19.2.10


 


Aos dezasseis anos a vida parece uma corrida de 100 metros e nós não podemos perder o arranque inicial, sob risco de ficarmos para trás. Temos de experimentar tudo e viver tudo, como se não houvesse amanhã.

Como é óbvio, eu não era diferente e desde cedo me senti tentada a descobrir o mundo que me rodeava, apesar de todos os avisos que os meus pais, diligentemente, insistiam em dar.

Nos intervalos das aulas comecei a fumar uns charros, com os meus colegas, nas traseiras do ginásio, achando que ninguém se aperceberia dos meus olhos vidrados e vermelhos e do riso constante durante as aulas. De uma forma natural e progressiva cada vez me interessava menos pelas aulas e comecei a faltar mais e mais, até a escola deixar de fazer sentido para mim; afinal de contas tudo o que eu precisava de saber da vida estava bem longe dali.

Comecei a sair mais à noite e a beber para me sentir livre e descontraída. Os rapazes começaram a reparar em mim, o que me fazia sentir bonita e desejada. Gostava de lhes agradar e a forma mais fácil e natural passou pelo sexo. Era algo em que eu era boa e tudo correria bem, se não tivesse engravidado.

Depois de todas as asneiras que fui fazendo, os meus pais, finalmente, fartaram-se e tive de sair de casa. Agora com uma criança nos braços, vejo-me obrigada a ganhar dinheiro para nos sustentar. Sem formação escolar e sem conhecimentos no mercado de trabalho, a única alternativa que encontrei, foi fazer o que já fazia para ser aceite, mas desta vez por dinheiro.

Se o sexo me meteu nesta alhada, é ele que me ajuda a sobreviver.

  

AT


 

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12.2.10

 


 


Existem variadas situações em que dizemos que isto, ou aquilo, é uma droga, isto é, algo que não presta!

Atribuem-se-lhes nomes que tais produtos não merecem, tal como Heroína. Sem se dar conta, ao fraquejar perante ela, fica-se prostrado, abaixo do mais baixo que existe, capaz que ela é de fazer sucumbir qualquer ser existente no nosso planeta.

 

O início, com as chamadas drogas “leves”, é algo inocente e inebriante. Talvez como tentativa de afirmação perante os amigos ou conhecidos, talvez querendo sentir-se destemido ou ousado, surge a atracção pela adrenalina do desconhecido, do perigo, e inicia-se uma viagem dolorosamente terrível, por vezes só com bilhete de ida. A entrada é fácil e doce, em algo que transporta a mente, e por consequência o corpo, para lá do imaginável. As nuvens que parecem flutuar, transformam-se sempre em pântanos de areias movediças. Sem se dar conta, uma verdadeira e sã vida estão cada vez mais afastadas. Sem dar por isso, o corpo e a mente vão ficando dependentes, mas fazendo a leitura de que tudo é normal. Após enraizar-se é muito difícil de eliminar.

 

Mas esses demónios criados pela natureza e transformados pelo Homem para a sua auto-destruição, também podem ser combatidos por algo superior a tudo e a todos - a força de vontade.

 

Abílio Janeiro


 

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5.2.10

 


 


Sentado na esplanada, Adolfo cumpria o ritual diário que o acompanhava há muitos anos. Maquinalmente, dividia o tampo redondo da mesa em três partes. O terço à esquerda era ocupado pelo jornal da casa; o da direita pelo carioca de limão e o restante pela enorme bolsa de cabedal a rebentar de documentos, fotos, cartões de desconto, recortes de jornais e outras inutilidades.

Começou por esmagar a casca do limão e lançar os olhos sobre os títulos da primeira página. Acrescentou meio pacote de açúcar e mexeu, mexeu, lentamente mexeu até se convencer de que o composto adquirira o ponto ideal. Virou o jornal ao contrário e começou a leitura da última página. Ainda se sentia incomodado pelo texto que lera há muitos anos anunciando que as mulheres, ao contrário dos homens, lêem os jornais e revistas de trás para a frente.

