo esse: fale de si para si e permita responder-se a si mesmo.
Outro exercício que lhe proponho é que leia muito sobre tudo e depois confunda tudo, criando um curto-circuito no seu cérebro, queimando alguns fusíveis. Assim, vai ter sempre confirmadas as suas ideias e as suas previsões. Com esta postura, haverá algum afastamento por parte dos outros, mas não se preocupe porque está no bem caminho. Retraia-se se lhe chamarem autista; não lhes dê ouvidos.
As palavras e as coisas transfiguram-se e mudam de significado para lhe confirmarem essas verdades. As pessoas já não falam do mesmo modo, mas por sinais codificados que só você compreende. Tudo gira à sua volta e sente que tem controlo sobre o mundo.
Sónia Moura Sequeira