Um artigo sobre o regime dos mullah prendeu-lhe a atenção. Não entendia a posição do Ocidente. Achava, entre dois goles de carioca, que a solução passava por arrasar todo o Médio Oriente e parte da Ásia. Solucionava-se o problema do Iraque, da Síria, do Irão, do Afeganistão, do Iémen, do Paquistão e de mais alguns que os seus conhecimentos de geografia e de política não abarcavam. Colocavam-se os israelitas a explorar o petróleo dos sultanatos e emiratos, e finalmente tínhamos paz e petróleo para sempre.

 

Na mesa seguinte, Alzira puxou de um cigarro, rolou-o entre o polegar e o indicador, hesitou, mas acabou por sucumbir a um período de abstinência de vários meses. Recostada na cadeira para melhor inspirar, cerrou os olhos e abandonou-se ao vício de há muitos anos.

Mínima 2 graus, máxima 9. Vento moderado a forte de noroeste e períodos de chuva com abertas para o sul. Assim se explicava: a fulana que se sentara na mesa seguinte estava precisamente a noroeste da sua mesa. “Apague o cigarro”, resmungou num tom capaz de intimidar o mais radical ayatollah. Alzira, mulher de poucos medos, fulminou-o com o olhar, apagou o cigarro mas acendeu outro, logo de seguida. Adolfo levou a chávena à boca e sentiu um forte sabor a limão. Folheou nervosamente o jornal e fixou-se num artigo sobre esse conjunto de bactérias a que chamamos vaca, principal produtor de metano, um dos principais responsáveis pelo aquecimento global. Um sorriso prenunciador de vingança percorreu-lhe a face. Chamou o empregado e encomendou: um bife grelhado com manteiga, um copo de leite e uma fatia de queijo de vaca. Ah! E um iogurte.

 

José Quelhas Lima


 

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30.1.10

 


 


Num copo que repousa sobre a mesa, vêem-se algumas pedras de gelo. Um ambiente em que o ar rarefeito é partilhado por várias personagens reais. Estas são distintas na sua aparência e em comum apenas o cansaço após um dia de trabalho.

 

“- É hoje! Tenho a certeza que vai ser hoje que a minha maré de azar vai terminar!”, pensa um indivíduo de olhos encovados que bate nervosamente com os dedos em cima da mesa, demonstrado total impaciência no revelar do naipe de uma nova carta.

 

“- Eu sou o melhor! Caramba, como sou bom! Ganhei já três vezes seguidas! Na próxima tenho de apostar tudo e vou voltar aos bons velhos tempos… Ah, dinheiro na carteira!”. A excitação é visível naquele rosto demasiado pálido, sobre um corpo demasiado impaciente que mal consegue manter-se quieto.

 

“- Não! Eu não deveria estar aqui! Eu prometi! Eu dei a minha palavra de honra que não voltava… mas seguramente que me perdoa quando vir o pequenino PC que lhe vou comprar com o dinheiro que vou ganhar”. Um olhar vidrado mira estaticamente a roleta, aguardando e pedindo para a bola parar no número e na cor que ela tanto precisa, para obter o perdão por ter faltado ao prometido.

 

“- Quanto? Quanto mais poderei apostar desta vez? Vou arriscar e apostar a prestação da casa e, com um golpe de sorte, ganho e pago as duas mensalidades que já se em encontram em atraso. É isso! …”. Um pensamento que berra por uma boca cerrada.

 

Seja qual for o pensamento, a ilusão que se utiliza, ou o engodo, a verdade é que aquele que vive dependente vai sempre encontrar uma justificação e uma fantasia capaz de sustentar uma vontade que se torna irracional, apoderando-se de todos os sentidos, fazendo dele viciado.

 

Susana Cabral


 

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